Mercado livre inquieto com despacho da Aneel sobre energia incentivada
Maurício Corrêa, de Brasília —
Enquanto na superfície um encontro sobre o mercado livre de energia elétrica, realizado na Bahia, na semana passada, tratava dos rumos que o ML terá nos próximos meses, nos bastidores o assunto no qual quase todo mundo estava interessado era a dura decisão da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que deu um sonoro “não”, dias antes, aos pedidos de impugnação formulados pelas comercializadoras Diferencial, Terra Energy, BTG Pactual, Clime Trading, Comerc, FC One e Nova Energia, à decisão da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) que recontabilizou operações feitas por essas empresas na matriz de comercialização da energia incentivada.
A decisão tomada pela diretoria da agência, que acatou o voto formulado pelo diretor Reive Barros, ocorreu no dia 22 passado. As comercializadoras discordaram da argumentação da CCEE, quando foram punidas, alegando que havia erros de implementação no sistema computacional das regras de comercialização e que, portanto, as operações de energia incentivada eram rigorosamente lícitas. Mas a Aneel avalizou totalmente a decisão da CCEE.
Em seu voto, Reive Barros — que é considerado pelos agentes como um diretor severo — reconheceu que de fato havia tais erros. Os sete agentes de comercialização alegaram à agência reguladora que atuaram conforme as normas e que não descumpriram qualquer lei, razão pela qual não havia motivos que impedissem a realização daquelas operações na forma como foram executadas.
O diretor, entretanto, desmontou essa argumentação. Segundo ele, “um perfil com 50% de desconto não poderia registrar um contrato de venda para um perfil de 100%, sob a justificativa de que uma determinada quantidade de energia, com 50% de desconto, poderia ser transformada em um saldo de 100% de desconto e outro sem desconto”.
Em uma linguagem mais objetiva, esse tipo de operação — não necessariamente por má fé dos comercializadores — significou, na linguagem cifrada do diretor da Aneel, uma espécie de fabricação artificial de lastro, potencializando um erro que existia (já foi corrigido imediatamente, tão logo descoberto) no sistema computacional da CCEE.
“Não é razoável supor que toda lacuna no SCL (Sistema de Contabilização e Liquidação da CCEE) se configure como direito adquirido por agentes pelas operações de compra e venda de energia no mercado de curto prazo”, ironizou o diretor da Aneel. “Também não se pode concordar que uma vez implementadas as regras não podem ser corrigidas para conferir o adequado tratamento”, continuou.
Aqueles que entendem que não houve má fé lembram que inclusive partiu das comercializadoras Diferencial e Terra Energy a iniciativa de procurar a própria CCEE , solicitando a recontabilização de um contrato envolvendo energia incentivada. Em 24 de novembro do ano passado, a CCEE indeferiu esse pedido. Desconfiou que havia casos semelhantes envolvendo outras comercializadores e passou o pente fino, reprocessando toda a matriz de descontos com a energia incentivada desde janeiro de 2015.
Em conseqüência, descobriu que a BTG Pactual, a Clime Trading, a Comerc, a FC One e a Nova Energia estavam no mesmo barco. As sete empresas espernearam, mas a CCEE mandou o processo para a Aneel, que agora se manifestou através de um voto da diretoria. Dentro da Aneel, o processo seguiu a tramitação normal, com recursos das empresas, até cair, por sorteio, nas mãos de Reive Barros.
Nos bastidores do evento da Bahia, foi possível ouvir que 2016 não tem sido um bom ano para o principal dirigente da BTG Pactual, Oderval Duarte, que também é presidente do Conselho de Administração da Abraceel, a associação dos comercializadores. Não só por causa dessa questão, que é muito polêmica e pode lhe causar transtornos comerciais e institucionais, devido à necessidade de eventualmente ter que explicar o que aconteceu, mas, também, por uma até hoje mal explicada acusação feita à Cemig, no meio do ano.
Nesse episódio, a associação entrou com um recurso meio aloprado na Aneel, acusando a geradora mineira, que é sua associada, de ter praticado “inside information” . Sob ameaça de um processo na Justiça, a associação se retratou publicamente junto à Cemig. Embora o assunto tenha sido contornado, naturalmente deixou seqüelas dentro da Abraceel e foi novamente comentado por associados durante o evento na Bahia.
Este site acredita que essas situações envolvendo Oderval Duarte serão diluídas com o tempo. O fato, contudo, é que a BTG Pactual não é uma comercializadora qualquer. Ela é uma das grandes do mercado e facilmente se encaixa entre o critério das “top 5” das comercializadoras independentes (que não são vinculadas a conglomerados do setor elétrico).
De qualquer forma, existem pessoas que acreditam que esses dois casos podem causar dificuldades a Oderval Duarte em uma eventual tentativa de reeleição para a presidência do Conselho de Administração da Abraceel, no primeiro trimestre de 2017.
O mesmo raciocínio se aplica à Comerc, que também é uma das maiores comercializadoras do País. Afinal, seu presidente, Cristopher Vlavianos — um dos pioneiros no mercado livre de energia elétrica no Brasil — é um dos nomes mais fortes dentro do Conselho de Administração da Abraceel e, inclusive, tem sido citado como eventual candidato a ser apoiado por Duarte, para a presidência do Conselho, caso este por alguma razão não queira mais exercer a função.
Este site apurou que o humor dos comercializadores com relação ao episódio da matriz de desconto da energia incentivada vai decorrer do que conterá o Despacho 3028, a ser emitido pela Aneel, que inexplicavelmente ainda não foi publicado no “Diário Oficial da União”.
Como nesta terça-feira, dia 29 de novembro, completa-se uma semana da tomada de decisão pela diretoria da Aneel, a especulação está comendo solta entre os comercializadores, que tentam decifrar a razão pela qual o despacho ainda não tinha sido oficializado, pelo menos até o fechamento desta matéria.