Cooperativas de energia resistem ao tempo e dão bom exemplo
Maurício Corrêa, de Brasília —
Criticadas em larga escala por terem se afastado das suas bases de clientes, que quase sempre são atendidos por gravações de serviços de teleatendimento, as grandes concessionárias de distribuição do País poderiam se mirar no exemplo que vem de 68 pequenas distribuidoras que atuam em cidades do interior e têm na proximidade com os consumidores o seu ponto forte de atuação empresarial. São as cooperativas de eletrificação rural, que se espalham por oito estados e entregam energia elétrica para cerca de 700 mil unidades consumidoras e 4 milhões de pessoas.
”Nosso ponto forte consiste exatamente na proximidade com os consumidores, o que nos permite cuidar bem da qualidade do serviço prestado. Como estamos perto do cliente, a nossa agilidade em resolver problemas é enorme”, alega Marco Morato, um engenheiro com graduação em Agronomia, mestrado em Engenharia Civil e que, desde 1999, atua no sistema cooperativista. Morato é o analista técnico responsável pelas áreas de energia e meio ambiente do movimento cooperativista brasileiro.
A atuação das cooperativas na área de energia teve origem em 1941, na Cooperativa de Força e Luz de Quatro Irmãos, constituída no município gaúcho de Erechim. Surgiu da necessidade de levar energia ao campo e suprir uma lacuna na área de infra-estrutura que não era preenchida por grandes empresas ou pela atuação do Estado.
“O cooperativismo tem vários significados, mas o mais importante deles é que representa, antes de tudo, a participação do cidadão. Temos consciência que não se pode jogar tudo para o Estado e que a sociedade é suficientemente madura para se organizar e também oferecer bons serviços”, explica Morato.
Conversando informalmente com alguns funcionários da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e do próprio Ministério de Minas e Energia, percebe-se que há desconhecimento, incompreensão e até preconceito quanto ao papel desempenhado pelas cooperativas de energia elétrica.
Entretanto, na última premiação do Iasc, o Índice Aneel de Satisfação do Consumidor, cinco cooperativas obtiveram notas superiores a 84,28 pontos, ficando à frente de todos os demais agentes do setor elétrico brasileiro com tamanho similar. A melhor nota, aliás, coube à Cooperativa de Distribuição e Geração de Energia das Missões Ltda (Cermissões), do Rio Grande do Sul, que ficou com 89,38 pontos.
Das atuais 68 cooperativas de distribuição de energia elétrica (das quais 10 também têm unidades de geração, principalmente Pequenas Centrais Hidrelétricas – PCH´s, compreendendo uma capacidade instalada total de 60 MW), 38 são classificadas como permissionárias pela Aneel, 15 são autorizadas e uma também é concessionária, sendo que 14 ainda têm o processo na fase de enquadramento pela agência reguladora. No total, as cooperativas representam investimentos da ordem de R$ 2 bilhões e o consumo total alcança cerca de 500 MW.
As cooperativas atuam não apenas no Brasil. Em outros países, a tradição do movimento cooperativo é muito expressiva. Na Alemanha, por exemplo, país de forte tradição em cooperativas, existe quase 1 mil cooperativas de energia, além de 1,2 mil bancos cooperativos, que são sólidos e integrados ao sistema financeiro nacional. A francesa Tereos, uma gigante mundial do agronegócio e que no Brasil controla a sucroalcooleira Guarani, surgiu no movimento cooperativo. Da mesma forma, a Mapfre, uma empresa espanhola de atuação global no mercado de seguros, é uma cooperativa. Os exemplos são muitos pelo mundo inteiro.
Morato explica que o serviço de distribuição de energia elétrica nas áreas geográficas das cooperativas é mais oneroso, em conseqüência da existência de um menor número de usuários por km de rede implantada. Nesse mercado rarefeito de consumidores, a média é de cinco usuários por km de rede, quando a média das concessionárias situa-se em 20 por km de rede. “Nosso custo necessariamente é mais alto, embora algumas pessoas não entendam essa situação peculiar das nossas cooperativas de energia”, assinalou o responsável pela área.
De qualquer modo, não se pode menosprezar o papel das cooperativas de energia no processo de desenvolvimento econômico. Afinal, na maioria dos casos, elas surgiram praticamente no meio do nada e de populações rarefeitas, em um tipo de atendimento tipicamente rural. Com o tempo, essas populações foram se adensando, em função da energia elétrica, e muitos municípios surgiram em torno das cooperativas. Uma delas, a Içara, do Rio Grande do Sul, aliás é uma concessionária de energia elétrica, título conquistado em 1950.
Nesse contexto, existem as cooperativas que só atendem os seus cooperados, mas também há aquelas que atendem municípios inteiros, inclusive grupos de municípios. O exemplo mais claro é a Cooperativa de Eletricidade Rural de Teutônia Ltda (Certel), sediada no município gaúcho de Teutônia. Fundada em 1956, é a maior cooperativa de eletrificação rural do País e hoje atua em 48 pequenos municípios do Rio Grande do Sul, atendendo a um público superior a 180 mil pessoas.
A Certel cresceu bastante e hoje controla uma rede de lojas Certel (de eletrodomésticos), um provedor de internet (a Certel Net), tem uma parte de geração com várias PCH´s e também é dona da Certel Artefatos de Cimento. No conjunto das 68 cooperativas de energia elétrica vinculadas à Organização das Cooperativas Brasileiras — OCB, 5% das unidades consumidoras atendidas não são de cooperados.
O sistema cooperativo de energia elétrica, embora organizado, não está imune à existência de problemas. Desde 2002, as cooperativas têm um desconto médio de 60% no valor que pagam pela tarifa de energia. Porém, em 2007, um decreto normatizou que esse desconto cairia 25% ao ano, a partir da segunda revisão tarifária das cooperativas, que começou a ser aplicada em 2016. O texto do decreto praticamente detonava as cooperativas, pois acabava com o desconto Foi quando o Poder Executivo emitiu a Medida Provisória 735.
As cooperativas, vislumbrando a oportunidade de melhor dosar a retirada dos descontos, agiram politicamente dentro do Congresso Nacional (utilizando o apoio da forte Frente Parlamentar do Cooperativismo) e conseguiram buscar um equilíbrio na MP, garantindo que os descontos das cooperativas seriam reduzidos até a sua extinção, porém gradualmente, de modo que a tarifa dos cooperados não possa ultrapassar 20% da tarifa do consumidor equivalente na principal concessionária supridora, como explicou Marco Morato.
“Um dos nossos principais desafios ainda consiste em proteger o consumidor final. Fizemos várias simulações e vimos que, com o fim dos descontos, os consumidores das cooperativas ficariam com uma tarifa 50% acima do valor cobrado pelas concessionárias, em um prazo de apenas quatro anos. Felizmente, existe sensibilidade por parte dos congressistas e do próprio Poder Executivo, quanto a retirada gradual dos descontos, tema ainda não resolvido pela Lei 13.360”, disse o técnico da OCB.
Esse subsidio é responsável pela equalização da tarifa aplicada aos consumidores, pois só assim é possível atingir a modicidade tarifária para os consumidores das comunidades atendidas pelo movimento cooperativo. “Não pedimos privilégio. Apenas nos esforçamos para mostrar que o nosso mercado de atendimento tem situações peculiares e que as cooperativas não podem ser tratadas da mesma forma que as concessionárias”, declarou. Outro desafio buscado pela OCB é a padronização das informações prestadas à Aneel pelas cooperativas.
O sistema cooperativo atua através de três núcleos. Além da OCB, que promove o cooperativismo junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e representa as cooperativas brasileiras dentro e fora do País, tem a Confederação Nacional das Cooperativas (CNCoop), que é a entidade sindical de grau máximo das cooperativas, e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop), que vem a ser o “Sistema S” do movimento cooperativo e cuida da capacitação dos cooperados.
No total, há 13 ramos econômicos que têm participação de cooperativas no Brasil: agropecuário, consumo, crédito, educacional, infraestrutura (onde se insere a área de energia elétrica), habitacional, produção, mineral, trabalho, saúde, turismo e lazer, transporte e especial. As cooperativas brasileiras são filiadas à Aliança Cooperativa Internacional.
Devido à forma como o sistema elétrico brasileiro hoje está dimensionado, novas cooperativas, semelhantes às que já existem, não podem mais ser criadas. Assim, as 68 cooperativas vinculadas à OCB desejam encontrar alternativas mais eficientes de aquisição de energia que possibilitem o atendimento aos seus consumidores. “Precisamos de tempo e mecanismos para efetuar esse ajuste, de forma gradual, e acreditamos que isto será possível, de modo que as cooperativas possam continuar existindo no setor elétrico brasileiro, prestando serviços de alta qualidade”, alegou o especialista da OCB.