Engevix controla até luz para sobreviver
O ex-sócio do grupo Engevix, Cristiano Kok, costumava usar uma frase para explicar a rápida ascensão da empresa nos últimos anos: “Não somos ambiciosos, somos oportunistas”, disse ele, numa entrevista concedida ao ‘Estado’ em fevereiro de 2012, após vencer o leilão do Aeroporto de Brasília, com ágio de mais de 600%. Esse conceito, no entanto, custou caro ao grupo, que hoje vive a ressaca da Operação Lava Jato, o maior escândalo de corrupção da história do País.
Da época de bonança da empresa, cujo portfólio era recheado de grandes projetos e faturamento acima de R$ 3 bilhões, sobrou pouco. Desde que os sócios do grupo foram presos pela Polícia Federal por envolvimento no escândalo, a empresa encolheu para menos de um terço do que era antes. Vendeu ativos importantes – como os aeroportos (Brasília e São Gonçalo do Amarante/RN) e a subsidiária de energia Desenvix – e pediu recuperação judicial de um dos maiores investimentos da companhia nos últimos anos, o Estaleiro Rio Grande.
“Relançada” recentemente como Nova Engevix, a empresa hoje é comandada por José Antunes Sobrinho, que comprou no ano passado a participação dos sócios Cristiano Kok e Gerson Almada por R$ 2 e absorveu uma dívida que beirava os R$ 2,5 bilhões. Dos três, Almada foi condenado a 19 anos de prisão por corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa. Antunes e Kok foram absolvidos pelo juiz Sérgio Moro, mas têm outras pendências na Justiça.
Desde a negociação entre os sócios, um amplo plano de reestruturação vem sendo colocado em prática dentro da companhia, que tem ações de improbidade em andamento. A ideia é se concentrar na área de construção e em projetos de engenharia. Se tudo correr bem e a economia reagir, em dois anos, a empresa acredita que estará numa situação um pouco mais confortável, contam fontes próximas do grupo.
Com a drástica queda no faturamento, a estrutura minguou. Dos 20 mil funcionários, diretos, indiretos e subcontratados, restam menos de 3 mil pessoas na companhia. O salário de quem ficou no grupo hoje está em dia, mas o 13.º salário e os rendimentos de dezembro só foram pagos em janeiro.
Ex-executivos da empresa contam que, além da redução do quadro de empregados, a contenção de despesas tem sido rígida para todo mundo. Sem motoristas particulares, luxo para tempos tão bicudos, até os executivos têm usado Uber para transitar pela cidade. Viagens de avião só se forem marcadas com antecedência para evitar custos elevados.
Hoje até o consumo de energia elétrica passou a ser controlado com austeridade, afirmam trabalhadores que deixaram recentemente a empresa. Durante o dia, o prédio fica na penumbra, pois é proibido acender as luzes. O ar condicionado também é controlado Se a temperatura ficar abaixo dos 25 graus, o aparelho não pode ser ligado.
Na sede do grupo, localizada no Centro Empresarial Tamboré, em Barueri, o andar térreo está praticamente desocupado. No passado, dezenas de funcionários tinham suas mesas instaladas ao redor de um agradável jardim central com luz natural e uma bela escultura suspensa. Hoje todas as mesas estão vazias. Fontes afirmam que várias salas do prédio também estão vagas – cenário bem diferente daquele que perdurou até 2013.
Embora tenha sido criada em meados da década de 60, a empresa mudou de mãos em 1997. Naquele ano de grandes transformações, com o maior processo de privatização em curso no País, Kok, Antunes e Almada deram um grande passo. Juntos, eles propuseram ao patrão, o empresário João Rossi, a compra da empresa por algo em torno de US$ 30 milhões.
O chefe, que andava desanimado com o negócio, não pensou duas vezes. Vendeu a empresa e ainda aceitou dividir o pagamento em 100 parcelas mensais. Assim, nasceu a Jackson, a holding batizada com partes dos nomes dos sócios e que reunia os negócios da Engevix.
Nos quatro anos que antecederam a Lava Jato, o faturamento da empresa teve um salto de 141%, de R$ 1,3 bilhão para R$ 3,3 bilhões. Negócios de peso entraram no portfólio da companhia, como as concessões dos aeroportos, a construção do Estaleiro Rio Grande e a Hidrelétrica de Belo Monte.
Hoje os planos da Nova Engevix, que não quis se pronunciar, são bem menos ambiciosos. A palavra de ordem é sobreviver. Para isso, porém, a empresa precisa concluir as negociações de um acordo de leniência com o Ministério Público Federal.
Com poucas obras em carteira e com a imagem arranhada por causa do envolvimento no escândalo de corrupção, a Engevix conta com o contrato de montagem eletromecânica da Hidrelétrica Belo Monte (que dura até 2020) para garantir as contas em dia, pelo menos, pelos próximos dois anos, afirmam especialistas do setor
O contrato vai ajudar a manter o nível de receitas entre R$ 300 milhões e R$ 400 milhões na área de construção e R$ 130 milhões da área de engenharia de projetos – até 2013, o faturamento da construtora era de R$ 1,2 bilhão. É com essa estrutura de receita que a empresa espera se reerguer enquanto resolve questões judiciais. Além de estar na mira do Tribunal de Contas da União (TCU) por alguns projetos, ela tem duas ações de improbidade em andamento. Por isso, negocia um acordo leniência com o Ministério Público Federal.
Enquanto essas pendências não se resolvem, a empresa tem agregado alguns pequenos serviços na carteira de projetos. Em março, a empresa conquistou um contrato em Pernambuco para elaboração do projeto de recuperação da Barragem Inhumas, em Garanhuns. O valor: R$ 293 mil – bem distantes dos bilionários contratos do passado. Um mês antes foi a única qualificada na tomada de preços para fazer o projeto executivo de reparo da barragem Paranã (GO), de R$ 257 mil.
No mercado externo conseguiu um contrato um pouco maior: de US$ 2 milhões para uma barragem na Bolívia. Embora sejam serviços pequenos, fontes do setor afirmam que neste momento o importante é se manter ativa no mercado até a turbulência passar.
“Nesse processo todo, as empresas vão encolher drasticamente ou desaparecer”, diz um especialista em infraestrutura, que prefere não se identificar. Na Engevix, o risco de “desaparecer” existe se a empresa não conseguir fechar o um acordo de leniência com o Ministério Público. “O mercado financeiro, o mercado de capitais e investidores estrangeiros não querem saber de empresas com problemas. Sem acordo de leniência, fica difícil se recuperar”, disse outra fonte do setor.
A reestruturação da empresa está baseada na reorganização da estrutura atual, renegociação de dívidas, criação de novos mercados e no Comitê de Compliance independente. Também prevê definir o destino de alguns ativos que continuam no portfólio da companhia.
A Engevix tem, por exemplo, participação na Via Bahia – grupo que detém a concessão das BRs 116 e 324, no Estado baiano. A expectativa é que a empresa venda sua participação para o grupo canadense PSP Investment, que em 2015 comprou a fatia da Isolux na concessão. O negócio ajudaria a Engevix a reforçar o fluxo de caixa.
Outro projeto que pode ter mudanças é a Hidrelétrica São Roque, de 141 MW, em Santa Catarina. Com 80% das obras concluídas, a empresa busca um sócio para terminar a usina já que não há mais recursos para tocar o empreendimento. Por enquanto, o objetivo é continuar como sócio, mas se as negociações não avançarem pode haver a venda integral do projeto, apurou o Estado. O banco BTG Pactual foi contratado para procurar opções no mercado.