Biogás quer aumentar participação na matriz
Maurício Corrêa, de Brasília —
Embora 2016 tenha sido o melhor ano para o biogás no Brasil, com uma expansão de 30% em relação a 2015 e chegando à capacidade instalada próxima de 120 MW, mesmo atravessando um momento de enorme crise econômica e política no País, o segmento vive uma espécie de crise de identidade. Tem confiança total no potencial do biogás, mas, ao mesmo tempo, sofre um certo desalento com o enorme desperdício de um produto nobre, que poderia estar contribuindo muito mais para a para a geração elétrica e também no seu uso como biocombustível.
Isso ficou muito claro, nesta segunda-feira, 24 de abril, na mesa temática do IV Encontro dos Municípios com o Desenvolvimento Sustentável, que se realiza em Brasília. Para Alessandro Gardemann, vice-presidente da Associação Brasileira de Biogás e de Biometano (Abiogás), “é provável que seja necessário mudar a nossa comunicação. Precisamos tornar o biogás mais sexy”, brincou, em conversa com este site após a discussão na mesa que debateu, entre outros temas, a participação do biogás como fonte de energia para as cidades.
Conforme revelou, o Brasil tem um potencial gigantesco de biogás, algo próximo de 14 GW, que poderia ser produzido a partir de resíduos derivados do processo de aproveitamento energético da cana-de-açúcar (cerca de 10 MW), além da produção de alimentos (2,5 GW) e mais 1,5 GW que poderia resultar de biogás gerado via saneamento. “Tudo isto com alto fator de capacidade”, garantiu Gardeman, argumentando, entretanto, que, no Brasil, no momento, quando se fala em geração distribuída só se pensa em usina solar fotovoltaica.
Ele esclarece que não tem nada contra a fonte fotovoltaica e reconhece a sua importância, mas está seguro que o biogás é uma fonte energética tão adequada quanto, “se não for mais”, do que a solar. Por isso, ele tem uma certa angústia com o grande desperdício que ocorre no Brasil ao não se aproveitar todo o potencial do biogás, que, na sua avaliação, “é tão bom quanto desvalorizado”. “O Brasil é um grande exemplo de desperdício”, ressalta, lembrando que na Alemanha o aproveitamento do biogás corresponde ao equivalente da energia elétrica que o Brasil vai gerar numa gigante como a UHE Belo Monte, quando estiver em plena carga.
O evento é organizado pela Federação Nacional dos Prefeitos e Sebrae, com apoio da Caixa Econômica Federal e do Banco do Brasil. Mas coube ao Banco Mundial e à Agência Alemã para a Cooperação e Desenvolvimento Sustentável (GIZ) organizar a mesa temática que debateu a geração distribuída no Brasil, o uso do biogás, a geração de empregos e a capacitação técnica na área de energia renovável e a formação de cooperativas de energia renovável.
Hugo Lamin, da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), apresentou dados que, de fato, mostram que o biogás está ficando para trás numa corrida com a fonte solar. Hoje, por exemplo, existem 9.802 consumidores cadastrados na geração distribuída e que tem direito a usufruir da compensação, no prazo de cinco anos, resultante da diferença entre aquilo que o próprio consumidor gera e efetivamente utiliza. Desse total, 99% correspondem a instalações de energia solar. Uma parte muito pequena está no meio rural e um número menor ainda, apenas 41, é de projetos de biogás.
Como mostrou, a agência reguladora não discrimina entre fonte solar ou biogás e as exigências legais são as mesmas. Lamin, entretanto, entende que o que está ocorrendo é um fenômeno típico de mercado. “Os preços (de instalação) caíram muito na energia solar”, afirmou. Ele reconhece que o biogás tem um potencial grande e que a Aneel “espera que cresça”. Para Marco Morato, da OCB, não se pode esquecer que “o que motiva o consumidor é reduzir o seu gasto com energia elétrica”. Nesse sentido, o técnico da Aneel explicou que, mesmo na área rural, onde se poderia imaginar que haveria uma forte expansão do biogás, a questão do mercado se impõe, pois os consumidores rurais têm uma tarifa menor do que os urbanos e, dessa forma, ficam menos incentivados a investir para reduzir o tamanho da conta de luz.
O que ficou claro na mesa, também, é que o desperdício não se limita ao biogás. Embora esteja ocorrendo uma forte expansão da fonte solar, é evidente que em um país como o Brasil, de grande extensão territorial e privilegiado com muito sol, falar em menos de 10 mil consumidores residenciais gerando a própria energia, basicamente solar, também não representa muita coisa. É verdade que esse quadro está mudando radicalmente em função dos pesados investimentos que grandes geradores, como a Enel, estão fazendo no Brasil.
Na opinião de Hugo Lamin, existem vários desafios para a expansão da geração distribuída no País, que passam não só pela divulgação, mas, também, pela existência de linhas adequadas de financiamento. Morato, da OCB, mostrou que uma forma de driblar as dificuldades atuais pode ser a constituição de cooperativas de energia renovável, com o projeto pioneiro da Coober, que foi instalada e vem funcionando muito bem no município paraense de Paragominas, em uma área cedida pela prefeitura municipal. “A modernização da Resolução 482 da Aneel, em 2015, possibilitou a criação da cooperativa de energia de Paragominas, com a iniciativa de 23 cooperados. Desde o início da operação da usina, em outubro de 2016, 70 toneladas de CO2 já foram evitados, sem contar a economia de R$ 50 mil para os cooperados”, afirmou.
Célia Regina Leitão,coordenadora do Instituto Senai de Tecnologia da Construção Civil, em Brasília, explicou aos participantes da mesa temática que, paralelamente ao desenvolvimento dos projetos de energia renovável (não só de solar ou biogás, mas, também de usinas eólicas), é preciso pensar no mercado de trabalho e na qualificação de profissionais, inclusive professores, que possam explicar adequadamente aos alunos a importância das mudanças que precisam ser introduzidas na melhoria da matriz energética, com o aproveitamento das fontes renováveis.
Em 2017, por exemplo, só na escola do Senai que funciona em Taguatinga, uma cidade-satélite do Distrito Federal, 18 turmas estão sendo preparadas para atuar no campo das energias renováveis. “Precisamos capacitar as pessoas para as novas tecnologias, melhorando a qualificação da mão-de-obra”, declarou.
Mas, no meio do turbilhão da crise brasileira, alguns exemplos felizmente mostram com clareza que o País real é muito diferente do País que se observa, em Brasília, apenas pelo ângulo da Esplanada dos Ministérios ou da Praça dos Três Poderes. Cristiano Olinger, superintendente da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Brusque, em Santa Catarina, revelou aos participantes que a municipalidade fez um convênio com uma agência federal alemã denominada “Global Engagement”, que desenvolve parceria com 50 cidades de vários países da América Latina e da África. O Rio de Janeiro e Santarém, no Pará, já foram beneficiados pelo programa de cooperação e, na rodada atual, participam Brusque, Pomerode e Blumenau, três cidades localizadas na região de colonização alemã de Santa Catarina.
Em novembro passado, Brusque entregou aos parceiros alemães um plano de ação, voltado para várias áreas: energia renovável e eficiência energética, mobilidade urbana sustentável, aproveitamento de resíduos sólidos, saneamento básico, educação ambiental e contenção de cheias do rio Itajaí-Mirim. O convênio deverá contemplar 325 mil euros, sendo que 150 mil euros serão destinados ao estudo do potencial energético dos telhados locais, além de uma instalação de energia solar numa dependência da Prefeitura Municipal.