Setor de óleo e gás faz alerta para lideranças políticas
Maurício Corrêa, de Brasília —
A indústria do petróleo realizou um raro evento em Brasília, nesta quarta-feira, 26 de abril, para mostrar às lideranças políticas (Governo Federal e Congresso Nacional) que o País se encontra numa encruzilhada em termos de óleo e gás e que tem uma luz amarela acesa. Não há muita alternativa: ou investe pesado em produção, transformando as reservas atuais em riqueza efetiva, ou então fica em compasso de espera, assistindo da janela, de forma passiva, as transformações mundiais que afetam os combustíveis fósseis, o que resultará numa uma nova ordem energética na qual haverá considerável perda de mercados e consequente encalhe de parte substancial das reservas. Nesse cenário catastrófico, em termos de estratégia, a reserva monumental do pré-sal, cantada em prosa e verso, simplesmente poderá perder valor e escorrer para o ralo.
O seminário “Panorama atual e futuro da indústria de óleo e gás” foi promovido conjuntamente pelo Instituto Brasileiro de Petróleo, Gás e Biocombustíveis (IBP) e Associação Brasileira das Empresas de Serviço de Petróleo (Abespetro). Das autoridades de Brasília que as duas organizações tanto queriam sensibilizar, compareceram apenas o ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República, Moreira Franco, além dos deputados federais José Carlos Aleluia (DEM-BA), cujo foco de trabalho parlamentar se concentra na área de energia, e Júlio Lopes (PP-RJ), mais voltado para a área de transporte e desenvolvimento urbano.
No discurso de abertura, o ministro Moreira Franco mostrou que entendeu que é mais do que necessário criar um ambiente de negócios “saudável e adequado” para o setor de óleo e gás, “que gera muita riqueza, mas não só a riqueza que vira moeda, mas, também, a intangível, que se transforma em conhecimento”. Ele fez um discurso forte, sob o viés político, alegando que no Governo do PT foram cometidos equívocos ideológicos e políticos que geraram desinvestimento, produzindo reflexos profundos em toda a economia brasileira, inclusive a crise fiscal. “Foi uma irresponsabilidade. Nunca se fez tanta estripulia quanto nos últimos anos”, disse o ministro. No seu entendimento, a aprovação — pelo Congresso — de propostas estratégicas, como as reformas trabalhista e da previdência, darão mais segurança fiscal, permitindo ao País ultrapassar o momento difícil atual.
Ele afirmou que há muitos obstáculos no meio do caminho, mas, que, dentro dos limites do Estado democrático, o País aos poucos está avançando e conquistando resultados positivos, como a gestão da taxa de juros, a redução da inflação e até uma recuperação ainda lenta do nível de emprego. Depois, disse aquilo que foi ouvido como música pelos participantes do seminário: em maio, serão reiniciados os leilões de óleo e gás, aproveitando o bom momento observado com dois semestres seguidos de crescimento do PIB. “Conceitualmente, podemos dizer que a recessão acabou”, disse Moreira Franco. A próxima etapa, no seu entendimento, consiste em traçar estratégias sustentáveis de desenvolvimento, para as quais ele acredita que o segmento de óleo de gás pode oferecer uma grande contribuição ao País.
Pegando a deixa do ministro, falou em seguida o presidente do IBP, Jorge Camargo. Ele garantiu que a agenda atual do setor é positiva e que tem grande potencial para ajudar o Brasil a sair da recessão. Para o dirigente do IBP, existe uma janela de oportunidade que não pode ser desperdiçada, o que exige muita sensibilidade das lideranças políticas. Conforme mostrou, a indústria do petróleo vem passando por uma mudança histórica, que se caracteriza pelo colapso no preço do óleo bruto e por mudanças estruturais muito significativas nos mercados globais.
Falando com sinceridade, Camargo afirmou que o petróleo deixou de ser a commodity muito especial em que o mundo baseou toda a estratégia de desenvolvimento, durante mais de 100 anos, enfrentando hoje uma situação em que as pessoas olham com muito interesse para a descarbonização. Nesse cenário de transição, o óleo bruto ainda enfrenta a concorrência do “shale gas” americano, que se torna muito competitivo todas as vezes em que a cotação do óleo bruto supera a barreira dos US$ 50,00. Além disso, há outros fatores que pressionam o petróleo, como os investimentos mundiais em energia limpa (geração eólica e solar), revelando uma profunda mudança de comportamento por parte dos consumidores, que hoje se preocupam em querer saber qual é a origem da energia que utilizam no dia a dia.
Segundo o presidente do IBP, o mercado internacional hoje registra crescimento na China e na Índia, mas o consumo de óleo bruto nos dois países começará a declinar em poucos anos. Ele disse que, no planeta, as reservas conhecidas somam 2,6 trilhões de barris de óleo recuperáveis, mas, até 2050, o consumo total deverá alcançar apenas 1,2 tri. Falando objetiva e didaticamente, Camargo ponderou que “o horizonte da indústria do petróleo ficou mais curto e parte das reservas poderá ficar encalhada e não será desenvolvida”, trazendo profundas consequências para um país como o Brasil, que teve a sorte de descobrir a rica do pré-sal, mas em um momento da História em que a commodity começa a declinar na sua importância geoestratégica.
Apesar do pessimismo no longo prazo, Jorge Camargo acredita, no médio prazo, que o Brasil tem amplas condições para competir e usufruir da riqueza de óleo e gás concentrada nas águas profundas do seu mar territorial. Mas é preciso agir rápido, pois vários países também estão atentos na disputa pelos recursos financeiros internacionais que podem ser canalizados para a produção e exploração de petróleo e gás natural. A soma desses capitais, em todo o mundo, já chegou a US$ 734 bilhões, quando o Brasil absorvia cerca de US$ 43 bilhões. Só que hoje, acredita-se que existe algo em torno de US$ 500 bilhões para se aplicar na produção de óleo bruto e gás e a posição do Brasil caiu para apenas US$ 25 bilhões. Camargo entende que o Brasil tem potencial, desde que sejam tomadas decisões rápidas e eficientes, para se recuperar e poderá ficar com uma fatia mais expressiva do bolo total, alguma coisa próxima de US$ 50 bilhões. “No mundo inteiro, há países disputando esses capitais, em 2017”, declarou.
“O Brasil acordou, depois de perdermos muito tempo e muito capital. É justo reconhecer que, na atual gestão, está se fazendo um grande esforço para adotar iniciativas que possam destravar os investimentos em óleo e gás”, disse, citando como exemplos dois programas do Governo Federal (Gás para Crescer e o Renova Bio), além de gestões mais eficientes e menos complicadas adotadas pelo atual Governo na Petrobras e no BNDES.
Só que a indústria do petróleo, como mostrou, precisa operar em um ambiente de previsibilidade e planejamento de longo prazo. Nesse sentido, o dirigente do IBP entende que o Governo tem tido a coragem política de fazer a agenda andar para a frente, embora “ainda faltem algumas coisas”. Como desafios a vencer, ele citou a governança da questão ambiental e a questão tributária. “Esta é a mensagem principal: a hora do petróleo é agora. A nossa agenda é de investimentos, criação de empregos e crescimento da economia. A nossa agenda é do bem”, finalizou.
Jorge Firmo, presidente da Abespetro, fez uma apresentação totalmente afinada com o seu colega do IBP. Como explicou, a Abespetro reúne 45 empresas de bens e serviços para a indústria de óleo e gás no Brasil e tudo caminhava bem, até 2012, quando houve uma mudança radical no cenário, resultando na perda dramática de 500 mil empregos no País. “E agora? Já sofremos os efeitos da crise. Como recuperar os empregos?”, indagou. Na sua avaliação, as perspectivas se modificaram novamente e hoje o setor está mais otimista, devido às mudanças efetuadas pelo MME no arcabouço legal. “É importante não tirar o pé do acelerador e continuar na luta. A nossa indústria é complexa e tem problemas que não são resolvidos com uma única solução”, acrescentou.
Firmo esclareceu que as reservas brasileiras se concentram (95%) em águas profundas ou ultra-profundas. Para o presidente da Abespetro, contudo, quando se compara o volume de produção doméstica com os dados das reservas, observa-se que o País está atrasado “vis a vis” com outros países produtores. “É possível que, no futuro, as reservas brasileiras não tenham mais economicidade”, disse, complementando que a reserva só vira riqueza quando se transforma em produção.
Nesse contexto, José Firmo assinalou que 9 bilhões de barris já foram produzidos no Brasil, gerando R$ 400 bilhões. Outros 13 bilhões poderiam ser produzidos sem grandes riscos. Para que isso aconteça, entretanto, na sua avaliação é necessário aplicar alguns estímulos em favor do setor, que consistem basicamente em trazer o Brasil de volta, de forma competitiva, para o mercado de óleo e gás natural. Se isso acontecer, a arrecadação da União, estados e municípios com óleo bruto e gás natural poderia se situar na espetacular faixa de R$ 1,3 trilhão.
Para o deputado José Carlos Aleluia, que foi o relator da proposta que alterou os direitos de preferência da Petrobras na camada de pré-sal, reconheceu que existem muitos obstáculos dentro do Congresso Nacional, principalmente devido à força das corporações de funcionários públicos. Desde o Governo FHC, como afirmou, a estrutura do Estado ficou mais poderosa e cara, e é lógico que essas corporações, agora que o Estado está falido, não querem perder espaço e nem dinheiro.
Para Aleluia, porém, o Congresso tem uma posição melhor do que a do próprio Governo. Na área ambiental, por exemplo, ele criticou o ministro Sarney Filho, que, no seu entendimento ouve muito as ONG´s que atuam no meio ambiente. O Governo, para o parlamentar da Bahia, não tem unidade. “Nosso sistema político é viciado e se alimenta do ruim”, disse, frisando que o presidente Michel Temer entendeu a sua situação de transição. “Poderia não fazer nada, mas optou por mudar, o que é uma novidade boa”, disse Aleluia.