Paraná tem usina 0 Km para transformar esgoto em biogás
Maurício Corrêa, de Curitiba —
Pioneira na preservação do meio ambiente entre as grandes cidades brasileiras, com projetos que são admirados em todo o mundo, Curitiba está ganhando mais um projeto inovador, que começa a operar nos próximos dias. É a CS Bioenergia, uma usina de biogás que tratará o lodo do esgoto originário da Estação de Tratamento de Esgoto (ETE) de Belém, pertencente à Sanepar, e também resíduos orgânicos produzidos por shopping centers, indústrias alimentícias, e restaurantes localizados na região metropolitana da capital paranaense. Tudo vai se transformar em biogás de alta qualidade, gerando ainda energia elétrica.
A CS Bioenergia é fruto de uma associação entre a própria Sanepar, que tem 40% do empreendimento, e o grupo paranaense Cattalini, que tem 60% e controla o negócio. A usina está localizada numa área ao lado da ETE de Belém, onde os principais equipamentos já estão instalados. Há poucos dias, durante uma visita de jornalistas ao local, operários davam tratamento final às obras de engenharia.
Na primeira fase, a CS Bioenergia estará em condições de processar até 900 metros cúbicos por dia de lodo de esgoto, além de 200 toneladas de resíduos orgânicos, gerando 2,8 MW de energia elétrica. Na fase complementar, a unidade industrial processará 1,6 mil metros cúbicos de lodo de esgoto diariamente, além de 300 toneladas de resíduos orgânicos. Também duplicará a capacidade de geração elétrica, podendo alcançar 5,6 MW.
O diretor técnico Luciano Fedalto explicou que a planta representa investimentos da ordem de R$ 62 milhões e que a usina trabalhará em três turnos. “A Cattalini buscou a melhor tecnologia disponível na Europa para fazer a usina funcionar”, disse Fedalto. De fato, quem anda pela CS Bioenergia pode perceber com facilidade que os equipamentos e instalações são todos zerados e estão praticamente prontos para entrar em operação.
Segundo Fedalto, a usina é uma prestadora de serviços e geradora de energia a partir da biodigestão do lodo, resíduo resultante do tratamento de esgotos sanitários, composto essencialmente por matéria orgânica. Adicionalmente serão utilizados compostos orgânicos dos resíduos coletados de grandes geradores como shoppings e restaurantes. O projeto foi construído no município de São José dos Pinhais, em uma área de quase 28 mil metros quadrados.
O local de instalação da CS Bioenergia reúne várias características positivas. Por exemplo: como se encontra ao lado da ETE de Belém, já atua, portanto, com processamento do lodo e tratamento de resíduos líquidos. Além disso, o acesso operacional à usina é muito fácil, sem contar que se localiza numa área de baixo adensamento populacional.
Fedalto também explicou que outra característica positiva do projeto consiste no fato de contar com uma distância muito próxima das áreas urbanas da região metropolitana de Curitiba, não acarretando acréscimos nos custos logísticos dos resíduos orgânicos e nem no tratamento do lodo de esgoto (que é todo tratado na usina de Belém, ao lado).
A ETE de Belém é uma estação de tratamento modelo para todo o País. Em operação desde 1980, utiliza um processo conhecido como aeração prolongada do tipo “carroussel”, desenvolvido na Holanda. O engenheiro Charles Carneiro explicou que a ETE tem condições para processar 600 metros quadrados de lodo de esgoto por dia. No final do processo, o esgoto produzido em Curitiba e e na vizinha São José dos Pinhais se transforma numa água bastante clara, que é devolvida ao rio Iguaçu em excelentes condições. O Iguaçu tem uma distância em linha reta de 600 km até o rio Paraná, que, portanto, não é contaminado pelo esgoto da área metropolitana de Curitiba.
Charles Carneiro esclareceu que a ETE de Belém tem um custo mensal de operação da ordem de R$ 1,1 milhão, sendo a metade destinada ao pagamento da conta de energia elétrica. Até 2015, todo o lodo de esgoto tratado na ETE de Belém era destinado à irrigação, mas, com a CS Bioenergia, agora haverá um aproveitamento mais nobre, pois ele se transformará em biogás e energia elétrica.
O engenheiro Gustavo Rafael Collere Possetti, da Sanepar, fala com entusiasmo sobre a empresa de saneamento, que tem 54 anos, conta com 7,3 mil funcionários e trata a água e o esgoto de 345 dos 394 municípios do estado do Paraná. “Temos o melhor saneamento do Brasil, atendendo a cerca de 10 milhões de habitantes”, disse, salientando que entre as 20 maiores cidades do Brasil, cinco são atendidas pela Sanepar.
Como relatou, em 2013 a Sanepar foi convidada pelo Banco KFW (uma espécie de BNDES da Alemanha) e pela agência alemã de cooperação técnica e desenvolvimento sustentável, a GIZ, para participar do Probiogás, um programa desenvolvido no âmbito do Ministério das Cidades do Brasil com objetivo de ampliar o aproveitamento energético do biogás de forma eficiente nos setores agropecuário, agroindustrial e de saneamento. O Probiogás agora está sendo substituído por um novo programa, o Projeto de Eficiência Energética em Sistemas de Abastecimento de Água (Proeesa).
O apoio técnico e financeiro do Governo alemão tem sido fundamental no tratamento do esgoto sanitário em Curitiba e no seu aproveitamento através do biogás. Com um financiamento de 50 milhões de euros do KFW foi colocado em prática um programa denominado “Paraná Bem Tratado”. “Há oportunidades, mas temos grandes desafios”, disse Possetti.
Alessandro Gandermann, presidente da Associação Brasileira de Biogás e Biometano (Abiogás), entende que o Brasil desperdiça enorme quantidade de resíduos que podem ser transformados em biogás. “Pela escala e características, o biogás pode fazer uma grande revolução, pois o Brasil está em condições, se aproveitar adequadamente os resíduos, de gerar o equivalente a uma usina de Itaipu, com alto fator de capacidade e baixo custo de estocagem”. E perguntou: “Se a Alemanha, que é um país muito menor, pode gerar o equivalente a uma usina de Belo Monte, por qual razão o Brasil não pode ter uma Itaipu de biogás?”