Aneel multou ONS 17 vezes. “Cano” soma R$ 10 milhões
Maurício Corrêa, de Brasília —
Um voto que será apreciado na reunião desta terça-feira, 27 de junho, pela diretoria colegiada da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), revela que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) — que é um ente público fiscalizado e regulado pela agência —jamais pagou qualquer uma das 17 multas que, ao longo do tempo, foram impostas pelo regulador. O “cano” do ONS na Aneel, em valores históricos, soma quase R$ 10 milhões.
Na reunião desta terça-feira, os diretores da Aneel vão examinar um recurso do Operador no processo em que os fiscais da agência, durante uma fiscalização no ONS, encontraram uma situação para lá de estranha. Ao avaliar a aplicação de sobras do orçamento do Operador, os fiscais constataram que este desviou para gratificação de funcionários, entre 2006 e 2010, um total de R$ 1,6 milhão, contrariando as normas fixadas para o caso.
“Desde 2011, atendendo à determinação da fiscalização da Aneel e conforme processo de aprovação do orçamento para o ciclo 2011/2012, o ONS extinguiu a referida gratificação, cessando novos pagamentos. Contudo, o ONS não efetuou a restituição dos valores pagos no passado, tampouco os registrou como sobras orçamentárias para dedução futura, o que motivou a autuação pela SFF”, diz o voto, referindo-se à multa de R$ 1.724.826,80 aplicada pela agência.
A Superintendência de Fiscalização Financeira da Aneel considerou esse benefício “pernicioso à boa gestão do ONS, pois tem o potencial de incentivar a proposição de orçamento inflado pelo Operador para geração deliberada de excedente”.
“Em princípio, a fiscalização da Aneel não discute os critérios utilizados pelo ONS para concessão da gratificação especial, até porque não foram encontrados indícios de que o benefício tivesse sido concedido de forma indiscriminada, nem tampouco personalizada. A questão que a fiscalização aponta como Não Conformidade é a utilização recorrente de sobra de orçamento, que, conforme a norma vigente, deveria ser devolvida ao consumidor/contribuinte”, assinala o relatório assinado pelo diretor-relator do processo, Reive Barros.
Segundo a Aneel, houve deslizes da parte do Operador em várias etapas. Por exemplo: ausência de menção da gratificação especial em atas das reuniões da Diretoria e do Conselho de Administração do ONS, ausência de menção da gratificação especial nas propostas de orçamento, inexistência de material com estabelecimento de normas procedimentais para a concessão da referida gratificação, falta de previsão expressa no Acordo Coletivo de Trabalho – ACT e inexistência de rubrica específica para essa gratificação nos registros do sistema de orçamento, tampouco nos registros contábeis.
No entendimento da fiscalização da Aneel, tais procedimentos “prejudicaram a transparência na aplicação de recursos pelo ONS além de terem obstado a faculdade da Aneel” de conhecer e analisar previamente esses gastos, tal como ocorre com os demais benefícios concedidos pelo ONS a seus empregados.
Em recurso encaminhado à Aneel, o ONS alega fundamentalmente que não teria incorrido na infração apontada pela fiscalização, pois teria atuado estritamente de acordo com o que dispõe o seu Estatuto Social e com a sua política de remuneração e de recursos humanos, cuja definição seria de competência exclusiva da sua Diretoria, conforme estabelece o art. 25, parágrafo único, VI, do Estatuto Social, aprovado pela Aneel, por meio da Resolução Autorizativa n° 328/04.
Além disso, o Operador alegou que o pagamento da gratificação especial era de conhecimento de todos os empregados, bem como da própria fiscalização da agência, tendo sido, inclusive, objeto de fiscalizações anteriores as quais não resultaram em qualquer Não Conformidade, determinação e/ou penalidade ao ONS pelo pagamento de tal gratificação.
Em sua defesa, o ONS também alegou que a Gratificação Especial teria sido inserida na “folha de pagamento líquida“ apresentada no Anexo 1 das propostas orçamentárias do ONS de 2006 a 2010.
Na realidade, essa questão está relacionada com uma antiga disputa de poder entre a agência e o ONS, que se explica pela recusa do Operador em reconhecer que a agência reguladora possa fiscalizá-lo. No voto do diretor Reive está consignado que “o Operador defende a regularidade de seu procedimento, ressalvando que o detalhamento maior da peça orçamentária poderia ser realizado à medida em que isso houvesse sido solicitado pela SFF e alegando que seria de sua competência exclusiva praticar atos de gestão de recursos humanos”.
“Ao criar um benefício novo a seus empregados, para o qual eram utilizados recursos oriundos de sobras orçamentárias, os quais deveriam ser compensados em orçamentos futuros, sem sequer submeter a questão ao conhecimento e aprovação prévia da Aneel, o ONS, inequivocamente, descumpriu sua previsão Estatutária”, diz o voto do diretor da agência.
Na sua avaliação, a competência detida pelo ONS para gestão de recursos humanos é limitada, especialmente quando envolve o dispêndio de recursos financeiros cobertos pelas tarifas de todos os usuários do Sistema Interligado Nacional, “sendo necessário respeitar a legislação vigente”.
Reive Barros concordou com a decisão da fiscalização e manteve a punição, em forma de multa, ao Operador. Ele se recusou a atender um pedido do ONS de transformar a multa em advertência, sob o argumento que “não se pode considerar que as consequências da infração foram de pequeno potencial ofensivo”.
A Aneel aproveitou e fez um levantamento em relação às punições aplicadas no Operador e constatou que o ONS tem reiteradamente utilizado esse recurso para não pagar as multas que recebe da agência.
Há registros na Aneel de 17 Autos de Infração aplicados em desfavor do ONS dede 2002 contendo penalidades de multa, as quais totalizam cerca de R$ 9,8 milhões em valores históricos. Até o momento, conforme garante a agência, nenhuma dessas multas foi paga pelo ONS.
Três delas foram convertidas em advertência pela Diretoria após recurso, quatro aguardam decisão em última instância administrativa, uma está em fase de cobrança pela agência e nove restantes estão com exigibilidade suspensa pelo Poder Judiciário.
À Aneel, o Operador alega que seu Estatuto não abre espaços no orçamento para a cobertura de multas, mas a agência rebate o argumento, salientando que “o fato é que não se verifica no ONS iniciativas relevantes em promover as alterações estatutárias entendidas como necessárias para a criação de uma fonte de recursos desvinculada das tarifas para o propósito de pagamento de multas eventualmente aplicadas pela Aneel. Ao contrário, o ONS se manifesta reiteradamente no sentido de que deve ser considerado um agente diferenciado dos demais, por não ter finalidade lucrativa ou interesse econômico que possa induzir a um comportamento inadequado, sendo indesejável a aplicação de multas pela Agência”.
No voto, o diretor Reive Barros reitera que “não há interesse deliberado da Aneel em aplicar multas a nenhum dos agentes regulados, em especial ao Operador do Sistema. Por outro lado, o ONS, como qualquer organização, é formado por pessoas, como seus empregados, dirigentes, associados e respectivos representantes, os quais podem ter interesses econômicos influenciados pelas atividades e decisões tomadas pelo Operador. Independentemente de interesses financeiros, também é natural que o ONS e seus dirigentes ou empregados possam, por outras razões, adotar comportamentos inadequados, em desconformidade com a legislação”.
Finalizando o voto, Reive Barros confirmou a multa de R$ 1.724.826,80 aplicada ao ONS, estabelecendo, em caráter excepcional, o prazo de até 31 de dezembro de 2018 para pagamento da penalidade, devidamente atualizada, mas sem poder repassar para as tarifas pagas pelos consumidores de energia elétrica.