Agentes são unânimes em condenar republicação do PLD
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) é soberana para tomar as suas decisões. Mas se não acatar as ponderações unânimes contrárias a republicação do PLD, apresentadas em audiência pública, nesta quinta-feira, 29 de junho, dificilmente o regulador se convencerá de qualquer outro argumento a respeito de qualquer assunto.
A sessão pública da AP 025, que busca aprimorar as polêmicas em torno do PLD, mostrou com clareza que é total a rejeição à ideia de republicação do PLD, mecanismo que vem há anos desorganizando o mercado de energia elétrica, contando com respaldo dentro da área técnica e da diretoria da Aneel.
Até hoje, o regulador não se sensibilizou com as reiteradas ponderações dos agentes. Para as empresas que operam no mercado de energia, a republicação — ao conseguir realizar um milagre que nem os deuses conseguem, que é alterar o passado — introduz riscos desnecessários ao mercado, diminui a eficiência produtiva, aumenta os custos para os agentes, provoca enorme confusão na área tributária e, mais do que tudo isso, gera incertezas, como bem sintetizou o presidente da Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel), Reginaldo Medeiros.
Medeiros tem sido um combativo adversário da ideia da republicação e lembrou ainda que esse mecanismo, que só pode ser aplicado se autorizado pela Aneel, aumenta os riscos de judicialização e também eleva a percepção de risco na comercialização de energia.
Nas suas contas, somente a republicação autorizada pela Aneel nos meses de novembro e dezembro de 2016 ocasionou a transferência entre os agentes de aproximadamente R$ 700 milhões no mercado de curto prazo. Com espanto, ele demonstrou que a alteração a posteriori dos preços fará com que sempre existam agentes comprados e vendidos na publicação retroativa e imprevisível do PLD, que, em conseqüência, ficarão satisfeitos ou insatisfeitos com a a nova decisão. “Só teremos mais conflitos e mais judicialização”, disse Medeiros.
Ele e todos os demais profissionais do mercado que falaram em nome de suas associações ou empresas foram unânimes em apontar que o PLD, como é atrelado ao despacho físico das usinas, não precisa ser modificado, pois o despacho não pode mais ser alterado.
Outra unanimidade dos agentes contra a republicação do PLD diz respeito às dúvidas que todos têm quanto à entrada dos dados nos modelos computacionais, que é onde pode se situar a raiz do problema principal. O conselheiro Roberto Castro, da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) ,e outros agentes revelaram que está equivocada a disposição de se verificar o que está ocorrendo nos remédios e o mais racional seria debruçar-se sobre as causas das doenças.
Ou seja, o que precisa ser atacado pela Aneel é a forma como os dados entram nos modelos computacionais, pois aí é que o bicho pega, a partir de uma série de erros que ocorrem por incompetência ou não. O Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), onde se concentram os mais ortodoxos defensores dos modelos computacionais, não compareceu à sessão pública da AP, que foi conduzida pelo diretor-relator da matéria, Reive Barros.
A Aneel pesquisou os modelos de outros países e observou que os preços da energia elétrica, na sua formação, podem ser afetados por várias razões, inclusive falhas sistêmicas dos processos internos, fraudes, práticas inadequadas ou falhas na execução. A agência está empenhada em buscar aprimoramentos na formação do PLD que possam melhorar os processos realizados tanto pelo ONS quanto pela CCEE.
Mas, no início da reunião, a agência deixou a entender que ainda acredita que alguma republicação é possível, o que contraria o interesse dos agentes. Até mesmo o representante do Conselho de Consumidores do Estado de Mato Grosso manifestou total oposição à republicação.
Não apenas a Abraceel, mas, também, as associações que representam as térmicas a gás natural (Abraget), os consumidores industriais de grande porte (Abrace), setor sucroalcooleiro (Única) e os auto-produtores de energia elétrica (Abiape) deixaram claro que são contra a republicação, além de executivos de várias empresas.
Nayane Brito, que falou em nome da Abrace, revelou que um produto , quando é vendido, tem o seu preço internalizado pela empresa com base em um conjunto de decisões. Quando ocorre a republicação, vem junto uma série de confusões, como eventualmente pedir reembolso de impostos já pagos ou então pagar impostos complementares. Enfim, é uma série de dificuldades no meio de um ambiente extremamente hostil, como o tributário. “Temos que focar na fonte do problema, que são os dados de entrada do modelo”, afirmou.
Castro, da CCEE, foi taxativo: “A republicação não contribui com a melhoria do processo de cálculo e publicação do PLD”. Ele, entretanto, acredita que é possível tornar o processo mais robusto. Assim, a CCEE recomenda que deveria ocorrer um processo de transição de seis meses, introduzindo-se as mudanças necessárias para que, ao final do período, a gestão do PLD possa ocorrer com novas regras mais transparentes e de forma mais estável. “A atual sistemática gera efeitos indesejados para o mercado e aumenta a percepção de risco”, assinalou o conselheiro da CCEE.
A CCEE, segundo Castro, já consolidou a percepção que o fim da republicação é inevitável, mesmo que seja descoberto que tenha ocorrido dolo na definição de determinado preço. A Câmara, agora, simplesmente quer uma espécie de republicação zero.
José Siqueira, da comercializadora Tradener, colocou o dedo na ferida, quando lembrou que não existe transparência na formação de preços do setor elétrico, principalmente porque ninguém — nem a CCEE e nem a própria Aneel — têm acesso ao código-fonte do ONS. “Isso tudo é um terreno de ficção, uma caixa preta. Não é transparente e a sociedade não tem acesso a nada”, frisou Siqueira.
“Se queremos ter um mercado sustentável no Brasil, a base é o preço”, disse João Carlos Guimarães, diretor da comercializadora EDP. Ele exemplificou dizendo que a empresa tem 300 clientes finais. Explicar a republicação para todos eles é muito complicado. “O preço da energia tem que ter credibilidade”, assinalou, enquanto Moacyr Carmo, da comercializadora Brasil, também não poupou críticas à republicação, frisando que a agência reguladora precisa ter sensibilidade do que pode impactar nas operações do mercado.
“Não se pode mudar o passado, mas, com a republicação, o preço muda no Brasil um mês depois”, ponderou Carmo, acrescentando que, nos casos de dolo, os responsáveis deveriam ser punidos, mas que a agência não precisava punir todos os agentes. “Digo não à republicação, pois o mercado quer mais transparência. Precisamos abrir os dados, pois é disso que precisamos para crescer”, disse Carmo.
O superintendente de Regulação da Geração da Aneel, Christiano Vieira da Silva, garantiu que a agência não tem qualquer interesse na republicação pela republicação. “Junto com o ONS e a Aneel, queremos que o preço tenha melhor qualidade”, esclareceu, salientando que “é difícil ponderar em que medida se deve revisitar os preços”. Ele citou um exemplo da Nova Zelândia, onde o preço fica aberto por um dia e os agentes têm 24 horas de prazo para reclamar. Se ninguém reclamar, o preço está fechado.
O diretor-relator Reive Barros garantiu que ficou sensibilizado com todas as ponderações e que agora o trabalho da agência será verificar a relação custo-benefício do tema e se a republicação se justifica ou não. “Este é o nosso grande desafio: assegurar o equilíbrio”.