Mercado reage com cautela a CP aberta pelo MME
Maurício Corrêa, de Brasília —
O mercado de energia elétrica reagiu com estranheza, cautela e até mesmo ironia à divulgação de atos oficiais do Ministério de Minas e Energia (MME), nesta segunda-feira, 03 de julho, que abrem um processo de consulta pública com prazo de 30 dias para recebimento de contribuição ao relatório intitulado “Princípios para Reorganização do Setor Elétrico Brasileiro”. Falando em on, associações empresariais do SEB ouvidas por este site elogiaram o documento. Em compensação, outros segmentos que só se manifestaram em off não pouparam críticas ao MME, de quem esperavam mais ousadia.
Uma fonte comentou com o “Paranoá Energia” que o documento do MME, embora muito bem intencionado, parece mais uma daquelas propostas de Governo feitas pelos partidos políticos à véspera das eleições, carregadas de belas palavras para impressionar alguns leitores, mas sem grande significado no momento atual. “Todo mundo quer saber qual é a proposta do MME para reorganizar o modelo em termos efetivos. Esses princípios nós já conhecemos de cor”, disse uma fonte.
Uma outra fonte foi mais corrosiva e classificou a proposta colocada em consulta pública como “um tremendo blá-blá-blá”. “Parece coisa de tucanato”, ironizou. Embora não tenha sido dito com clareza, isso era uma referência ao passado do secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, durante o primeiro governo do presidente Fernando Henrique, quando foi secretário-executivo nacional do PSDB, antes de ser nomeado para a diretoria da Aneel.
Essa mesma fonte lembrou que, no dia 28 de março, houve uma inequívoca atuação do MME, junto à Aneel, para implodir o Projeto de P&D Estratégico que as empresas do setor elétrico, através das associações, vinham costurando, inclusive junto ao ministério, visando à elaboração de um novo modelo. “Esperava-se, no mínimo, que o MME, agora viesse a público com a sua proposta, já que detonou a nossa. Aí aparecem esses princípios. Todos eles são muito bonitos, mas não era isso que estávamos ansiosamente aguardando”, lamentou o especialista.
De fato, em sã consciência, ninguém pode deixar de concordar com esses princípios, que dizem respeito a várias coisas boas criadas pela Humanidade ao longo da História: respeito aos direitos de propriedade e aos contratos, intervenção mínima, meritocracia, eficiência, transparência, participação da sociedade, isonomia, valorização da autonomia dos agentes, definição clara de competências e respeito ao papel da instituições. Na realidade, tanto Pedrosa quanto o ministro Fernando Bezerra Coelho Filho, desde que assumiram o MME, há pouco mais de um ano, vêm gastando uma boa quantidade de saliva para deixar claro que esses são os princípios que caracterizam a atual gestão da Pasta.
Um especialista do setor explicou que as críticas e a ironia não têm razão de ser. Este site apurou que, nesta quarta-feira, em Brasília, haverá uma reunião no MME com os dirigentes das áreas institucionais (Aneel, ONS, CCEE e EPE), para discutir as bases do novo modelo e que, até a próxima sexta-feira, “medidas detalhadas” seriam divulgadas. Também está prevista a presença de Mário Menel, como presidente do Fase, nessa reunião.
“É bom que esses princípios venham mesmo, pois temos que aproveitar uma janela de oportunidade que existe no Poder Legislativo. Se não aprovarmos uma MP, no Congresso, até o final de agosto ou início de setembro, no máximo, pode esquecer. Em 2018, todo mundo estará espremido pelo calendário eleitoral e aí é que não sairá nada mesmo, até porque se espera que o atual ministro deverá renunciar para desincompatibilizar e ficar livre para concorrer a cargo eletivo”, argumentou um dirigente de associação.
O cuidado de não criticar o MME publicamente é típico do setor elétrico, que ainda opera de forma muito verticalizada e, consequentemente, com muita disciplina e respeito à hierarquia, como se fosse uma estrutura militar. Pedindo para que seu nome não fosse divulgado, um consultor disse que leu os documentos liberados pelo MME quatro vezes, para se certificar que estava lendo corretamente e não estava omitindo alguma coisa na sua leitura. “Li, li, li e não encontrei nada. Grande parte do Planeta Terra concorda com os princípios do MME”, assinalou com ironia.
“Concordo 100% com os princípios”, disse Reginaldo Medeiros, presidente executivo da associação dos comercializadores, a Abraceel. No seu entendimento, os princípios não podem ser apresentados isoladamente e precisam ser complementados rapidamente por uma proposta concreta, que signifique uma agenda positiva para os agentes do mercado como um todo.
“Tenho a esperança que vão apresentar uma proposta nos próximos 30 dias, inclusive com um cronograma factível para abertura do mercado”, afirmou Medeiros, que praticamente acampou às portas do MME, da Aneel e do Congresso Nacional para batalhar pela ampliação da energia livre.
Quando o repórter o provocou, ele indagou: “Será que não vai sair mais nada?”, lembrando também a questão da janela de oportunidade no Congresso Nacional, pois, se demorar muito, a proposta do MME vai se chocar com os interesses dos parlamentares em eventual reeleição e naturalmente vão desaparecer de Brasília para o corpo a corpo com os seus eleitores que acontece a cada quatro anos.
Para o presidente da Abraceel, as mudanças no modelo do setor elétrico contêm implicações legais, que precisam ser resolvidas. Ele tem várias dúvidas, por exemplo: separação de energia e lastro; supridor de última instância; como o ACL e o ACR vão receber a energia; como as distribuidoras poderão comprar energia no novo modelo.
Também otimista, Mário Luiz Menel da Cunha, que exerce a dupla condição de presidente da associação dos auto-produtores, a Abiape, e do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), comentou que a colocação dos princípios em consulta pública representa uma inovação histórica. “Antes, o Governo jamais teve a coragem de dizer quais os princípios que iria adotar em qualquer consulta pública. Então, vejo essa etapa com naturalidade, razão pela qual posso dizer que gostei muito”.
Ele entende que a definição dos princípios, ao final da consulta pública, permitirá evitar uma série de problemas, que certamente ocorreriam se o MME simplesmente tivesse divulgado uma minuta de MP sem ouvir previamente a opinião do setor elétrico. “Toda a área empresarial, depois ia correr para o Congresso, quando a MP estivesse sendo apreciada, e a responsabilidade pelos vetos caberia ao presidente da República. Podemos queimar essa etapa, pois toda a reorganização precisará estar aderente aos princípios que serão aprovados”, argumentou Menel.
Para o presidente da Abiape e do Fase, a consulta pública representa um facilitador e ele garante que não se decepcionou. “Foi uma inovação. O caminho está certíssimo. Quando se faz um pacto, é preciso negociar com as partes. É isso que o MME está fazendo”.