MME quer abrir código-fonte e preço por oferta
Maurício Corrêa, de Brasília —
O Ministério de Minas e Energia está aberto para acabar com duas situações que dão um ar de Pré-História ao atual modelo do setor elétrico brasileiro, o que o torna contemporâneo dos dinossauros. Na discussão sobre a proposta de mudança colocada em audiência pública nesta quarta-feira, 06 de julho, o MME está disposto a acabar com o chamado “código fonte” dos modelos computacionais de formação de preços.
O código é uma espécie de bruxaria tecnológica conhecida apenas pelos técnicos do Cepel, que o desenvolveram, e do ONS, que o operam, na mais absoluta falta de transparência para os agentes do mercado. A informação foi dada pelo secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, que, nesta quinta-feira, participou de uma entrevista coletiva dada pelo ministro Fernando Bezerra Coelho Filho. “Trata-se de um amadurecimento, pois não temos o monopólio da inteligência do setor”, assegurou Pedrosa.
“Estamos determinando que o código-fonte seja aberto, estabelecendo regras que permitam práticas competitivas em novo tipo de formação de preços”, disse Pedrosa. Como revelou, “há chance” também, nesse contexto, para que o Brasil deixe de praticar um modelo de formação de preços baseado em computadores, como acontece hoje com as plataformas Newave e o Decomp, adotando práticas que são utilizadas normalmente em outros países e que sem dificuldades consideram as ofertas dos agentes.
O esclarecimento feito pelo secretário-executivo soa como música aos ouvidos dos agentes, que pleiteiam alterações radicais na gestão do código-fonte e no modelo de formação de preços há muitos anos, sem sucesso. Mas, prudente, o ministro de Minas e Energia não quer usar a expressão “novo modelo” para classificar o conjunto da proposta colocada em audiência pública nesta nesta quarta-feira. Na entrevista coletiva dada hoje, 06 de julho, em Brasília, ele reconheceu que foi “um dia muito importante na história do MME”, considerando que foi possível consolidar uma série de medidas discutidas com o mercado há mais de um ano.
O ministro e o secretário-executivo da Pasta detalharam a proposta que tem o nome modesto de “aprimoramento do marco legal”, mas que, na prática, representa um novo modelo para o setor elétrico brasileiro. A medida — que ainda vai ser submetida ao Congresso Nacional, provavelmente na forma de uma medida provisória — sepulta o rígido, estatizante, remendado e ineficiente arcabouço legal que estava em vigor desde o final de 2003, logo no início da primeira gestão do presidente Lula e que era chamado de “modelo Dilma”, pois foi feito sob inspiração da então ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff.
O texto foi colocado em consulta pública, com prazo de 30 dias, para receber contribuições dos setores interessados. Em seguida, o texto será consolidado pelo ministério, que terá um entendimento com a Casa Civil da Presidência da República para definir se a proposta será enviada ao Congresso Nacional através de projeto de lei ou na forma de uma medida provisória. “Vamos batalhar por uma MP, mas a decisão será tomada em conjunto com a Casa Civil”, esclareceu o ministro.
Com 30 dias de prazo da AP, só a partir da segunda-feira, dia 07 de agosto, o MME estará em condições de iniciar a consolidação da proposta, depois de analisar as sugestões dos agentes econômicos. Acredita-se que isso poderá durar umas duas semanas, de modo que a proposta do Governo deverá chegar ao Congresso, na melhor das hipóteses, no final de agosto.
Questionado se este seria de fato um momento ideal para virar o setor elétrico pelo avesso, devido às vulnerabilidades políticas do presidente Michel Temer, que podem se agravar com uma eventual saída do PSDB da base de apoio do Governo, o ministro foi taxativo: “Sou um deputado e não desconheço o cenário político. Mas a nossa pauta é muito relevante para o País e não podemos ficar parados. O ambiente político está bastante efervescente, mas vamos tocar a nossa parte”.
“Já tivemos um ambiente mais propício para fazer estas mudanças. Mas elas não foram feitas”, disse o titular do MME, ressalvando que existe uma janela de oportunidade dentro do Congresso, que se fecha no final deste ano, pois 2018 é ano de eleições gerais e os congressistas estarão em campanha nos estados de origem. E para terminar a tramitação no Congresso ainda em 2017, é fundamental iniciar o processo no máximo no final de agosto.
“Não sei quanto tempo o setor elétrico brasileiro agüentaria a presente situação”, disse, lembrando que existem questões que não podem ser mais postergadas, para uma tomada de decisões, como o destravamento do mercado de curto prazo (MCP), a desjudicialização das ações relacionadas com o risco hidrológico e a ampliação do mercado livre, entre outros temas.
Para o ministro, a questão tem uma complexidade técnica e institucional, que precisa ser tratada de pé no chão. Por isso, ele prefere escapar pela tangente, sem dizer diretamente se o “modelo Dilma” é bom ou é ruim. “Só sei que se esgotou. Por coerência, não poderíamos continuar seguindo aquele modelo”, acrescentou.
O objetivo das mudanças agora propostas é justamente pensar em um modelo do setor elétrico brasileiro para os próximos anos. “Estamos pensando no futuro, mas com o cuidado para não repetir os erros do passado. O tema é complexo e fácil não será. Mas temos a obrigação de propor enquanto Governo, tentando encontrar o máximo de convergência”, frisou Coelho Filho.
Responsável pela articulação técnica que levou à elaboração da proposta do novo modelo, o secretário-executivo Paulo Pedrosa preferiu criar uma palavra para sintetizar tudo o que o MME pretende fazer com esse calhamaço de 57 páginas. “Estamos desjabuticalizando”, ironizou.
Liberal assumido na economia e crítico histórico dos modelos intervencionistas, como o elaborado sob a inspiração da então ministra Dilma, Pedrosa acredita que com a nova proposta o Brasil terá um marco legal do setor elétrico mais parecido com o resto do mundo. Ele foi claro: o Governo, hoje, não pode mais fazer tudo, como foi no passado, até porque as condições atuais da macroeconomia não permitem mais colocar a Casa da Moeda ou o Tesouro Nacional trabalhando em favor do SEB.
“Eu gostaria muito de voltar no tempo uns 30 anos e ser secretário-executivo daquele MME que tinha dinheiro sobrando e podia fazer tudo. Como não é mais assim, temos que criar condições para que outros possam fazer”. Embora valorize a amplitude do trabalho, ele prefere denominar o projeto de “rearranjo”, no qual os consumidores pagarão menos encargos e poderão exercer com liberdade o direito de escolha do supridor de energia elétrica, dentro de um escalonamento sugerido pelo MME que começa em 2020 e termina em 2028.
Além disso, segundo Pedrosa, com mais controle social será dada transparência aos subsídios. O MME acredita que haverá uma valorização das fontes de geração de energia elétrica e serão recuperados os sinais do curto prazo, inclusive com a introdução do preço horário da energia, uma condição fundamental para que o setor elétrico possa não só incorporar as novas tecnologias, mas, também dar mais voz ao poder de decisão dos consumidores.”Estamos buscando uma reorganização do mercado para trazer a eficiência econômica. Precisamos de uma nova lógica econômica para o setor”, afirmou o secretário.
Um dos aspectos de maior destaque do documento é a decisão do MME de ampliar o mercado livre até que, ao final do escalonamento, possam ser incorporados inclusive consumidores situados na baixa tensão. “Faremos uma abertura gradual, sem quebrar direitos que já existem”, garantiu Pedrosa. A abertura do mercado, como comentou, é uma decisão estratégica que o MME teve a coragem de propor, mas que terá a humildade de ouvir. “Não vamos socializar as perdas individuais”, assegurou.
Nessa sua visão de futuro, ao longo do tempo a faixa do mercado hoje conhecida como “especial” (os chamados consumidores especiais são aqueles que contratam a energia gerada pelas fontes alternativas, como pequenas centrais hidrelétricas, térmicas a biomassa, usinas eólicas ou solares) tende a desaparecer, pois será absorvida totalmente pelo mercado livre ampliado. “Haverá um mercado único, mas, repito, sem afetar os direitos atuais”, esclareceu Paulo Pedrosa.
Ele entende que é fundamental, nesse processo de mudança do SEB, alinhar os interesses dos investidores, consumidores e agentes econômicos, destravando os obstáculos que hoje prejudicam a expansão do setor. “Tudo será feito com calma”, tranqüilizou, lembrando o exemplo do Plano Real, quando o programa de sucesso do combate à inflação teve um elemento fundamental de transição, que foi a URV.
“Não vamos mudar o setor de hora para outra. Agora, por exemplo, usinas que eram da Cemig serão incluídas no regime de cotas de energia. Talvez não seja o melhor caminho, mas é a lei atual, que será seguida”, afirmou.
Executivo que sempre se preocupou coerentemente com a eficiência do processo econômico, Pedrosa frisou que o foco da proposta de novo modelo é o consumidor. Na segunda gestão da presidente Dilma, os consumidores de energia elétrica foram iludidos com a MP 579, que, em um primeiro momento, reduzia as tarifas, mas que, depois da eleição de 2014, desaguou num tarifaço, com impactos que são sentidos até hoje. “o consumidor não sabe, mas no discurso da energia barata ele paga uma loucura por fora. O consumidor era o grande enganado o tempo inteiro. Não haverá mais essa violência contra o consumidor”.
Na sua expectativa, em um prazo que não dá para definir, mas que poderia ser em torno de uns cinco anos, o setor elétrico brasileiro terá um novo perfil, bem diferente do atual, caracterizando-se pelo uso das novas tecnologias (carro elétrico, armazenamento, geração distribuída em larga escala). Nesse contexto, na sua visão, como o mundo mudou, “não se pode impedir isso. Não se pode, por exemplo, impedir a existência do Uber”, comparou.