Governo espera R$ 50 bi de investimentos com abertura na área de gás
Maurício Corrêa, de Brasília —
O programa “Gás para Crescer” finalmente vai deixar de tramitar apenas no âmbito do Ministério de Minas e Energia e começará a ganhar forma em outros gabinetes governamentais. Nesta terça-feira, 29 de agosto, o MME enviará uma proposta de projeto de lei para a Casa Civil da Presidência da República, que altera radicalmente toda a estrutura legal do gás natural no Brasil, atendendo a uma antiga aspiração dos agentes econômicos. Chegou a hora da tão sonhada abertura do mercado de GN. Na visão do Governo, essa abertura vai triplicar o tamanho do mercado até 2030, atraindo investimentos da ordem de R$ 50 bilhões.
Uma fonte qualificada explicou ao site “Paranoá Energia” que, na última quinta-feira, dia 24 de agosto, os técnicos do MME fizeram uma apresentação sobre a versão final do “Gás para Crescer”. Com 22 transparências, a apresentação passa um pente fino em todo o novo arcabouço legal do gás natural, que, por sinal, já foi exaustivamente pré-discutido com a própria Casa Civil. Para o MME, agora, restará apenas escolher a melhor forma de encaminhamento da proposta do Poder Executivo ao Congresso Nacional, que é uma atribuição que cabe ao Palácio do Planalto.
Foi uma longa caminhada até aqui, que dependia, sempre, da pesada sombra exercida pela Petrobras sobre a área de gás natural. De forma ainda muito tímida, que pouco alterava o papel da Petrobras, saiu, em março de 2009, a chamada “Lei do Gás” (Lei 11.909), regulamentada pelo Decreto 7382, de fevereiro de 2010.
Enquanto o Governo Federal se movia muito lentamente, da parte dos agentes, ao contrário, nos últimos anos houve uma intensa movimentação não apenas junto ao Governo, mas, também, junto ao Congresso e a própria mídia, visando a fazer pressão para que alguém, dentro do Governo, finalmente enxergasse que era necessário alterar mais profundamente o arcabouço legal e que a “Lei do Gás” era insuficiente para que o insumo pudesse ser fartamente utilizado na infra-estrutura brasileira, efetuando com mais eficiência o seu papel de indutor do desenvolvimento.
De forma quase que simultânea, três associações empresariais — por razões específicas — se movimentaram mais do que as demais. Da Abraceel, surgiu uma proposta de constituição de um fórum das associações empresariais interessadas no desenvolvimento do mercado de gás natural.
Simultaneamente, no interior de São Paulo, a Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer) estava objetivamente mais interessada na defesa do pólo cerâmico de Santa Gertrudes, que utiliza o gás natural em larga escala no seu processo industrial.
Ao mesmo tempo que as outras duas organizações, a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres (Abrace) tentava fechar uma proposta que mais tarde se chamou “Mais Gás Brasil”.
Quando houve a troca de Governo e a atual gestão do MME começou a trabalhar, a política do gás natural foi uma das prioridades. Afinal, Paulo Pedrosa, que havia assumido a secretaria-executiva do MME, tinha sido o criador do “Mais Gás Brasil”, na Abrace, e vinha acompanhando de perto todo o trabalho feito pelo fórum do gás natural.
O ministro Fernando Coelho Filho, do MME, teve a sensatez de reconhecer que não dava para conduzir uma nova política do gás natural que atendesse às reivindicações do empresariado, considerando que a estatal estava quebrada depois do longo período petista. O GN deixou então então de ser uma exclusividade da Petrobras. E toda uma movimentação que já era feita pelas associações passou a ser executada sob o comando do MME, o qual incorporou o peso institucional da ANP, da EPE e da própria Petrobras no processo de modernizar o setor de gás natural.
Na proposta que o MME está enviando à Casa Civil, a nova configuração do mercado de GN baseia-se em um binômio que consiste no aperfeiçoamento das regras tributárias e na integração entre os setores de energia elétrica e gás natural.
Ficou claro, na conversa com os agentes, que ainda há um longo caminho de discussões pela frente, com a realização de consultas e audiências públicas, até porque a área tributária que envolve o GN é extremamente complexa.
Finalmente, alguém dentro do Governo conseguiu entender que não é mais possível fazer o planejamento da área de energia elétrica à parte do planejamento do gás natural. Então, a EPE vai exercer um papel fundamental nesse processo de integração, considerando que o planejamento da expansão da malha de transporte precisa estar totalmente afinado com o processo de crescimento das térmicas movidas a GN.
De acordo com o novo desenho do mercado de GN proposto pelo MME, haverá um mecanismo de entradas e saídas, através do qual se desvinculará o fluxo físico do fluxo comercial nas negociações de gás. Para os técnicos do MME, isso deverá resultar em mais liquidez e mais competitividade para o mercado.
Outra mudança introduzida pelo MME consiste na criação das áreas de mercado de capacidade, visando à contratação das capacidades de entrada e saída no sistema de gasodutos. Esse é um aspecto fundamental das mudanças que serão introduzidas e envolverá a criação de controles eletrônicos de capacidade, sob regulação da ANP.
Entretanto, ao contrário do que os agentes econômicos sugeriram durante todo o período de debates, não será criado um ente neutro, semelhante ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), para coordenar o sistema de transporte de gás natural. Haverá, sim, um Operador Virtual Independente de Rede (Virtual ISO), que será escolhido pelos transportadores. Esse operador virtual trabalhará com base em normas que serão fixadas também pela ANP.
De acordo com a proposta do MME, os novos transportadores deverão ser constituídos de forma desverticalizada, do mesmo modo que as transmissoras de energia elétrica, hoje, têm CNPJ diferente dos seus grupos econômicos. Caberá ao planejamento indicativo efetuado pela EPE definir como ocorrerá a expansão da malha de transportes de gás natural. No caso da expansão da rede de dutos, os transportadores precisarão obedecer a processos de licitação.
Outro aspecto fundamental das alterações consiste na figura do consumidor livre de gás natural. O MME vai propor à Presidência da República que a definição do consumidor livre fique a cargo da União e que caberá à ANP definir como ocorrerá a liberalização gradual do mercado, segundo diretrizes traçadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE).
Por enquanto o MME não menciona datas para efetivar a liberalização do mercado. Na visão do MME, inclusive, haverá espaço para que, no futuro, os comercializadores possam constituir uma bolsa de negociação voltada para o gás natural. Outra preocupação do MME é evitar a concentração de mercado, para que não ocorra no futuro o que foi feito pela Petrobras ao longo de décadas.