MME quer estender concessão de 615 usinas
O governo vai editar uma medida provisória (MP) para estender o prazo de concessão de 615 usinas em todo o País, para compensá-las por prejuízos acumulados em razão de subsídios concedidos às hidrelétricas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio O texto deve sair nos próximos dias.
A extensão de cada contrato deve levar em conta o tamanho do rombo financeiro que foi ocasionado por vantagens concedidas exclusivamente às três usinas amazônicas nos últimos cinco anos, uma conta estimada em R$ 8,6 bilhões pela Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel).
A origem do problema está em uma das várias benesses que foram criadas pelo governo para ter sucesso no leilão dessas usinas. Uma “pedalada” permitiu que essas hidrelétricas pudessem vender mais energia do que produziam à custa de outras usinas. Na prática, elas tiveram a chance de antecipar receitas, vendendo megawatts em leilões de energia, quando ainda não tinham condições de entregar essa geração. No jargão do setor elétrico, tiveram direito à antecipação de garantia física. A garantia física representa o montante de eletricidade que cada usina pode negociar no mercado.
Durante a construção das usinas, as turbinas entram em operação aos poucos. Cada máquina adiciona um potencial de energia a ser vendido. Para Santo Antônio, Jirau e Belo Monte, porém, esse potencial foi elevado e acelerado artificialmente. As concessionárias responsáveis foram beneficiadas por um fluxo de caixa maior ainda no início dos projetos, período em que os investimentos são mais necessários.
O caso mais gritante é o de Belo Monte, que foi autorizada a comercializar 100% de sua garantia física quando menos da metade das turbinas da casa principal (44,4%) estava em operação, segundo estimativa da Abragel. Para Santo Antônio e Jirau, a garantia física integral foi concedida com motorização de 72,7% e 61,3%.
Durante esse período, embora não tenham produzido toda a energia prometida, Santo Antônio, Jirau e Belo Monte puderam comprar energia a preço de custo e vendê-la a preços de mercado. A operação foi possível porque todas as hidrelétricas do País integram uma espécie de clube, o Mecanismo de Realocação de Energia (MRE). Nele, 615 usinas hidrelétricas, de pequeno a grande porte, dividem os resultados da geração de energia em todo o País. Se o conjunto gera mais do que estava planejado, o lucro é rateado entre todos os membros. Se a geração é menor do que se esperado, por restrições nos reservatórios, o prejuízo é dividido entre todos.
Historicamente, esse grupo costumava gerar excedentes de energia, dividindo o lucro entre os associados. Mas, desde 2011, por causa da seca e da necessidade de poupar água nos reservatórios, o clube é deficitário, e o prejuízo é repartido entre as usinas. É nessa conta que entra o subsídio da geração artificial concedida às três hidrelétricas. Coube a todos os membros garantir a entrega de uma energia que essas usinas não produziram.
“O tratamento dessa antecipação está em discussão”, disse o presidente da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri. “Nosso desejo e expectativa é que isso seja tratado no menor prazo possível. É o maior problema do mercado de energia elétrica hoje.”
Esse foi apenas um dos privilégios concedidos a essas usinas. A própria formação dos consórcios, com a presença de subsidiárias da Eletrobras, fundos de pensão e empreiteiras hoje denunciadas na Lava Jato teve forte influência do governo do ex-presidente Lula. As usinas ainda tiveram financiamento barato do BNDES.
Ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o advogado Julião Coelho disse que todas essas medidas foram usadas para maquiar o preço da energia das usinas amazônicas, que, na realidade, nunca foi barato. “Tudo isso tem como corrigir ao eliminar os truques e aumentar a tarifa das usinas ”
Agora, o governo quer tentar resolver a questão do risco hidrológico dentro da MP que vai tratar da privatização da Eletrobras. A avaliação é que um acordo pode favorecer e proporcionar mais valor à companhia.
Risco hidrológico
A questão do risco hidrológico ganhou dimensões bilionárias e pode travar o mercado de energia elétrica no Brasil. Esse custo não foi causado apenas pelas usinas de Belo Monte, Jirau e Santo Antônio, mas também por decisões políticas do governo da ex-presidente Dilma Rousseff, que incluíram importação de energia, acionamento de termelétricas – mais caras -, uso de energia de reserva e atraso em obras de linhas de transmissão. Para não pagar essa conta, centenas de geradores de energia conseguiram liminares na Justiça.
Uma das ações judiciais, da Abragel, entidade que representa pequenas centrais hidrelétricas, está no Supremo Tribunal Federal (STF). O governo tentou derrubá-la, na expectativa de que todas as demais liminares caíssem também, mas a investida não teve sucesso.
Desde 2015, o mercado de energia elétrica é afetado por essa situação e a inadimplência acumulada deve chegar a números próximos dos R$ 3 bilhões, de acordo com o presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), Rui Altieri.
A proposta de acordo do governo federal prevê que essa conta seja paga de forma parcelada. Em troca, as usinas teriam direito à nova extensão do prazo de concessão. Destravar o mercado é prioridade para a União, que quer estimular a entrada de agentes para vender energia elétrica. Com o mercado parado, agentes com sobras de energia não têm estímulo para vender ou deixar de consumir, pois não receberiam os pagamentos. Isso impede a entrada no sistema de usinas de biomassa, que produzem energia com bagaço de cana, e desestimula a economia voluntária de indústrias que poderiam reduzir sua produção e liquidar excedentes no mercado livre.