Barata sugere revisão da matriz elétrica
Maurício Corrêa, de Brasília —
Quando o calmo e educado engenheiro Luiz Eduardo Barata Ferreira fala é sempre interessante prestar atenção. Afinal, o atual diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), conhece o setor elétrico brasileiro pelo avesso e a sua opinião técnica não pode ser desprezada.
Nesta quinta-feira, 19 de outubro, em Brasília, durante um evento organizado pela Aneel, quando foram discutidos os desafios que existem no segmento da geração, ele não fez referência à proposta do MME de estabelecer um novo marco regulatório para o SEB, mas lembrou que é “urgente refazer a matriz elétrica”, estabelecendo ferramentas que permitam operar o sistema com segurança e custo adequado.
Barata sabe do que está falando. Esta é a sua terceira passagem pelo ONS, no qual, aliás, já foi diretor de Operações. Também já foi presidente do Conselho de Administração da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e secretário-executivo do MME. Agora, no comando do Operador, está convencido que o grande desafio consiste exatamente em definir os parâmetros para uma nova matriz elétrica, que nos dias de hoje se caracteriza pela forte entrada das energias renováveis e pela escassez da água, que tem sido há 100 anos o principal combustível para produzir energia elétrica no Brasil.
No seu entendimento, a intermitência que caracteriza a fonte eólica, por exemplo, torna a operação cada vez mais complexa. A solar ainda não representa uma dificuldade, pois o seu impacto ainda é muito pequeno. Embora promissora, a geração solar atual não supera 500 MW. As alterações com a eólica, entretanto, já são significativas.
Antes, como explicou, o Rio São Francisco era o único supridor da carga no Nordeste. Hoje, porém, com a crise hídrica que afeta fortemente a geração elétrica em toda a bacia do “rio da unidade nacional”, a eólica assumiu um papel de destaque e, no Nordeste, é a energia dos ventos que está segurando a barra. De acordo com os dados da própria CCEE, dos 10 estados brasileiros que mais produzem energia eólica, sete encontram-se no Nordeste.
O site do Operador (www.ons.org.br) mostra o detalhamento da carga em tempo real. No momento em que este texto estava sendo escrito (14h53m da sexta-feira, 20 de outubro), a carga de energia elétrica no Brasil era representada por 51.782,8 MW de hidreletricidade (63,5% do total), 15.360,2 MW de térmicas (24%), 6.386,8 MW (8,4%) de energia eólica. As duas termonucleares de Angra dos Reis geravam 1.932,2 MW (2,9%), enquanto a solar era responsável por 431,5 MW e a importação contribuía com 395,9 MW, ambas representando apenas traço na matriz.
É nessa equação que se move o ONS. As dúvidas de Barata em relação à matriz derivam da necessidade de se compreender que o Brasil mudou profundamente em relação às fontes de energia e que uma alteração da matriz se faz indispensável e inadiável.
Quando o diretor-geral do ONS examina a situação atual, ele não tem dúvidas que o abastecimento está assegurado, apesar da crise hídrica. “Aliás, não é uma questão apenas do Nordeste. Vamos ver também como estão as bacias dos rios Tocantins e Paraná, que são igualmente afetados de forma severa pela questão climática”, afirmou.
Nessa revisão da matriz e com a responsabilidade institucional de fazer com que não fale energia elétrica no País, ele alerta que o Brasil precisa enfrentar com coragem questões que não entram no campo do politicamente correto. Com a escassez de água, Barata assinala que há consenso que a decisão técnica de não se construir reservatórios nas usinas de grande porte gerou uma situação em que os lagos não foram substituídos por outras fontes confiáveis de energia. Isso, no seu entendimento, tem se transformado em uma espécie de tortura para o Operador, que, no passado, contava com a água dos reservatórios para gerar eletricidade nos anos de hidrologia complicada, como ocorre em 2017.
“Vamos terminar o período seco de 2017 com apenas 15% de acumulação de água nos reservatórios, o que significa o segundo pior de toda a História. Precisamos de chuvas fortes para recompor os reservatórios”, assegurou.
Ele garantiu que nada tem contra as fontes eólica ou solar. “Quanto mais eólica e solar, ótimo. Todos nós queremos”, disse no evento, frisando que o “X” da questão consiste em definir qual será o limite de energias renováveis que o Brasil poderá ter no seu sistema elétrico.
Nesse contexto, para se contrabalançar à intermitência da eólica, por exemplo, ele sugere rediscutir o papel das térmicas a gás natural e até mesmo das termonucleares. “Não podemos abrir mão dos recursos que dispomos”, disse, lembrando que no programa nuclear pensava-se em 10 usinas, foram construídas apenas duas e o País não consegue terminar uma terceira, por falta de dinheiro. A sua construção arrasta-se há vários anos.
“Não podemos ficar na situação de ter que rezar a cada ano para São Francisco ou São Pedro para que tragam chuvas para nós”, ironizou.
Ricardo Brandão, assessor da Secretaria-Executiva do MME, afirmou no evento da Aneel que não se pode demonizar qualquer tipo de fonte. Ele lembrou que o Brasil tem compromissos com o Acordo de Paris e que o SEB não é o principal responsável pelas emissões de carbono. Por isso, sendo possuidor de uma matriz limpa, Brandão não vê problema para que o País possa utilizar uma parcela de matriz fóssil e tampouco vê necessidade para se fixar uma data para se eliminar a operação de térmicas no Brasil, como a Alemanha fez com as nucleares e outros países fizeram com as térmicas a carvão.
Nesse contexto, Luiz Eduardo Barata Ferreira entende que o Brasil precisaria afinar melhor um mix de energias renováveis com geração térmica, para poder enfrentar as variações bruscas produzidas pelas usinas eólicas. Do jeito que está hoje, o ONS tem sido obrigado a despachar térmicas que não estão preparadas para entrar no sistema ou então precisa aumentar os níveis de intercâmbio de energia entre as regiões, o que acaba provocando impactos comerciais.
Brandão citou um exemplo vindo dos Estados Unidos, onde também há o desafio da intermitência das fontes renováveis. “Nos Estados Unidos, o limite para renováveis é de 40%”, explicou, salientando que às vezes isso causa situações mal compreendidas pelos leigos, como a necessidade de se desligar do sistema usinas solares em fortes momentos de sol forte, o que para muitos é absolutamente incompreensível.
Barata disse que, na Itália, cerca de 30% do consumo são supridos pela geração fotovoltaica derivada de placas que ficam nos tetos das residências, mas que, no Brasil, a energia solar está começando na forma não distribuída e, sim, concentrada em grandes usinas solares instaladas nas regiões de forte insolação.
Ele alegou que definir um percentual desse tipo, no Brasil, é um segredo que vale US$ 1 milhão. “Por enquanto, ninguém sabe qual é esse percentual. Na verdade, será um número variável, que dependerá sempre de outras fontes”. Como explicou, o Governo brasileiro recém- iniciou um trabalho de cooperação técnica com a Alemanha, para examinar essa questão, mas a avaliação ficará pronto somente em dois anos. “Ainda estamos muito longe do limite”.