Agentes se surpreendem mas concordam com nova bandeira
A notícia sobre os novos parâmetros da bandeira tarifária, em particular sobre o novo valor para a bandeira vermelha patamar 2 – de cobrança de uma taxa extra de R$ 5,00 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos, quase 43% acima do cobrado anteriormente -, levou agentes do setor a considerar que na prática o governo acabou por determinar uma “bandeira preta”, que sinaliza o alerta máximo de preocupação com o abastecimento. Ainda assim, elogiaram a decisão, por considerá-la necessária para o enfrentamento da situação crítica que o País enfrenta.
Atualmente a bandeira vermelha patamar 2 adiciona R$ 3,50 a cada 100 kWh cobrados para o mesmo patamar de bandeira. A Aneel propôs nesta terça-feira, 24 de outubro, um novo sistema de bandeiras tarifárias, com uma mudança no critério de definição do acionamento das bandeiras, para incluir a variável de risco hidrológico na definição da bandeira, e também com novos valores para cada faixa de bandeira, elevando em quase 43% o valor da cobrança adicional máxima, para períodos de crise hídrica e alto custo de geração de energia, como o atual.
Com isso, o sistema de bandeiras, ao mesmo tempo em que passará a ser menos volátil e menos influenciado por chuvas pontuais que pouco influenciam na efetiva recuperação dos reservatórios das hidrelétricas, também passará a arrecadar mais recursos para fazer frente ao custo adicional de geração de termelétricas mais caras, e ainda tende a ter um papel mais efetivo de sinalizar ao consumidor que é necessário economizar. Em meio à pluviometria abaixo da média histórica e baixa armazenagem, o governo já havia determinado a realização de uma campanha de conscientização para o consumo consciente de energia.
Embora a proposta de nova metodologia para as bandeiras tarifárias ainda vá passar por audiência pública, a Aneel decidiu determinar que o novo sistema passe a vigorar em novembro. “O governo precisa ser mais célere na tomada de decisão para fazer frente aos problemas que enfrenta no setor elétrico”, disse um profissional do setor que pediu para não ser identificado, e considerou acertada a decisão.
“Parece que faz sentido (a mudança no sistema de bandeiras tarifárias) se for olhar como instrumento para ter caixa para distribuidoras cumprirem suas necessidades de curto prazo”, afirmou o diretor executivo da Associação Brasileira de Grandes Consumidores de Energia e de Consumidores Livres (Abrace), Edvaldo Santana. “Como o preço de energia no mercado de curto prazo está elevado há muito tempo, a Aneel não teve outra saída que não elevar o valor da bandeira”, completou.
“Foi uma decisão importante para amenizar o descompasso financeiro para as distribuidoras”, confirmou o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Nelson Fonseca Leite, referindo-se à necessidade das distribuidoras de arcar com os custos do déficit hidrológico se houver a cobertura tarifária para isso. Segundo ele, porém, a medida não resolve o problema, já que o déficit das distribuidoras com o custo hidrológico deve chegar a R$ 6 bilhões neste ano, enquanto o reajuste na cobrança extra da bandeira tarifária deve trazer uma arrecadação adicional da ordem de R$ 1 bilhão.
Leite defende a adoção de medidas para reduzir esse déficit como o uso do saldo da Conta de Energia de Reserva (Coner), na qual, segundo ele, atualmente constam mais de R$ 1 bilhão. Além disso, ele sugere a alteração no prazo da liquidação financeira das transações, para o último dia do mês, de maneira a garantir 20 dias adicionais de arrecadação para as distribuidoras, o que melhoraria o caixa das empresas.
O profissional do setor, que atua no segmento de geração, também defendeu a necessidade de o governo avançar em outras medidas para enfrentar a crise hidrológica, como a determinação de geração fora da ordem de mérito, que o governo já avaliou há um mês e na semana passada, mas que optou por aguardar mais para tomar. A questão deve ser reavaliada esta semana.
Além disso, ele lembrou que o governo também deveria apresentar uma solução para o problema da judicialização do risco hidrológico (GSF) no mercado de curto prazo. O problema se arrasta há anos e já resulta em uma inadimplência de R$ 3,7 bilhões. “Uma solução que destravasse esse mercado poderia colaborar para a geração de mais energia”, disse. De fato, geradores de energia a biomassa lamentaram em meados deste ano que o problema inviabilizava a geração extraordinária de energia por parte das usinas.
Santana, da Abrace, também avaliou que a mudança no sistema de bandeiras tarifárias não resolve o problema atual do setor elétrico. “Temos observado escassez de água desde 2014 e se agrava cada vez mais. Alterar a bandeira tarifária é um tampão, não resolve o problema como um todo, e isso gera insegurança”, disse. Para ele, a solução passa por um novo modelo regulatório, que está sendo discutido e deve ser alvo de uma medida provisória a ser publicada possivelmente no mês que vem.
O diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Romeu Rufino, disse nesta terça-feira, 24 de outubro, que as contas de luz devem continuar com bandeira vermelha patamar dois no mês de novembro. “Dificilmente sairemos do segundo patamar da bandeira vermelha em novembro”, afirmou Rufino.
A bandeira tarifária do mês de novembro será definida na sexta-feira, dia 27 de outubro. Se essa previsão se confirmar, o consumidor passará a ter uma taxa extra de R$ 5,00 a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumidos. Atualmente, a taxa é de R$ 3,50 a cada 100 kWh.
Hoje a Aneel propôs um novo sistema das bandeiras tarifárias que vai passar a levar em conta o risco hidrológico, um dos problemas que causam um custo bilionário ao sistema elétrico. Atualmente, a metodologia leva em conta apenas o preço da energia no mercado de curto prazo (PLD).
Nessa nova proposta, a bandeira verde vai continuar da forma como está, sem taxa extra. Na bandeira amarela, a taxa extra vai cair para R$ 1,00 a cada 100 quilowatt-hora consumidos (kWh). Hoje, o adicional de R$ 2,00.
No primeiro patamar da bandeira vermelha, o adicional será de R$ 3,00 a cada 100 kWh, mesmo valor do sistema atual. E no segundo patamar da bandeira vermelha, a cobrança será de R$ 5,00 a cada 100 kWh, bem maior que a atual, de R$ 3,50 a cada 100 kWh.
Segundo Rufino, as mudanças propostas pelo órgão regulador vão permitir que o sistema de bandeiras tarifárias seja mais estável e menos volátil. O novo sistema vai passar a levar em consideração o nível de armazenamento das hidrelétricas, ou seja, a quantidade de água das chuvas que chega aos reservatórios. Na avaliação de Rufino, trata-se de um aperfeiçoamento no modelo atual, que levava em conta apenas o preço da energia no mercado de curto prazo (PLD).
“O modelo antigo tinha uma sensibilidade exagerada em razão de chuvas pontuais”, afirmou. Na prática, o que ocorria é que chuvas intensas na última semana do mês e até mesmo previsões de chuvas nesse período influenciavam o sistema, mesmo que não houvesse recomposição do nível dos reservatórios das hidrelétricas.
“Chuvas ruins levam em nível de armazenamento ruim, o que leva ao acionamento de termelétricas, o que significa um risco hidrológico maior e uma menor geração hidráulica”, explicou Rufino. “O que estamos dizendo é que o modelo anterior era sensível a expectativas futuras de armazenamento, e agora vamos passar a olhar mais para a realidade do setor elétrico.”
Rufino reiterou que a situação hídrica é crítica. “Já estamos no quarto ano consecutivo com chuvas abaixo da média”, afirmou. “Não há nenhum risco de desabastecimento de energia, mas cada vez mais teremos que acionar termelétricas”, acrescentou. Atualmente, segundo o diretor-geral, o sistema exige o acionamento de termelétricas com custo elevado, de R$ 800,00 por megawatt-hora (MWh).
“O consumidor deve evitar o desperdício para aliviar custos. O comportamento do consumidor contribui para a volta de um maior conforto ao sistema”, afirmou Rufino.
Todos os anos, a Aneel recalibra o sistema de bandeiras tarifárias e ajusta as taxas para patamares maiores ou menores, válidos a partir de janeiro. O diretor-geral da Aneel explicou que a persistência da seca levou a Aneel a antecipar os efeitos das mudanças no modelo das bandeiras tarifárias para novembro deste ano.
A proposta apresentada nesta terça ficará aberta em audiência pública nos meses de novembro e dezembro. Na primeira fase, os agentes poderão sugerir mudanças e, na segunda, essas alterações serão apresentadas para receber nova manifestação do setor. A versão definitiva do modelo, segundo o diretor, pode mudar após a audiência pública, bem como os valores e as faixas de acionamento.
O diretor-geral disse que o déficit na conta das bandeiras tarifárias é de R$ 1,7 bilhão hoje. Isso significa que o custo de geração de energia não está sendo coberto nem pelas tarifas, nem pelas bandeiras. Se não houvesse mudança no modelo, como foi feito hoje, a previsão era que esse rombo atingisse R$ 6 bilhões
Segundo ele, esse déficit pode ser revertido até o fim do ano, com a recalibragem das bandeiras. “Por isso, é prematuro dizer que o déficit da conta das bandeiras pode gerar reajustes mais altos em 2018”, afirmou.
O sistema de bandeiras tarifárias é uma forma diferente de cobrança na conta de luz. Antes, o consumidor pagava o custo da energia apenas uma vez por ano. Se esse custo fosse mais elevado do que o previsto em razão da seca, o reajuste anual seria alto. Se fosse mais baixo, a conta cairia. Agora, esse custo é cobrado mensalmente.
Essa forma de cobrança reduz o custo financeiro para o consumidor, pois, para carregar essa conta por 12 meses, as distribuidoras eram remuneradas pela taxa básica de juros, a Selic. Agora, o próprio consumidor paga essa conta à vista, o que reduz o impacto do reajuste tarifário anual.