Setor elétrico pessimista com a falta de soluções
Maurício Corrêa, Mata de São João (BA) —
Em poucas palavras, o principal executivo do Banco BTG Pactual na área de energia, Oderval Duarte, sintetizou o espírito de apreensão que caracteriza grande parte do setor elétrico brasileiro, no momento. “A nossa principal preocupação é não morrer na praia”, afirmou, nesta quinta-feira, 23 de novembro, na abertura do 9º Encontro Anual do Mercado Livre, que se realiza nas proximidades de Salvador. O evento é organizado pelo Grupo Canal Energia, com quase 500 participantes nesta edição 2017.
Como principal patrocinador do evento, coube a Duarte dar as boas-vindas aos participantes. Embora ele tenha dito ao site “Paranoá Energia” que o seu breve pronunciamento não tenha tido uma conotação de pessimismo em relação ao momento atual do setor elétrico, o fato é que essa foi exatamente a leitura feita por vários agentes.
Afinal, o Ministério de Minas e Energia abriu várias frentes simultâneas de trabalho e, embora as equipes técnicas da Pasta venham trabalhando firmemente, o ano está praticamente chegando ao fim e o Governo não entregou os produtos.
Um diretor de uma grande geradora, que nunca participou desse encontro que já se realiza há oito anos na Bahia, afirmou reservadamente ao “Paranoá Energia” que fez questão de viajar até à Mata de São João, desta vez, pois tinha uma grande expectativa que o ministro Fernando Coelho Filho anunciasse, enfim, uma solução concreta para o problema do risco hidrológico, mais conhecido pela sigla GSF.
Um outro dirigente de associação lembrou que o MME até que estava conseguindo conduzir as duas questões básicas que interessam ao setor (novo modelo e GSF). “Infelizmente se perdeu no meio do processo, quando introduziu a privatização da Eletrobras na agenda do setor, embora não fosse um tema prioritário. Era e é importante, mas não é tão relevante quanto a questão do GSF, por exemplo, pois todo o setor elétrico está travado por causa disso”, disse a fonte.
Nas contas de um especialista, esse travamento significa transferir de mãos, de empresa para empresa, algo em torno de R$ 9 bilhões. O MME encaminhou uma proposta de medida provisória à Casa Civil no dia 09 de novembro, com uma forte expectativa que já a encontraria devidamente oficializada, no dia seguinte, no “Diário Oficial da União”.
Foi um tremendo erro estratégico, pois a área econômica do Governo — que já se considerava pacificada em relação aos termos da MP — bombardeou imediatamente a proposta, sob o argumento que uma eventual prorrogação das concessões das hidrelétricas federais representa menos dinheiro em caixa para ajudar no ajuste fiscal. O MME foi obrigado a recuar e agora sabe-se lá quando essa MP será oficializada.
Na abertura do evento, nesta quinta-feira, na Bahia, embora não faltassem tapinhas nas costas e palavras de gentileza ao ministro, o fato é que, reservadamente, os agentes do setor elétrico não conseguiam esconder a enorme decepção pelo fato de o GSF continuar sendo uma questão sem solução. “O governo, na realidade, tinha um certo compromisso moral de chegar aqui na Bahia com uma solução. A expectativa não foi, afinal, gerada pelos agentes”, confidenciou um dirigente de associação empresarial.
O próprio Oderval Duarte, no rápido discurso de abertura, lembrou que o GSF é um “fantasma que há muito tempo nos assombra”. Ele reconheceu publicamente que existem desafios “muito grandes” para o setor elétrico e que essas situações se tornam mais agudas tendo em vista o cenário do “conturbado ambiente político”.
O executivo do BTG Pactual disse algo que é absolutamente verdadeiro. Desde que a atual equipe assumiu a gestão do MME, há 560 dias, houve avanços significativos no setor elétrico. Por causa disso, a área empresarial vem “suportando o MME de forma incondicional”. Mas alertou: “Nosso setor merece e tem que ser tratado com a importância devida”, dando a entender que o SEB não pode ser visto como uma espécie de moeda de troca em período eleitoral.
Embora com um estilo ligeiramente diferente, o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Luiz Menel da Cunha, disse que a CP 33 é uma oportunidade de modernização que não pode ser desprezada. “Existem dúvidas e incertezas. Não podemos ter o marco regulatório sem exaustão, mas precisamos ter uma sinalização por parte do Governo”.
Ele elogiou o MME por abrir um diálogo permanente com as áreas empresariais desde o início da atual gestão, mas lembrou que é preciso aprender com os erros do passado, quando se tentou modernizar o modelo e não se conseguiu, pois os interesses dos diversos segmentos empresariais falaram mais alto e no final não se chegou a qualquer conclusão. “Não vamos ficar na inércia”, argumentou Menel, esclarecendo que não estava apoiando o Governo, mas, sim, apoiando uma iniciativa “deste Governo”.
Guilherme Velho, presidente da Apine, foi categórico: “Confiamos nas pessoas, mas é preciso superar o travamento do mercado”, disse, em alusão à necessidade de se priorizar a questão do GSF, enquanto a sua colega Élbia Gannoum, presidente da Abeeólica, assinalou que “o setor elétrico não pode ficar de maneira alguma da forma como está”.
Para o presidente dea Abraceel, Reginaldo Medeiros, “estamos numa encruzilhada”. Na sua visão, é difícil aprovar as medidas no âmbito do Congresso Nacional. Desde o início em que se começou a falar em novo modelo, Medeiros foi uma das principais vozes, no SEB, que alertava para o fato que coerentemente era necessário correr contra o relógio, para não se perder a janela de oportunidade, considerando o ano eleitoral de 2018, quando os congressistas estarão em suas bases, batalhando pela reeleição.
Sobre o novo modelo, Edvaldo Santana, presidente da Abrace, afirmou que “alguma coisa a mais tem que ser feita” (em relação à CP 33). Inclusive ele lembrou que a capacidade instalada é muito superior à carga e que haveria, portanto, um equívoco conceitual na formatação do novo modelo e na condução do SEB, pois o que precisa ser estimulado seria o consumo e não a realização de leilões, os quais apenas aumentariam a capacidade ociosa do parque gerador. “O melhor modelo é aquele que apresenta coerência de custos”, frisou Santana.
Falando em nome da Abragel, da qual é conselheiro, o engenheiro Ricardo Pigatto enfatizou que a competição só pode existir se houve isonomia e que a CP 33 não gera isonomia entre as diversas fontes. No seu raciocínio, ao eliminar a chamada energia incentivada, através da qual os empreendedores de PCH´s usufruem de um benefício que lhes permite competir com as demais fontes de geração, a CP 33 fulminaria as hidrelétricas de pequeno porte, que, hoje, representam em torno de 4.200 MW de capacidade instalada no País.