Setor elétrico joga a pá de cal nos modelos de preço
Maurício Corrêa, Mata de São João (BA) —
Certos sinais, quando emitidos, às vezes são tão discretos, que a maioria das pessoas não percebe. O que aconteceu no painel 2 do 9º Encontro Anual do Mercado Livre, realizado na Praia do Forte, nas proximidades de Salvador, deu uma ideia sobre o que vai acontecer de forma inexorável no setor elétrico brasileiro no médio e longo prazo.
Bem no seu estilo de falar pouco, mas com precisão, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata Ferreira, disse, por exemplo, que já foi tomada a decisão de se efetuar a precificação horária da energia elétrica, ao contrário da precificação semanal atualmente em vigor.
Segundo Barata, em meados do próximo semestre, o modelo novo já estará pronto para rodar. Entretanto, o Operador continuará a fazer a precificação semanal, rodando os dois modelos simultaneamente até o final de 2018, para ajustar os novos procedimentos, de modo que a precificação horária passe a vigorar a partir de janeiro de 2019.
O diretor-geral do ONS é, hoje, um dos especialistas do setor elétrico que mais reúnem conhecimentos. Não só está na cúpula do Operador pela terceira vez, como passou longos anos à frente do Conselho de Administração da CCEE e também ocupou a privilegiada posição de secretário-executivo do MME. Nessa cadeira, aprendeu como as políticas públicas podem ajustar eventuais interesses empresariais tendo em vista os interesses maiores dos consumidores e da cidadania.
É por isso que ele está convencido que a precificação horária vai romper todas as resistências que ainda existem quanto à liberalização do mercado de energia elétrica, permitindo, enfim, que os consumidores hoje dependentes das distribuidoras também possam se beneficiar da opção de serem livres para escolher o supridor de energia elétrica.
A mudança no modelo de precificação, segundo Barata, dará mais transparência e visibilidade. Além disso, ele reconheceu algo que qualquer estagiário do setor elétrico sabe que existe, mas que ninguém comenta em voz alta, com receio de descontentar os caciques que mandam nos bastidores, atribuindo custos elevadíssimos para os agentes e consumidores: o atual modelo do setor elétrico impõe custos totalmente desnecessários, na medida em que há superposição de instituições, inclusive o ONS, fazendo a mesma coisa. “Temos um problema de governança”, admitiu. Partindo de Barata, essa crítica com certeza não vai se perder por aí.
Como explicou, quando as reformas introduzidas no final dos anos 90 separaram a Operação e a Comercialização, sob o ponto de vista do acompanhamento e gestão institucional, foi um equívoco. “Não tem nada assim no mundo. Hoje, temos três instituições (ONS, CCEE e EPE) trabalhando na mesma faixa, quando o mundo faz com apenas uma. Isso tem um custo altíssimo”. Apesar dessa distorção, ele garantiu que o Operador trabalha de forma alinhada com a CCEE e a EPE.
No mesmo painel, o guru dos modelos computacionais que fazem a formação de preços da energia elétrica no Brasil, Mário Veiga, da consultora PSR, acusou o golpe das críticas que vem recebendo há bom tempo e mostrou uma posição mais flexível, como se já soubesse que a estrutura por ele montada corre o risco de ruir completamente no médio prazo.
Nesta sexta-feira, 24 de novembro, Veiga fez uma autocrítica e disse, por exemplo, que é fundamental existir transparência nos programas computacionais, razão pela qual ele agora defende a abertura do código-fonte, quando contribuiu enormemente para a formatação de modelos absolutamente fechados, cuja chave do cofre só estava em poder dos pouquíssimos gênios que habitam o mundo matemático de Mário Veiga e do seu ex-sócio Luiz Barroso, agora presidente da EPE.
Bem ao seu estilo, Veiga vê a formação de preços no setor elétrico de uma forma binária (mercado versus Gosplan, liberdade versus planejamento centralizado). Defendendo com unhas e dentes os seus modelos, ele citou que o México e o Chile, países que na sua visão estão comprometidos com a liberdade de mercado, adotam a operação pelo custo, ou seja, o modelo centralizado de Operação, como no Brasil, enquanto o Vietnã, que é um país que ainda vive sob o comando de um Partido Comunista, forma o preço da energia elétrica com base na oferta. Não disse, porém, que o Vietnã segue a linha da China, caracterizada pela liberdade econômica e pelo centralismo político.
Como argumentou, a oferta de preços não está diretamente relacionada com o fato de um país ser ou integrante da comunidade do “market friendly”.
Na sua batalha para fazer com que os seus sofisticados modelos matemáticos possam sobreviver, Mário Veiga defendeu a existência de bolsas de energia e até reconheceu que hoje não existem dificuldades metodológicas ou computacionais para que o Brasil possa implantar a carga horária. Na plateia, um executivo da área de energia suspirou e disse baixinho para o seu colega, ao lado: “Demorou um pouco, mas ele descobriu o que já sabemos há muito tempo”. “O fundamental é recuperar a credibilidade institucional”, arrematou Veiga.
Coube ao empresário Walfrido Avila, da comercializadora Tradener, pioneiro do mercado livre de energia elétrica no Brasil, dar a estocada no poderoso consultor da PSR, argumentando que os dados dentro dos modelos computacionais não são bons. “Há dados errados. Dados de todos os tipos. Se você coloca um dado errado dentro de um modelo, o resultado é ruim. Esperamos que sejam corrigidos, pois não podemos entrar em uma nova modelagem com dados errados”, afirmou Avila.
Para o presidente da Tradener, é preciso corrigir não só as imperfeições impostas pelos modelos computacionais responsáveis pela formação de preços, como também as próprias distorções causadas pela superestrutura que é o modelo do setor elétrico como um todo, hoje uma verdadeira colcha de retalhos devido aos inúmeros “aperfeiçoamentos” ao longo dos anos.
Avila fez a pergunta difícil de ser respondida não por por Mário Veiga, mas, também, por qualquer outra pessoa: se o nosso modelo é tão bom e eficiente, por que razão o setor elétrico tem uma crise de grande volume a praticamente cada período de cinco anos? “Precisamos, sem dúvida, de muito trabalho para corrigir essas situações”, declarou.
Para Walfrido, que historicamente tem sido um crítico da formação de preços baseada nos modelos computacionais nascidos no Cepel e na PSR, “no mercado, as coisas têm que ser simples, para poder chegar até o consumidor residencial. Se complicar, não vamos sair disso, com uma crise de grandes proporções a cada quatro ou cinco anos”.
No entendimento do professor Adílson de Oliveira, a credibilidade de preço é uma questão essencial, sendo inexorável que o País caminhe para a formatação de preços horários. “Não existe conflito entre o Estado e o mercado. São dois parceiros do processo e cada um tem o seu papel”, afirmou Oliveira, salientando que “eu aceleraria o processo de liberalização do mercado. Quem tem que fixar preço é o mercado “.