Cooperativas de energia renovável já são 6 no País
Maurício Corrêa, de Paragominas (PA) —
Discretamente, o modelo de usina solar na modalidade de cooperativa, implantado de forma pioneira pela paraense Coober, em 2016 (e que está funcionando muito bem), já está se espalhando por outros estados. O anúncio foi feito em Paragominas — sede da Coober, nesta sexta-feira, 23 de março, por Marco Morato, da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
Em palestra realizada dentro da programação do 2º Seminário de Energia Renovável, Morato explicou que usinas instaladas com base no modelo da Coober — em que várias pessoas se unem, na forma de uma cooperativa, e tocam o projeto de geração — já existem nos estados do Paraná, Rondônia, Santa Catarina, Minas Gerais e São Paulo.
Segundo Morato, responsável pela parte de energia na Gerência Técnica e Econômica da direção geral da OCB, em Brasília, o movimento cooperativo no Brasil é bastante amplo, com 6.655 cooperativas registradas no Sistema OCB, com 13,2 milhões de associados e 377 mil empregados.
No seu entendimento, essa situação abre uma janela de oportunidade para que cooperativas já existentes possam ampliar as suas atividades, agregando a geração de energia renovável no seu portfólio de trabalho.
Participantes de várias partes do Brasil vieram a Paragominas, neste final de semana, para assistir palestras sobre energia renovável a partir de vários ângulos: como está o projeto da Coober, o papel do armazenamento na geração distribuída, eficiência energética, o papel da energia solar nos recursos energéticos distribuídos. Além disso, tiveram a oportunidade de conhecer uma comparação entre as cooperativas de energia renovável no Brasil e na Alemanha e saber os detalhes do exitoso projeto da Coopérnico, a primeira cooperativa de energia renovável de Portugal.
O engenheiro Diego Otávio, diretor comercial da Ascenário Energia, uma empresa da cidade mineira de São João del-Rei, estava interessado em conhecer como se organiza uma cooperativa de energia renovável. Embora a Ascenário já esteja solidamente estabelecida em Minas Gerais, como construtor de telhados solares, Diego Otávio vê nas cooperativas uma oportunidade de expansão do seu negócio.
Ele era um estudante de de Engenharia da Produção na Universidade Federal de São João del-Rei. Seu pai, que já tocava um empreendimento de aquecimento solar para água, morreu repentinamente em 2014 e a família deu continuidade aos sonhos do fundador, enveredando pelo caminho da energia solar. “Queremos chegar em 2020 na condição de maior referência em energia solar em Minas Gerais”, afirmou Otávio.
A Ascenário, hoje, conta com quase 400 clientes, sendo 350 na área de aquecimento solar para água e o restante em geração distribuída. Ele acredita que a Ascenário poderia contribuir para constituição de uma cooperativa de energia renovável na sua região, pois já dispõe de know-how técnico para o gerenciamento do projeto. Nesta segunda-feira, 26 de março, ele participará da 1ª Semana de Energia Solar na universidade de São João del-Rei, pois não quer deixar a bola cair no chão e está entusiasmado com a ideia de desenvolver a energia solar.
“A humanidade só tem a ganhar com o uso da energia gerada pelo sol. Não só do ponto de vista do ganho financeiro, mas, também, pelo uso de uma energia que não compromete a saúde do Planeta Terra”, afirmou.
Bárbara Rubim, conselheira da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), mostrou, no seminário, que há uma explosão de investimentos em energia solar em todo o mundo, graças, principalmente, à queda do preço do módulo fotovoltaico, que representa 40% dos custos totais de um projeto de geração elétrica dessa natureza.
Os principais players mundiais são a China, Japão e Alemanha, pela ordem. No Brasil, a energia solar segue com grande intensidade e, segundo a expositora, há uma incrível coincidência entre as áreas de maior incidência de sol no Brasil e as áreas de menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH).
Ela revelou que as concessionárias de distribuição ainda fazem exigências descabidas, como forma de travar os projetos de energia solar (fazem, na realidade, uso de uma espécie de barreira não-técnica para evitar a perda de clientes, o que é condenado pela agência reguladora), mas revelou que nada disso adiantará muita coisa, pois 89% dos brasileiros revelaram, em pesquisa, que, se tivessem condições, gostariam de gerar a própria energia.
Os avanços são evidentes, como mostrados por Alan Melo, da Coober. Antes da Resolução 687 da Aneel, que permitiu a formação de cooperativas de energia renovável, os atuais associados da cooperativa de Paragominas eram desorganizados e, em conjunto, o custo médio da energia de todos eles atingia R$ 8,9 mil. Hoje, depois que a cooperativa entrou em operação, caiu para R$ 2,3 mil. Além disso, o consumo total médio era de 9.500 kWh/mês e hoje caiu para 8.716 kWh/mês. “Energia é qualidade de vida”, filosofou.
A Coober gerou 31,62 MW de setembro a dezembro de 2016, nos primeiros meses de atuação. Em 2017, a sua geração totalizou 104 MW. Em termos comparativos, ele entende que houve uma economia equivalente a 520.864 km de rodagem de um carro, o que seguramente fez bem ao planeta e ele agradece.
Anna Malka Campiani Gimenez defendeu uma tese, na Europa, sobre cooperativas de energia solar, em um estudo comparativo entre a Alemanha, onde já existem mais de 800 cooperativas, e o Brasil, que ainda engatinha na área, com apenas seis.
Existem aspectos muitos diferentes no tratamento institucional. Na Alemanha, por exemplo, o Governo garante a compra e a tarifa de energia por 20 anos. Enquanto na Alemanha exige-se que apenas três pessoas possam constituir uma cooperativa, no Brasil já são 20, o que dificulta a adoção dos primeiros passos. Além disso, na Alemanha naturalmente a população acredita no arcabouço legal, o que não é exatamente o mesmo que se passa no Brasil.
Nuno Jorge veio de Lisboa para contar como foi e tem sido a experiência cooperativista de energia renovável em Portugal. Ele foi o fundador da Cooperativa Coopérnico, a primeira do seu país nessa modalidade de geração solar.
“Quando as pessoas se juntam, as coisas simplesmente acontecem”, sintetizou. Ele considera que a porta para utilização das energias renováveis está definitivamente aberta, numa situação irreversível. A Coopérnico, hoje, controla duas centrais solares, uma em Tavira, de 16,5 kW, e outra em Lisboa, de 23,5 kW.
Nuno Jorge considera normal que as pessoas fiquem desconfiadas para investir em cooperativas de energia renovável, pois é algo ainda muito novo e diferente do setor elétrico tradicional. Ele contou que, em Portugal, se passou o mesmo, quando quis constituir a Coopérnico. Havia algumas resistências, que dificultavam a captação de recursos para investir no projeto de Tavira. Ele, então, foi a Bruxelas e, numa reunião com a organização européia das cooperativas (ResCoop), detalhou o que acontecia em Portugal.
“Lá, descobri que a inter-cooperação existe de fato”, explicou, salientando que uma cooperativa espanhola emprestou 100 mil euros, uma belga e uma holandesa ofereceram 50 mil euros cada para o projeto português. Com esses 200 mil euros de financiamentos das cooperativas irmãs, montou a Coopérnico, em novembro de 2013, junto com mais 15 cidadãos. Hoje, quase 1 mil membros integram a Coopérnico.
A Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), como contou Ernandes Rayol, presidente do Sistema OCB no Pará, acompanha com muita atenção a ampliação do número de cooperativas de energia renovável no País. Ele se orgulha do exemplo pioneiro da Coober, de Paragominas, que surgiu em seu estado e hoje serve de exemplo para que outras unidades da Federação possam desenvolver projetos semelhantes. O mesmo sentimento é demostrado por Jorge Moura Serra Júnior, superintendente da OCB/Pará, outro entusiasta quanto às atividades da Coober.
Como a descentralização dos serviços de energia elétrica é uma tendência irreversível, a agência reguladora do setor, a Aneel, também acompanha o que acontece na área e trata de preparar um arcabouço normativo que permita a ampliação das energias renováveis.
Daniel Alves, especialista da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição da Aneel, mostrou que a geração distribuída, hoje, soma 25 mil consumidores, com um total de 300 MW. Considerando o tamanho do Brasil, são números estatisticamente irrelevantes, mas Alves é otimista e acredita que o contínuo aperfeiçoamento das normas permitirá uma expansão da GD no Brasil. “Em 2012, eram apenas 1.417 consumidores. Estamos aumentando de forma rápida”, complementou.
O engenheiro Marcelo Keiji, responsável pela área de Novos Produtos (para o setor de energia) do fabricante de baterias Moura, de Pernambuco, mostrou que o armazenamento de energia elétrica é uma realidade e que só tende a crescer, considerando que a matriz é favorável às renováveis.
Ele entende que o fato de a Aneel ter aprovado, em 2016, 23 projetos de P&D para armazenamento é um reconhecimento que não se pode mais ignorar, no Brasil, o uso das baterias de acumulação.