OCB aposta em cooperativas de energia fotovoltaica
Maurício Corrêa, de Brasília —
Vinte e um meses depois do início de funcionamento da planta experimental da Coober, em Paragominas (PA), a Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) tomou, enfim, a decisão de apostar na viabilidade de projetos de cooperativas de energias renováveis em todo o País. Nesta terça-feira, 08 de maio, em Brasília, a OCB organizou um evento internacional para mostrar que acredita que o projeto pioneiro da Coober (uma usina solar em caráter piloto) poderá se alastrar pelo resto do País.
No evento, a OCB lançou uma cartilha de 44 páginas, que serve como guia para a constituição de futuras cooperativas de geração solar fotovoltaica. A cartilha mostra que, desde 2012, os brasileiros já podem gerar a própria eletricidade, utilizando os telhados das residências e se apoiando no sistema de compensação de energia elétrica regulamentado pela Aneel. Mas, também, podem fazer a opção de gerar a própria energia através da modalidade de uma cooperativa, copiando o exemplo paraense.
A cartilha é uma produção conjunta do Sistema OCB, da Agência Alemã para Cooperação e Desenvolvimento (a GIZ) e da DGRV, que é a Confederação Alemã das Cooperativas e uma espécie de OCB daquele País. “O nosso objetivo com este evento é conhecer mais o negócio da energia, organizar as pessoas, estudar e divulgar os marcos legais e dar sustentabilidade ao negócio de geração de energias renováveis na modalidade de cooperativas. Está na hora de evoluirmos e tratarmos disso com aplicação”, afirmou o presidente da OCB, Márcio Freitas.
De fato, com a cartilha o Sistema OCB pretende construir um modelo de cooperativismo “sério e disciplinado”, dentro das normas fixadas pela Aneel. “Este é o momento oportuno. Acredito que está na hora de mostrar competência também na área de energia”, disse Freitas. A OCB já é reconhecida pela sua eficiência na condução dos assuntos relacionados com outros tipos de cooperativa: de crédito, agrícola, saúde, transportes e outras muitas modalidades de negócios cooperativos com os quais está envolvida.
A participação da GIZ e da DGRV no projeto da cartilha não é sem sentido. Há muito tempo, os alemães têm participado ativamente do fomento ao movimento das cooperativas no Brasil. Na Alemanha, aliás, praticamente ¼ da população total de 80 milhões de pessoas participa de cooperativas em várias modalidades. São 5.664 cooperativas naquele País, conforme mostrou Camila Jaap, da DGRV no Brasil, das quais quase 877 são cooperativas de energia elétrica.
Ela explicou que os alemães se movem por um conceito chamado “Energiewende”, que pode ser traduzido por transformação energética. É por acreditar nisso que os alemães criaram tantas cooperativas de energia renovável, colocaram o pé no freio em relação à energia nuclear, desativaram várias usinas desse tipo e passaram a investir pesadamente em energias renováveis, principalmente plantas eólicas e solares.
Ao contrário do Brasil, onde os empreendimentos de energia solar podem apenas compensar os valores das contas de luz, na Alemanha as pessoas podem produzir a própria energia e injetar o excesso não consumido na rede, recebendo por isso. Por isso, 46% das energias renováveis, segundo Camila Jaap, estão nas mãos das pessoas, dentro de um conceito de democratização da energia que não encontra, ainda, paralelo no Brasil e outros países do Terceiro Mundo.
Entretanto, o evento da OCB revelou que trata-se de uma semente que está sendo plantada na América Latina, a partir da experiência alemã, e que começa a dar os primeiros resultados. No Chile, por exemplo, muitas pessoas se posicionaram contra projetos governamentais grandiosos de instalação de energia térmica e estão engajadas em um tipo de cooperativa denominado “de energia cidadã”.
Daniela Arias, do Instituto de Ecologia Politica do Chile, reconheceu que existem ainda dificuldades entre os cooperados para entender o modelo de negócio. Mesmo assim, movidos ideologicamente pela oposição intensa aos projetos termelétricos, eles empurram para a frente o projeto das cinco cooperativas de energia cidadã. “Estamos em busca de um caminho solar”, afirmou Arias, frisando que “o investimento coletivo e ético permite à cidadania participar da geração de energia elétrica”.
Jasmin Renz, da DGRV em países da América Central e Caribe, e Flavia Tudela Rivadeneyra, diretora da empresa de consultoria Ithaca Environmental, falaram sobre as condições do México em relação às cooperativas de energias renováveis.
“No México, estamos um passo atrás em relação ao Brasil”, reconheceu Flavia Tudela. Ela explicou que o país persegue uma ambiciosa política energética e de mudanças climáticas, mas, por enquanto, a participação das renováveis na matriz ainda é muito reduzida, de apenas 9%. O México ainda é muito dependente da sua enorme reserva de petróleo e essa situação transborda para a geração termelétrica, o que acaba sujando a matriz elétrica.
Em comum, o Brasil, o Chile e o México compartilham algo que poderia ser classificado como de “pobreza energética”, ou seja, pela existência de uma grande quantidade de famílias que não dispõem de condições financeiras para sequer pagar as contas de energia elétrica no final do mês. Só no México, essa massa de gente pobre soma um universo superior a 12 milhões de pessoas.
Jasmin Renz lembrou também que “subsídios brutais” aos consumidores de energia elétrica concedidos pelo Estado, que chegam a 80% do valor das contas de luz, emergem como grande obstáculo à inserção da geração distribuída no país.
Marco Morato, assessor da OCB Nacional para assuntos de energia e um dos 22 associados que há dois anos criaram a Coober, em Paragominas, lembrou que a proposta da organização é espalhar a ideia da geração distribuída, na modalidade de cooperativa de geração fotovoltaica, por todo o País, partindo da premissa que é uma excelente oportunidade para os mais de 13 milhões de associados que integram as 6.655 cooperativas existentes no Brasil e que empregam 377 mil pessoas.
“Por que não produzir o que a gente consome?”, perguntou Morato, que não duvida do sucesso do projeto pioneiro da pequena usina solar instalada na forma de cooperativa na cidade paraense de Paragominas. “Temos a obrigação de construir um futuro sustentável”, acrescentou.
Para Christiano Vieira da Silva, superintendente de Regulação dos Serviços de Geração da Aneel, existe espaço para atuação das cooperativas de energia elétrica no Brasil, principalmente considerando o crescimento exponencial da fonte solar. Ele informou que a Aneel está atenta e que brevemente pretende abrir um processo de audiência pública para aprimorar a resolução que trata da geração distribuída. “Estamos esgotando os aproveitamentos hidrelétricos”, justificou, garantindo que a matriz elétrica do Brasil é muito limpa, constituída por 81,2% de energias renováveis, em um contexto que se destaca a hidreletricidade, com 64,6%.