SEB pede socorro com fim da 814 e abandono pelo MME
Maurício Corrêa, do Rio de Janeiro —
O setor elétrico brasileiro está no divã, buscando soluções (e apoio) para os problemas que o envolvem. Brincadeiras à parte, o fato concreto é que os dirigentes do SEB, que sempre conseguem encontrar boas alternativas técnicas para qualquer situação, desta vez estão um tanto perdidos, pois não sabem direito o que fazer (ou a quem recorrer) para resolver situações complexas como os custos altíssimos do risco hidrológico, a inadimplência no mercado de curto prazo, o novo modelo comercial e, sobretudo, o que fazer com a proposta de privatização do Sistema Eletrobras, que levou um “chega prá lá” na última terça-feira, deixando os agentes perplexos.
Essas questões afloraram com naturalidade, nesta quarta-feira, 23 de maio, no primeiro dia da 15ª versão do Encontro Nacional de Agentes do Setor Elétrico (Enase), o exitoso evento anual promovido pela UBM/Canal Energia. Embora oficialmente ninguém tenha reclamado, reservadamente dirigentes das associações e das empresas não pouparam críticas à ausência de representantes diretos do Ministério de Minas e Energia.
A justificativa foi que ninguém, principalmente o ministro Wellington Moreira Franco, estaria em condições para se ausentar de Brasília no meio da confusão envolvendo combustíveis e caminhoneiros. No Enase, entretanto, ninguém levou esse argumento a sério e, em conversas reservadas, os participantes baixaram o porrete face à ausência histórica do MME naquele que é considerado o principal evento anual do SEB. Um veterano especialista do setor, que sempre tratou técnicos do Governo com enorme paciência, desta vez desabafou com o repórter do “Paranoá Energia”: “Foi medo. O MME não veio porque tem medo. O setor está totalmente órfão”.
Uma enquete realizada pelos organizadores do Enase — evento que reuniu cerca de 1 mil participantes — de fato mostrou que o nível de preocupação no SEB é bastante alto. À pergunta “qual o principal objetivo de uma modernização do modelo setorial?”, 54% responderam que é “ajustar o equilíbrio econômico-financeiro do SEB”, enquanto 35% apontaram que é “dar maior liberdade de escolha do fornecedor ao consumidor de energia”. Ou seja, muita gente está fechada com a proposta de ampliação do mercado livre.
Numa segunda questão, a UBM/Canal Energia perguntou se, mantendo o modelo atual, como estaria o SEB dentro de quatro anos. A resposta foi fulminante: 47% responderam “desatualizado” e 46% optaram pelo “muito desatualizado”. Noventa e dois por cento das respostas indicaram que a probabilidade de votação das mudanças definidas na Consulta Pública 33 serem aprovadas no Congresso, ainda neste ano, é “nenhuma” ou “pequena”, o que revela um alto nível de desalento em relação ao novo marco regulatório, apesar das promessas do Governo.
Em consonância com essa questão, 52% das respostas revelaram que a CP 33 pode ser, sim, um pilar para a redução tarifária no Brasil. Sem ajustes no modelo, a enquete revelou que 76% acreditam que o preço da energia, no Brasil, deverá crescer acima da inflação, nos próximos dois anos. Finalmente, 92% revelaram que estão “preocupado” ou “muito preocupado” com o futuro do SEB, em conseqüências das próximas eleições presidenciais.
Oficialmente, o MME foi representado pelo professor Reive Barros, que acaba de assumir a presidência da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Ele leu algumas premissas que seriam apresentadas pelo próprio ministro, caso tivesse comparecido ao Enase. Entre os itens, o ministro — através da psicografia de Reive Barros — listou a revisão do marco legal e a modernização da Eletrobras. Entre os participantes, não faltou quem lembrasse que a proposta do novo modelo comercial está engavetada no Palácio do Planalto há muito tempo e, quanto à modernização da Eletrobras, todos na platéia demonstravam total perplexidade com a forma como o Governo concordou com a retirada da proposta de votação da MP 814, que abria espaço para a privatização da estatal.
Sem tirar o mérito do brilho do evento da UBM/Canal Energia, um participante comentou que tudo aquilo parecia meio sem sentido, meio fúnebre, uma espécie de “enterro de luxo” das principais propostas que o MME e os agentes trataram com tanto cuidado e diálogo nos últimos dois anos. O jornalista Rodrigo Ferreira, diretor da UBM/Canal Energia, sintetizou o sentimento dos participantes, ao declarar, na abertura do evento, que havia um “gosto amargo”. “Sabemos o que deve ser feito. Mas temos a percepção que talvez não seja feito neste ano”.
Em seguida, o presidente do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), Mário Menel, lembrou que tinha, na terça-feira, preparado um discurso, o qual precisou rasgar, pois estava relacionado com a ida do ministro ao Enase e com a aprovação da MP 814 na Câmara dos Deputados. Nada disso aconteceu. “O que falar?”O manifesto ficou visivelmente desatualizado, mas Menel lembrou o contexto em que foi construído em conjunto pelas associações. Neste semestre, seriam resolvidas questões legais do novo modelo comercial, deixando a regulação, a cargo da Aneel, ou decretos complementares para o novo governo que tomar posse em janeiro de 2019.
“Tudo isso causa uma apreensão grande, principalmente a perspectiva de perda do trabalho. Teremos um novo Governo, independentemente de quem vença a eleição e teremos que recomeçar do zero”. Ele não mencionou o nome de Moreira Franco em seu discurso, mas lembrou-se que, na plateia, estavam o ex-ministro Fernando Bezerra Coelho e o deputado Fábio Garcia (DEM-MT), nos quais depositou toda a esperança de ajuda para o SEB. “Tivemos uma participação ativa no projeto de elaboração da Consulta Pública 33. Podemos reclamar do documento, mas não de que não participamos. É um projeto que tem unicidade. Tem coesão”, alegou Menel.
Em seguida, numa entrevista à imprensa, ele disse que tem esperança que algo ainda talvez possa ser feito em 2018, apesar das dificuldades de calendário impostas pelo processo eleitoral e pela Copa do Mundo. Ele admitiu que tendia a concordar com um repórter que perguntou se não teria ocorrido um “erro brutal” de timing, por parte do MME, ao deixar todas essas mudanças estratégicas para um ano eleitoral. Entretanto, também lembrou que os próprios agentes perderam seis meses com um projeto estratégico de P&D, rejeitado pela Aneel, que deveria oferecer uma proposta de novo modelo.
“E agora?”, perguntou Menel. Ele reconheceu que todos estão muito preocupados (como mostra a enquete) e que o País precisa de energia, de mais investimentos e que os investidores estão retraídos. Na sua avaliação, é fundamental que pelo menos sejam eliminadas, em 2018, todas as barreiras que impedem a modernização do SEB, incorporando algumas premissas da finada MP 814 no projeto de portabilidade da conta de luz que será relatado pelo deputado Fábio Garcia.