Preço horário entra em 2020, mas preocupa
Maurício Corrêa, de Brasília —
Há muitos anos, o sistema elétrico brasileiro calcula os preços em base semanal, considerando três patamares de carga em cada submercado. A partir de janeiro de 2020, o preço passará a ser calculado em base horária e todos os agentes começam a se preparar para as mudanças. Mas o que se observou nesta quarta-feira, 1º de agosto, em um workshop organizado pelas associações Apine e Abraceel, com apoio da Aneel, é que por enquanto está todo mundo meio perdido, o que é mais ou menos natural considerando as circunstâncias.
Sem dúvida, existem boas intenções e disposição para enfrentar o desafio da parte de geradores, comercializadores, consultores e agentes institucionais, mas a perspectiva dessa mudança histórica, hoje, já é suficiente para provocar um frio na barriga e o aumento antecipado do estresse. “O grau de complexidade dessa iniciativa exige prudência”, argumentou o diretor-geral da Aneel, Romeu Rufino.
Rufino também disse que, como muita gente aliás alegou durante o workshop, o Brasil já está muito atrasado em relação a essa prática, que já é comum em vários países. Ele garantiu que a Aneel vai internalizar a questão e que será aperfeiçoada a proposta original (a qual previa a entrada em operação do preço diário a partir de janeiro de 2019, mas que por decisão do Governo foi postergada para janeiro de 2020).
Justifica-se tanta cautela. Afinal, o preço horário mexe com muita coisa, todas elas relacionadas com o caixa das empresas. Como explicou muito bem o consultor João Carlos Mello, da Thymos Energia, a questão não se resume simplesmente em alterar uma fórmula matemática. Há outros impactos muito profundos que precisam ser analisados com cuidado, pois a formação do preço não será a única área afetada. Também tem a própria operação do setor elétrico.
Na visão de Hugo Nunes, vice-presidente do Conselho da Apine, a migração para o preço horário é “inexorável”, mas as alterações serão de grande significado para os agentes. “Muda a fatura dos consumidores, mudam os impostos. Não vai ficar igual, pois também muda a operação do sistema e até mesmo o Ebtida das empresas”, reconheceu, salientando que os agentes têm 12 meses para trabalhar no assunto, aperfeiçoando os resultados de uma operação “sombra” que já é feita. “Temos que examinar todos os impactos. O que muda, quanto muda e porque muda”, disse Nunes.
Além disso, a migração do preço semanal para o preço horário se dará no bojo da incorporação de novas tecnologias ao sistema elétrico, como o armazenamento de energia e a própria explosão das energias renováveis, principalmente a eólica e a solar, como disse o superintendente de Serviços de Geração da Aneel, Christiano Vieira. “Há uma preocupação da agência e estamos dialogando com o ONS e a CCEE, pois é preciso reduzir ao máximo o ESS” (Encargo de Serviço do Sistema).
Essa é uma questão que não pode ser esquecida. Segundo a definição da CCEE, o ESS é pago aos geradores térmicos que atendem a solicitação de despacho do ONS para realizar geração fora da ordem de mérito de custo. Rui Altieri e Roberto Castro, conselheiros da CCEE, deixaram isso muito claro. Castro, por exemplo, explicou que é preciso ficar atento ao aprimoramento da metodologia do cálculo do PLD, aproximando o cálculo do preço à realidade operativa do sistema.
Ele lembrou que o PLD é extremamente volátil e que 50% desse movimento do preço para cima ou para baixo se deve à hidrologia. “O preço horário não está solto. Faz parte de um contexto”, afirmou Castro, lembrando que o setor elétrico também discute um novo modelo comercial conforme a CP 33 do MME. Castro explicou que a greve dos caminhoneiros, em maio passado, gerou R$ 120 milhões de encargos. Por isso, a mudança precisa ser escalonada , “sem açodamento e respeitando contratos existentes”, para garantir estabilidade ao setor com um cenário que seja devidamente atrativo para investidores.
O setor elétrico brasileiro já vem flertando com o preço horário desde 1998, como lembrou muito bem o diretor-geral do ONS, Luiz Eduardo Barata. “Com as energias renováveis, é imperioso que tenhamos o preço horário”, acrescentou, lembrando, entretanto, que não se pode caminhar para o preço horário e ao mesmo tempo manter algum descolamento entre a operação do sistema e a formação de preços. Isso precisa ficar muito bem ajustado, para poder funcionar. “Estamos na direção certa”, declarou.
Reginaldo Medeiros, presidente executivo da Abraceel, também afirmou que a migração de um modelo para o outro é indispensável, dentro da evolução do próprio setor elétrico. Ele garantiu que os comercializadores representados pela associação estão comprometidos com o cronograma de implantação do preço horário.
Júlio Ferraz, superintendente de Regulação Econômica e Estudos do Mercado da Aneel, esclareceu que a agência iniciará em setembro reuniões formais com as associações empresariais do setor elétrico e que a audiência pública para as regras de comercialização, que já está em fase final, prevê o preço horário. “As novas regras de comercialização estarão em condições de não ser um gargalo”, garantiu Ferraz.
No meio de toda a natural indecisão que existe em relação ao preço horário, o consultor Mello, da Thymos Energia, também lembrou que ainda existe a possibilidade de ser adotado, a partir de 2022, o mecanismo de precificação através da oferta direta entre vendedores e compradores, ao contrário do atual modelo baseado em programas computacionais.
O mercado ainda seria afetado pela própria ampliação do mercado livre, pela comercialização através de bolsas de energia e pela abertura de códigos do modelo, sem contar a pressão que existe diariamente para que o mecanismo de garantias financeiras fique mais rígido através do aporte prévio de recursos que permitam o fechamento dos contratos, como ocorre no cotidiano do sistema financeiro. “Não é só botar o modelo para rodar. O debate tem que ser feito”.
Considerando a complexidade de todo esse conjunto de mudanças, Mello entende que a implantação precisa ocorrer mediante etapas. A operação sombra, por exemplo, no seu entendimento precisa ser avaliada por um período mínimo de 12 meses, para compreender o ciclo completo da hidrologia e o comportamento da carga, para que possa ser bem aferido o impacto efetivo na operação do sistema, no mercado e na comercialização de energia.
João Carlos Mello é um pouco pessimista a respeito do tema e não acredita que o desenho completo estará 100% pronto em 2020 para que se possa praticar o preço horário sem medo. Com base na sua experiência, ele garante que por enquanto “o mercado não está plenamente maduro para a dinâmica de validação diária de preços”, razão pela qual ele também entende que as mudanças não serão positivas para todos os agentes.