PCH luta pela sobrevivência e discute modelo
Maurício Corrêa, de São Paulo (*) —
No próximo leilão de energia elétrica que está sendo promovido pelo Governo, os empreendedores de projetos nas áreas de energia fotovoltaica e eólica deverão participar com cerca de 46 mil MW de capacidade instalada. Na outra ponta da oferta, o segmento de pequenas centrais hidrelétricas deverá comparecer com um total de apenas 900 MW. Essa enorme diferença dá uma ideia precisa a respeito das preocupações que envolvem hoje a área de PCH´s, a qual já viveu uma era de ouro, mas que agora tem muitas dúvidas sobre a sua própria expansão.
Essa indefinição foi a tônica principal da XII Conferência de Pequenas Centrais Hidrelétricas, realizada em São Paulo, nos dias 07 e 08 de agosto pelo Centro Nacional de Referência em Pequenas Centrais Hidrelétricas (CERPCH), vinculado à Universidade Federal de Itajubá (Unifei), e pela Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel). O evento focou as suas discussões em questões relacionadas com o mercado e o meio ambiente.
O que parece muito claro é que, qualquer que tenham sido as razões que levaram ao nocaute momentâneo das PCH´s, o País não está dando a devida atenção ao enorme patrimônio construído com sacrifício, recursos e inteligência durante muitos anos. Luiz Otávio Koblitz, presidente do Conselho de Administração da Abragel, explicou que existem em operação, em todo o País, 1.114 usinas desse porte, gerando em torno de 5,8 mil MW. No entanto, como a PCH, como negócio, deixou de ser atrativa, há apenas 33 usinas em construção, totalizando 364 MW.
O potencial de expansão, entretanto, é extraordinário, segundo Koblitz: 20.659 MW em 1.606 projetos de PCH´s e 3.017 MW em projetos de 1.522 CGH´s (que fazem parte da “família” e são usinas de porte bem menor do que as PCH´s). Estas são usinas com capacidade de geração de até 30 MW, mas, quando se considera o universo de hidrelétricas com capacidade entre 30 e 50 MW, o potencial se expande muito mais, englobando 3.233 projetos, com um total de 26.950 MW.
Koblitz defende as PCH´s e CGH´s com unhas e dentes. No seu entendimento, essas pequenas geradoras contribuem para a redução de gases do Efeito Estufa e são projetos que podem ser considerados como de geração distribuída (diminuindo perdas técnicas e evitando a construção de mais linhas de transmissão e subestações). Além disso operam naquilo que se classifica como de “geração firme”, ou seja, não tem os riscos da intermitência que se observa, por exemplo, na geração eólica, quando não há vento. “Nossas usinas estão em condições de regularizar melhor a geração ao longo do ano”, argumentou Koblitz.
O calvário das PCH´s começou quando surgiram versões pouco consistentes, no mundo acadêmico, indicando que as PCH´s, que formam apenas pequenos lagos, provocavam danos ao meio ambiente. Este repórter conhece várias PCH`s e reconhece que, em alguns casos, foram cometidas imprudências por parte dos empreendedores, na implantação desses projetos, mas isso não é a regra geral, que consiste nos cuidados com os impactos dos projetos em relação ao meio ambiente.
Para o presidente do Conselho da Abragel, o preço médio da energia gerada por uma PCH, hoje, está em torno de R$ 250,00 pelo MW hora, que ele considera “bom”. Ele garante que não tem qualquer restrição às demais fontes, mas entende que efetivamente os preços da energia produzida por eólicas e solares fotovoltaicas é maior do que o preço médio das PCH´s. “É preciso fazer essa conta corretamente”, acrescentou.
Quando se olha no longo prazo, por exemplo, Koblitz encontra uma enorme defasagem entre os projetos dessas três energias alternativas. Existe PCH no Brasil que já opera há 105 anos. Ele acredita que a vida útil das usinas solares e eólicas está entre 20 e 25 anos, enquanto projetos térmicos têm uma duração entre 40 e 50 anos.
Além disso os equipamentos utilizados pelas PCH´s e CGH´s são fabricados totalmente no País, contribuindo para gerar empregos, ao contrário de grande parte dos equipamentos que integram projetos eólicos e solares, que vem de fora.
Para o professor Geraldo Lúcio Tiago Filho, secretário-executivo do CERPCH, que respira o tema “PCH” desde que era estudante, as agressões acadêmicas feitas às pequenas centrais hidrelétricas não se justificam tecnicamente, pois não existe energia totalmente limpa. “Tudo é uma questão de marketing”, reconheceu.
Ele admitiu que a própria conferência, no passado, chegou a contar com cerca de 500 participantes e que este último evento teve pouco mais de 100 inscritos. “É um número representativo, mas estamos pregando para convertidos. A eólica tinha dificuldade para entrar no mercado e agora se descobre que esse tipo de geração tem enormes problemas como a intermitência”, frisou.
Na avaliação do consultor e professor (aposentado) Afonso Henriques Moreira Santos, a “PCH era um sonho. O nosso maior problema é o pessoal que está em Brasília”, disse. Não especificou quem, mas certamente era uma indireta para as autoridades ambientais, da Aneel e do Ministério de Minas e Energia. Para Afonso, o maior perigo que existe hoje para o setor elétrico como um todo, não apenas para as PCH´s, é a existência de “um bando de menino inteligente com a caneta na mão”.
Foi um consenso entre os participantes que as decisões que deixarão novamente as PCH´s atraentes, sob o ponto de vista dos investidores, somente poderão ser construídas no bojo de uma reforma do modelo do setor elétrico brasileiro. “De um modelo que funcione”, como lembrou o advogado Guilherme Baggio, que se preocupa com a questão da insegurança jurídica, pois existe no Brasil o vício de se criar alguma coisa e depois ver o que se vai fazer. “O modelo tem que ter segurança jurídica e previsibilidade”, assinalou Baggio.
Esta também é a opinião de Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, que, numa análise sobre o SEB, admitiu que, hoje, o modelo não induz à eficiência, sem contar a judicialização crescente. Para Sales, a sobrevivência das PCH´s está ligada a uma “luta de lobbies na expansão da matriz”.
O fato é que o Projeto de Lei 1917, que tramita na Câmara dos Deputados e altera o modelo de comercialização do setor elétrico brasileira, afeta diretamente os projetos de expansão das PCH´s, pois retira incentivos que hoje se dá à energia produzida pelas pequenas hidrelétricas e elimina, em 2020, a figura do chamado “consumidor especial”.
Andrew Storfer, da comercializadora América Energia, é pragmático. Ele entende que o PL 1917 vai vigorar de uma qualquer jeito, com todos os problemas que possa produzir, e que é necessário encontrar uma fórmula que permita a sobrevivência dos agentes do setor elétrico. Afonso Henriques tem opinião contrária e acredita que “o PL vai morrer”. Sales, do Acende Brasil, não vê essa questão como preocupação de curtíssimo prazo, pois não deverá acontecer nada relevante no Congresso Nacional, neste ano, devido à eleição.
Sales, contudo, admite que “estamos diante de um mega-problema e é preciso saber, do jeito que estão sinalizadas as mudanças, o que pode prejudicar ou beneficiar as PCH´s”. Como exemplo, ele citou a valoração dos atributos das PCH´s em relação às demais fontes e, inclusive, a introdução de novas tecnologias, como o armazenamento de energia. Ele acredita que o PL 1917, por enquanto, deixa todo mundo pendurado no pincel. Entretanto, avalia que não se pode encontrar uma saída para as PCH´s apenas olhando para a energia elétrica. “É preciso pensar mais amplo, no consumidor, no usuário, e como a sociedade vai responder a tudo isso”.
Reive Barros, que até pouco tempo foi diretor da Aneel e hoje ocupa a presidência da EPE, garantiu que “todas as fontes são bem-vindas à matriz elétrica brasileira. O importante é conhecer e valorar os aspectos positivos e negativos, considerando as necessidades do sistema e a sinergia entre as fontes”, salientando que um País como o Brasil não pode simplesmente prescindir da riqueza de suas fontes energéticas.
Ele explicou que, de fato, as pequenas hidrelétricas tiveram um crescimento exponencial a partir de 2010 e que, hoje, encontram espaço para crescer na geração distribuída, no mercado livre e no mercado de curto prazo. Para Reive, é possível, sim, criar um modelo de negócio em que as PCH´s e CGH´s possam se encaixar. “Cada mercado tem as suas características”, disse.
Enquanto permanecem as indefinições, Paulo Arbex, presidente executivo da Associação Brasileira de PCH´s e CGH´s (uma organização que opera de modo semelhante à Abragel), alertou que a cadeia produtiva do segmento não resiste mais um ano sem contratação. “O maior problema é a falta de contratação. O Brasil é a OPEP da água e estamos demonizando o setor, enquanto o custo da energia elétrica no País está explodindo devido ao uso em larga escala de energia térmica. Nossa energia, hoje, é uma das mais caras do mundo”.
Fazendo coro com os demais participantes, Christiano Vieira da Silva, superintendente de Regulação da Geração da Aneel, disse que as PCH´s têm muitos atributos e que as suas virtudes devem ser aproveitadas. Mas reconhece que não basta mudar o modelo de contratação, pois o problema não será resolvido com um toque de mágica.
“Quando se fala em PCH alguns acham que estamos destruindo a Amazônia”, ironizou Koblitz, que não perde o entusiasmo. Diante de todo o potencial do segmento, a sua opinião é que “há muito mais a fazer do que já foi feito. Temos que continuar”.
(*) O repórter viajou a convite do CERPCH e da Abragel.