SEB quer voltar a construir UHE´s com reservatórios
Maurício Corrêa, de Brasília —
Depois de uma letargia de muitos anos, os agentes do setor elétrico envolvidos com a construção de hidrelétricas finalmente acordaram e descobriram que o SEB se comunica pessimamente com a sociedade e é preciso mudar muita coisa para que seus argumentos sejam melhor conhecidos.
É o que se percebeu do ato realizado nesta terça-feira, em Brasília, quando várias associações empresariais subscreveram publicamente a chamada “Carta de São Paulo”, um documento que tem a chancela do Comitê Brasileiro de Barragens. A carta é um documento em defesa da atuação destinada a viabilizar a construção de hidrelétricas com reservatórios de acumulação de água, conforme já antecipou este site.
O setor empresarial, pelo visto, precisará caprichar no lobby. Afinal, durante muitos anos as UHE´s reinaram de forma absoluta, principalmente durante o regime militar. Naquela época, a prioridade zero era a geração de energia elétrica e pouco se importava com o que a sociedade pensava. Até porque era uma ditadura e a oposição não podia se manifestar.
Os problemas começaram com a redemocratização, quando se “descobriu” que os cursos d´água serviam não apenas para gerar energia elétrica, mas, também, para o consumo humano e de animais, para irrigação, transportes, etc. Finalmente, percebeu-se que um rio tinha usos múltiplos, sem contar os cuidados que se deveria ter com os impactos ao meio ambiente proporcionados pelas UHE´s.
Desde então, as UHE´s têm sido demonizadas e se transformaram numa espécie de Belzebú. E nem importa muito o tamanho do reservatório. Hoje as restrições atingem desde grandes usinas até os projetos de pequenas centrais hidrelétricas (PCH´s) cujo impacto na natureza é ridículo.
Os barrageiros gostam de reclamar dos ambientalistas, mas se esquecem de uma coisa horrorosa chamada hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, construída durante a época dos militares, mas cuja geração comercial ocorreu durante o período pós-ditadura.
Balbina é um dos maiores desastres ambientais do Brasil. Só para comparar, com um lago de 2.360 km2 de área inundada, tem capacidade instalada de apenas 250 MW, quando a usina de Tucuruí, com um lago um pouco maior, de 2.850 km2, pode gerar 8.370 MW. É o fantasma de uma nova Balbina que paira permanentemente sobre a construção de hidrelétricas no Brasil.
O próprio presidente do Fórum das Associações Empresariais do Setor Elétrico (Fase) e da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), Mário Menel, reconhece que o tema para construir usinas hidrelétricas dotadas de reservatórios é polêmico e “há necessidade de aprofundar os debates”.
Guilherme Velho, que ocupa a presidência da Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine) lembrou que os empreendedores de UHE´s estão com um pé atrás, tanto que no próximo leilão de energia elétrica, o A-6, que será realizado nesta sexta-feira, dia 31 de agosto, a oferta de projetos hídricos soma apenas 0,5% do total.
Velho também lembrou que a capacidade de armazenamento dos reservatórios brasileiros já alcançou o equivalente a 6,5 meses, em 2002, e, no final do ano passado, caiu para 4,7 meses, numa clara tendência de redução. Nesse contexto, a complementação térmica se torna mais agressiva.
Para o vice-presidente do Fórum do Meio Ambiente do Setor Elétrico (Fmase), Ênio Fonseca, que congrega vários segmentos do SEB que de alguma forma se relacionam com aspectos do meio ambiente, “neste jogo já estamos perdendo de quatro a zero e estamos com 30 minutos do segundo tempo”.
“Estamos fazendo o adequado, mas é insuficiente”, acrescentou Fonseca, frisando que a culpa pelo desempenho não é propriamente dos empreendedores. Em todos os níveis da administração pública brasileira, existe um cipoal de 30 mil normas relativas ao meio ambiente que precisam ser obedecidas. Por esse motivo, Fonseca também lembrou que os empreendedores de geração hidrelétrica estão submetidos a três sistemas implacáveis, cada qual com as suas razões e burocracia própria: o Poder Concedente, a área de Recursos Hídricos e as autoridades de licenciamento ambiental.
Em tom de brincadeira, o presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), Ricardo Pigatto, disse que jogo não está quatro a zero, e, sim, 12 a zero. E não se está jogando nos 30 minutos do segundo tempo e, sim, aos 45 minutos. É uma situação difícil, reconhece. Para Pigatto, “minorias barulhentas” prejudicam os projetos hídricos.
De qualquer forma, como explicou Marcelo de Deus Melo, coordenador do GT de Recursos Hídricos da Associação Brasileira de Empresas Geradoras de Energia Elétrica (Abrage), os três maiores novos projetos hidrelétricos do País (Santo Antônio e Jirau, ambos no rio Madeira; e Belo Monte, no rio Xingu), somando cerca de 8 mil MW médios de energia firme foram construídos na modalidade de “fio d´água”, que é o termo técnico que se utiliza para classificar as usinas em que as águas simplesmente chegam nas barragens e são turbinadas, sem constituir reservatórios de acumulação. No plano decenal elaborado pelo MME para o ano de 2026 praticamente não tem expansão elétrica baseada em UHE´s.
Para o representante da Abrage, a questão pode melhorar se forem criados mecanismos legais que permitam novamente a construção de grandes reservatórios. Além disso, é fundamental trazer para o debate os órgãos licenciadores do meio ambiente e as organizações não-governamentais, as quais hoje fecham as caras para qualquer projeto hidráulico, por menor que seja.
O presidente da Associação de PCH´s e CGH´s, Paulo Arbex, reconheceu que existe uma demonização completa dos reservatórios no Brasil, país que tem 12% dos recursos hídricos do mundo. “E no entanto há falta d´água. A escassez é grave e tende a piorar”. Segundo ele, isso acontece em 150 países.
O mais paradoxal na discussão levantada pelo Comitê das Barragens é que, no processo de geração hidrelétrica, a água não é consumida e simplesmente desaparece. Ao contrário, a água chega na barragem, é turbinada, vira energia elétrica e é devolvida ao rio mais à frente. As restrições que existem hoje dizem respeito ao desaparecimento de áreas florestadas, transferência de populações locais e prejuízos para a flora e a fauna.
Arbex, entretanto, acredita que os verdadeiros problemas dos rios são outros, proporcionados pelas variações climáticas, pelo desmatamento das bacias por fazendeiros e sitiantes, pelo lançamento de grande volume de esgotos nos cursos d´água e também pela contaminação produzida por lixões. A interrupção de projetos com reservatórios, na sua opinião, foi um grave erro. “A turma contra os reservatórios é barulhenta, mas temos do nosso lado a verdade técnica”, afirmou.