Geração distribuída incomoda outros agentes
Maurício Corrêa, de Brasília —
Uma audiência pública para discussão da Análise de Impacto Regulatório, organizada pela Aneel, em Brasília, nesta quinta-feira, 21 de fevereiro, destinada a debater questões relacionadas com a revisão da Resolução 482, mais do que mostrar a força da geração distribuída, revelou o quanto está perdido o segmento da Distribuição, que se mostra incapaz para encontrar um novo papel no setor elétrico brasileiro diante da utilização das novas tecnologias.
Embora o auditório da agência reguladora estivesse lotado e muita gente tenha discursado louvando a expansão da geração distribuída, o fato concreto é que, considerando o tamanho do País e a sua população de quase 210 milhões de habitantes, com mais de 80 milhões de unidades consumidoras, a GD ainda precisa ralar muito para crescer no Brasil. Não se pode negar que em um país com as condições sociais do Brasil, a GD é algo ainda caro para as famílias.
A revisão da Revolução 482 é uma dessas tentativas para expandir a geração distribuída, mas até mesmo Guilherme Susteras, diretor da CompartSol, uma cooperativa de geração compartilhada de energia solar instalada em Araçoiaba da Serra, na região metropolitana de Sorocaba, no estado de São Paulo, reconhece que o espaço ocupado pela GD, no Brasil, ainda é pífio.
Juntamente com a parceira Sun Mobi, a CompartSol tem feito a sua parte visando ao desenvolvimento da GD. Conta com 63 cooperados, investiu algo em torno de R$ 1,6 milhão e gera 400 kWp. Agora, a CompartSol está limpando um terreno de 1 hectare, no município de Porto Feliz, na mesma área metropolitana de Sorocaba, onde 100 cooperados planejam investir R$ 4 milhões e produzir 1 MW de energia elétrica.
Em sua apresentação na audiência pública, Susteras reclamou que a GD não pode ser penalizada por normativos que dificultem a sua expansão. “Podemos matar algo que nem nasceu direito”, alertou.
Em conversa com este site, ele explicou que o desafio da Aneel, ao rever a Resolução 482, consiste em balancear as posições dos agentes em relação à geração distribuída, mas que isso passa necessariamente por tentar entender o que as distribuidoras querem em relação à atuação futura no mercado brasileiro de energia elétrica.
“É lógico que as distribuidoras desempenharam um importante papel e ainda têm um papel a desempenhar. Só que elas se encontram, hoje, mais ou menos como a telefonia fixa, que por razões tecnológicas perdeu o bonde da História. Quem tem telefone fixo em casa, hoje, quando ele toca percebe que é alguma ligação gravada oferecendo serviço ou então uma cobrança de alguém que não existe naquele local”, declarou.
A Distribuição luta do jeito que pode. De fato, ao falar em nome da espanhola Iberdrola, Fabiano Carvalho não partiu para o ataque direto à GD. A empresa controla várias distribuidoras no Brasil. Ele lembrou que, no Brasil, a GD alcançou a capacidade de 500 MW com um ano de antecedência em relação ao planejamento da Aneel, mas que a geração distribuída conta com incentivos excessivos (da ordem de R$ 520,00 por MWh), o que estaria bem acima dos custos médios da compra de energia (de R$ 220,00 por MWh).
A pergunta de Carvalho foi clara: “Isso é regulação ou é política?”, frisando que o texto preliminar da audiência pública contém prazos e tarifas que são prejudiciais às distribuidoras e aos demais consumidores. Na sua avaliação, as perdas que hoje são percebidas pela Distribuição, em conseqüência do avanço da GD, não são produto de risco de mercado. “É uma política de incentivo a uma fonte”, salientou.
Marcelo Otte, da Associação Brasileira de PCH´s e CGH´s, um segmento que também não anda nada satisfeito com o avanço das eólicas e usinas solares, disse na AP que uma “saída rápida e de fácil compreensão” seria determinar o Custo de Disponibilidade por tipo de consumidor de baixa tensão. Ele apenas tangenciou essa questão e preferiu falar sobre outra coisa.
Na verdade, ele aproveitou a sessão presencial para fazer um merchandising em relação às CGH´s, que, segundo ele, são microempresas do setor elétrico e que, no entanto, não podem se beneficiar da regulação sobre a geração distribuída.
“Muitas CGH´s têm débitos de GSF (risco hidrológico) que as inviabilizam, pois as CGH´s compartilham o risco hidrológico com as gigantes do setor. É a menos intermitente das fontes e queremos isonomia com as demais fontes”, frisou Otte.
Guilherme Dantas, falando em nome do Gesel, um grupo de estudos de energia elétrica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi enfático ao afirmar que “a geração distribuída é inexorável”. Mas, apesar disso, a rede de Distribuição continuará tendo valor, na sua avaliação.
A própria Aneel, conforme ficou claro na apresentação sobre a AP, reconhece que a GD tem benefícios ambientais, com a redução do CO2, e também contribui para a geração de empregos, além de postergar investimentos pesados na geração tradicional. Por isso, a Aneel fez seis simulações, através das quais pretende mostrar que é possível buscar um equilíbrio entre os agentes, considerando que a GD tanto traz benefícios quanto custos para consumidores que eventualmente não optaram pela geração distribuída.
Uma proposta factível e do tipo “pé no chão” foi formulada pelo representante da associação dos comercializadores, a Abraceel, Bernardo Sicsú. Ele entende que uma boa solução para se resolver o impasse em torno da GD seria a venda de excedentes de geração distribuída para comercializadores, que, por sua vez, colocariam a energia no mercado.
“Trata-se de uma proposta benéfica para todos. Inclusive neste caso a Abraceel já está alinhada com a Abradee (a associação dos distribuidores). Não cria subsídios e permite um maior empoderamento dos consumidores. Estes continuariam cativos, mas teriam a possibilidade de vender seus excedentes no mercado livre de energia elétrica. Trata-se de um modelo que tem grande potencial, em função dos ganhos de escala. Por que não permitir ao consumidor ter essa liberdade?”, indagou Sicsú.
Entusiasmado ao falar na AP, José Wanderley Marangon afirmou que a geração distribuída é sinônimo de democratização da energia elétrica, mas que, nesse novo contexto, as distribuidoras terão um papel, que, no entanto, será diferente do atual.
Essa discussão em torno da GD ainda vai durar todo o ano de 2019. No curto prazo, a Aneel programou mais duas sessões públicas da AP visando à revisão da Resolução 482: no dia 14 de março, em São Paulo, e no dia 11 de abril, em Fortaleza.