GN surge como a redenção para a economia
Maurício Corrêa, de Brasília —
Enquanto ouvia atentamente os participantes dos vários painéis em que se discutia o novo mercado de gás natural no Brasil, nesta segunda-feira, 29 de abril, Luiz Pedro Biazoto comemorava discretamente consigo mesmo, nas últimas cadeiras do auditório do Ministério de Minas e Energia. Foram anos e anos de muita água passando sob a ponte, até que se fez uma luz em Brasília e alguém poderoso e iluminado descobriu que o gás natural pode ser uma salvação para a economia brasileira. De repente, o bendito ovo foi colocado de pé, exatamente aquilo que Biazoto vem pregando há alguns anos-luz.
O consultor Biazoto fala há muitos anos sobre a necessidade de se desenvolver um verdadeiro mercado de gás natural no País. Que isso é uma coisa boa para a economia e para os consumidores. Ele é um veterano, mas não é tão velho assim. É apenas disciplinado. E nesse evento organizado pelo MME, ele pode saborear, enfim, uma certa compensação sobre aqueles que, com desdém e ignorância, às vezes cochichavam assim: “Lá vem o chato do Biazoto de novo, com aquela história sem pé e sem cabeça de introduzir o gás natural na matriz energética”. O tempo mostrou que o chato estava com a razão.
Aquilo que durante anos foi praticamente o discurso de um homem só, agora é uma verdade absoluta na Esplanada dos Ministérios. Coube a Décio Oddone, diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), encontrar a “raison d`être” do seminário.
Preciso, objetivo e homem de poucas palavras, Oddone afirmou que houve uma mudança sensível na política oficial em relação ao gás natural porque o País amadureceu rapidamente, desde as transformações ocorridas a partir de 2016, com o fim do governo petista.
“O gás natural era inexpressivo no Brasil há 20 anos. O gasoduto Bolívia-Brasil (Gasbol) começou oficialmente em 1º de janeiro de 2000 e com esse GN pretendia-se desenvolver um mercado de gás no Brasil. Mas, em 2001, veio o racionamento de energia elétrica e as moléculas destinadas ao mercado foram reservadas para usinas térmicas a gás natural, o que gerou todas as distorções”, explicou o diretor-geral da ANP.
Na sua avaliação, agora existe um “caldo de cultura perfeito” para que se desenvolva o mercado de gás, no Brasil, com o grande volume de GN que será extraído dos campos do pré-sal.
Para Décio Oddone, o amadurecimento em relação ao aproveitamento do GN ocorreu porque, pela primeira vez, em décadas, a Petrobras se comporta como uma empresa e o MME, por sua vez, como efetivo formulador de políticas públicas para a área de energia, inclusive o gás. “A Petrobras não é o Estado brasileiro. Ela é uma empresa e como tal deve ser tratada”, frisou.
Mário Menel, na sua dupla condição de presidente-executivo da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape) e coordenador do Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase), também é um veterano entusiasta do aproveitamento do gás natural na matriz energética.
Ele participou parcialmente do evento organizado pelo MME, nesta segunda-feira, 29 de abril, pois tinha na agenda um compromisso inadiável no Rio de Janeiro no final da tarde. Mas, conversando com o site “Paranoá Energia”, argumentou que “pela primeira vez” está efetivamente esperançoso com um programa de gás natural, pois é visível que o Ministério da Economia “entrou de cabeça” na proposta de desenvolver o mercado de gás no Brasil.
“Essa dobradinha super-afinada do MME com a Economia, entre os ministros Bento Albuquerque e Paulo Guedes, é um fato histórico que precisa ser comemorado. A nossa grande dificuldade era a legislação estadual. Agora, o Governo já decidiu que os estados que harmonizarem as suas respectivas normas, para permitir o crescimento do mercado de gás natural, terão um prêmio nos acertos de suas finanças com o Tesouro Nacional”, comentou Menel.
“Agora, os estados serão fortemente motivados. Daqui para a frente, será uma negociação política. Dentro de alguns anos, a economia brasileira estará irreconhecível, em termos de eficiência e ganhos de competitividade, a partir da maior utilização do gás natural nos processos industriais”, frisou Menel.
De fato, essa questão do prêmio aos estados parece ser o coelho colocado à frente dos governadores nessa corrida em direção ao saneamento financeiro dos tesouros estaduais, com ajuda do Tesouro Nacional.
Falando em nome do ministro Paulo Guedes, da Economia, Waldery Rodrigues, secretário Especial da Fazenda, reconheceu que a energia é um gargalo no médio e longo prazo, mas que, a partir do uso intensivo do gás natural em processos industriais, o Brasil “tem potencial para se reindustrializar, buscando a competitividade do setor”.
Ele explicou como se dará, em linhas gerais, a troca de legislações estaduais mais simpáticas ao gás natural por benefícios oferecidos pelo Tesouro Nacional. “O Tesouro vai disponibilizar R$ 10 bilhões aos estados, na medida dos seus esforços fiscais. Dentre as medidas que deverão ser tomadas pelos governadores estarão algumas relacionadas com o mercado de gás natural”, disse.
Segundo informou, o desenvolvimento do mercado de gás deverá ser priorizado pelos governadores, da mesma forma que os indicadores de educação básica e a redução da mortalidade infantil. “Temos a possibilidade institucional de trazer mudanças estruturais para a economia brasileira”, revelou o secretário do Ministério da Economia.
O secretário de Planejamento e Desenvolvimento Energético do MME, Reive Barros dos Santos, explicou que o grande desafio na iniciativa que está sendo costurada pelas Pastas de Minas e Energia e Economia e outros órgãos governamentais consiste no correto alinhamento entre o potencial das diversas fontes de energia elétrica e a integração futura com o uso do GN.
Nesse processo, segundo Reive, a transparência é fundamental. “Caso contrário, ninguém vai investir”, alertou. Como lembrou o Brasil, hoje, importa, apenas em diesel, o equivalente a 39 milhões de metros cúbicos/dia. Além disso, 95% dos municípios brasileiros não são atendidos por gasodutos. O recado de Reive foi claro: a distribuição do gás natural precisa crescer na direção do litoral do Atlântico para os cafundós do Brasil. Um movimento semelhante ao que os bandeirantes fizeram.
O presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Energética (EPE), Thiago Barral, disse que, em um estudo comparado com outros produtos, a molécula de gás, no Brasil, tem preços similares aos que são praticados no Reino Unido ou na Ásia. Nos Estados Unidos, lembrou, o preço é infinitamente mais baixo.
Quando se considera o GN para a indústria (o que engloba itens como transporte, distribuição e tributação), aí Barral explicou que o Brasil perde feio, pois a rede de transporte é pequena, os tributos são elevados (24% na média brasileira, contra 7% nos Estados Unidos). Ele entende que a pergunta que se deve fazer é quanto custa o gás natural do pré-sal, comparando com o produto importado da Bolívia ou então do GNL.
Para o presidente da EPE, o GN do pré-sal tem um custo que varia entre US$ 1,60 e US$ 16,00 por milhão de BTU´s. “É preciso uma avaliação realista dessa competitividade, pois as estratégias de comercialização serão fundamentais”, complementou. Para Décio Oddone, da ANP, não resta dúvida que o que vai determinar o preço futuro de referência do GN no Brasil será o preço do GNL importado.
O seminário organizado pelo MME para discutir o futuro mercado de gás natural deixou muita gente com esperanças. O ex-secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, é outro veterano entusiasta do uso intensivo do insumo. Ele criou o projeto “Mais Gás”, numa gestão anterior na organização que hoje preside, a Abrace (Associação dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres). Depois foi para o MME e estimulou o então ministro Fernando Coelho Filho a oficializar o “Gás para Crescer”.
Hoje, ao presidir novamente a Abrace, ele coordena o Fórum para o Desenvolvimento da Indústria do Gás Natural, uma organização informal que reúne as associações empresariais interessadas no desenvolvimento desse mercado. Pedrosa conhece tudo sobre GN e, além do mais, sabe como poucos como belas ideias se perdem com facilidade na Esplanada dos Ministérios.
“Essa proposta para o gás que os ministros Bento Albuquerque e Paulo Guedes, com entusiasmo, estão tocando para a frente, é a maior oportunidade que apareceu para a economia brasileira nos últimos anos. Com o GN poderemos corrigir várias distorções da nossa economia e beneficiar os consumidores, mas é fundamental que não sejam incorporados alguns defeitos que existem aos montes no setor elétrico, como as proteções e subsídios inadequados”, alertou Pedrosa.