Oddone apóia utilização do “fracking”
Maurício Corrêa, de Brasília —
O diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), Décio Oddone, é um técnico de grande capacidade de trabalho e está realizando um trabalho bastante reconhecido à frente da ANP, mas, aparentemente, não percebeu que os tempos mudaram. E que a área de energia já não pode ter a natureza à sua disposição, como ocorria no passado. Ele ainda tem a visão absoluta dos tecnocratas, sem considerar que no Planeta Terra existem pessoas e animais.
Nesta quinta-feira, 22 de agosto, em um rápido discurso na cerimônia de lançamento do Reate 2020, no auditório do MME, em Brasília, Oddone manifestou uma paixão desenfreada pela tecnologia conhecida como fraturamento hidráulico (“fracking”), que permite a extração de gás natural em terra. Esqueceu de dizer que isso é sem dúvida tecnicamente possível, mas ao custo altíssimo de destruição das reservas de água que se encontram no subsolo, os chamados aqüíferos.
Essa tecnologia é classificada como não convencional e consiste na injeção no subsolo de grandes volumes de água junto com enorme quantidade de produtos químicos. Através de tubos, essa mistura de água e veneno chega a grandes profundidades e de fato retira gás natural, mas emporcalha o subsolo, comprometendo a saúde das pessoas e dos animais. Viver em áreas de extração através de “fracking” passa a ser uma temeridade e isso vale para homens e animais.
Ele disse que, nos Estados Unidos, o “fracking” é um sucesso e, de fato, é. Segundo o diretor-geral da ANP, há 1 milhão de poços nos Estados Unidos, dos quais 700 mil usam o fracking. “No Brasil, não temos sequer um poço e importamos GNL de lá. Mas na Bahia e no Piauí não pode. Não podemos dispensar essa riqueza. Se já foi feita 700 mil vezes nos Estados Unidos, não podemos fazer aqui de forma segura”?, indagou. Na sua versão ogro do meio ambiente, Oddone afirmou que o Brasil, ao não utilizar o “fracking”, fez uma espécie de “opção pela pobreza”.
Embora não fosse o momento de se discutir a aplicação do “fracking” no Brasil, Oddone poderia ter dito, mesmo que de forma sintética, que há enorme repulsa a essa tecnologia em todos os locais nos quais é utilizada, pois o fraturamento hidráulico simplesmente envenena as terras das fazendas. É por isso que ambientalistas e ruralistas estão unidos sob essa bandeira no Brasil, por mais estranho que possa parecer.
No estado do Paraná, por sinal, que deve ao agronegócio grande parte do seu IDH e do seu PIB, o governador Ratinho Jr simplesmente proibiu, de forma pioneira no País, que o “fracking” seja utilizado. Em outros estados, principalmente no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, bem como no Centro-0este do País, os debates já estão muito avançados, com grande envolvimento de centenas de comunidades rurais, e tudo indica que em breve também deverão copiar a legislação aplicada ao Paraná. Em todas essas áreas as igrejas estão aliadas aos sindicatos de ruralistas, em um movimento fortemente organizado em defesa da terra e contra o fraturamento hidráulico. As áreas empresariais do setor de gás natural, neste caso, estão alguns anos-luz atrasadas no trabalho de mobilização política.
O próprio ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, tem uma visão mais moderada e não é xiita quanto o diretor-geral da ANP na defesa do “fracking”. Segundo o ministro, a tecnologia faz sentido, mas ele lembrou que é uma questão de meio ambiente e que a legislação brasileira, no caso, não é federal e pertence aos estados.
Para o ministro Albuquerque, é preciso existir um debate a respeito do “fracking” e, nesse contexto, o Congresso Nacional exerce um papel importante para permitir ou não a adoção da tecnologia no Brasil.
O combate ao “fracking” é o único setor onde, curiosamente, os ambientalistas e o agronegócio estão no mesmo lado. A posição dos ambientalistas é muito fácil de ser entendida, mas a dos representantes do agronegócio é mais sutil. Afinal, eles retiram da terra a base dos seus rendimentos nos negócios, seja na produção agrícola ou na agropecuária.
Se o subsolo de uma determinada fazenda fica envenenado, neste caso o ativo perde totalmente o valor, pois tudo ficará contaminado com a utilização da água que é retirada daquele subsolo. Isso já ocorre, hoje, em larga escala em vários estados americanos nos quais o “fracking” é praticado.
Caso o governo insista em amplificar a posição de Oddone em relação ao “fracking”, estará abrindo uma nova frente de batalha contra o agronegócio, que é não apenas o maior gerador de riqueza do País, mas, também, foi fortíssimo apoiador à campanha que levou o presidente Jair Bolsonaro à vitória em 2018. Ou seja, será um novo campo de batalha política dentro do próprio governo: área de gás natural x agronegócio.