Mudanças expõem conservadorismo do MME
Maurício Corrêa, de Brasília —
Quem acompanha o setor elétrico brasileiro há mais tempo sabe perfeitamente que, no passado recente, os adversários de qualquer iniciativa que objetivasse a modernização estavam solidamente entrincheirados no próprio Ministério de Minas e Energia e nos seus satélites, principalmente ONS e Aneel.
É verdade que as circunstâncias mudaram muito desde o fim da gestão petista. No Governo Temer, houve um forte vento a favor de mudanças estruturais profundas no SEB, muitas das quais acabaram esbarrando na falta de apoio no ambiente legislativo. Mas ficou uma semente.
Paradoxalmente, alguns que historicamente trabalharam contra a modernização do SEB continuam no mesmo lugar, hoje teoricamente trabalhando a favor. A burocracia sabe se adaptar às novas realidades.
Ninguém pode dizer, hoje, que o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, não esteja trabalhando fortemente para contribuir com ideias e iniciativas visando à modernização das áreas de petróleo e gás natural. Ele assimilou muito bem o que já estava sinalizado no final do Governo Temer e simplesmente meteu o pé no acelerador. Aliado ao Ministério da Economia, transformou o MME numa das melhores coisas da gestão do presidente Bolsonaro.
Em consequência, o Brasil está avançando rapidamente, em poucos meses, numa área que durante anos ficou paralisada devido ao peso dos interesses da Petrobras. Os admiradores da estatal, no MME, trabalhavam sempre a favor do monopólio e contra qualquer coisa que cheirasse à iniciativa privada.
Entretanto, não se pode dizer as mudanças em relação ao setor elétrico estão avançando rapidamente. Esta é uma área em que o ministro claramente limitou-se a acatar a visão burocrática e sem criatividade da sua assessoria — as mesmas pessoas que em gestões anteriores trabalhavam a favor do poder estatal.
Bento Albuquerque poderia simplesmente ter tomado a CP 33 como ponto de partida, em que todas as teses para o o setor elétrico já tinham sido mastigadas à exaustão e preferiu a opção mais conservadora de fazer uma nova CP 33, com outro nome. Corre o risco de atrasar o SEB em mais de um ano.
Essa visão do MME como ponto de resistência às mudanças no SEB ficou mais do que evidente, nesta terça-feira, 03 de setembro, para as poucas pessoas que tiveram a oportunidade de assistir a uma sessão da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, quando se discutiu os desafios que existem para o segmento da distribuição de energia elétrica.
A visão apresentada pelo MME na comissão foi chocante. Burocrática, sem criatividade, limitou-se a expor situações que há anos são sabidas por qualquer estagiário do SEB. Parecia o MME da época do então secretário-executivo Márcio Zimmermann, que durante anos simbolizou o atraso.
Em compensação, a apresentação feita pelo Ministério da Economia foi um nada surpreendente contraponto, pois também se sabe, há vários anos, que a Economia sedia um núcleo bastante progressista em relação às questões elétricas.
O representante da Economia situou o segmento da distribuição em um contexto mundial de mudanças em relação ao setor elétrico, elencando seis “D”: a demanda de energia vai continuar crescendo (e no Brasil ainda vai continuar crescendo durante algumas décadas); há um desvio claro no papel da energia elétrica, que está substituindo combustíveis fósseis muito rapidamente em diversas situações, inclusive veículos e aviões; a descarbonização se faz em alta velocidade, através de maciços investimentos em energia solar, eólica e projetos de armazenamento, áreas que a cada dia se tornam mais competitivas. Os outros três “D” consistem em descentralização dos recursos, digitalização das redes e design cada vez mais focado em eficiência energética.
A apresentação de Leandro Caixeta (um técnico altamente qualificado da Aneel, atualmente “emprestado” à assessoria do ministro Paulo Guedes) evidenciou que o motor da modernização do SEB hoje parece estar mais localizado no Ministério da Economia e não no Ministério de Minas e Energia, o qual está ficando claramente para trás.
Com total clareza, Caixeta mostrou que um modelo que era basicamente unidimensional está se transformando velozmente em um modelo digital, no qual as decisões são tomadas sem a interferência humana. E que esse modelo em gestação clama por liberdade. Na sua visão, o desafio que se impõe é tentar casar os movimentos de liberdade do consumidor com a expansão e a operação do sistema.
Ele tocou num ponto que é bastante caro ao MME ao dizer que “é preciso mudar o paradigma da expansão, até agora baseado na contratação das distribuidoras”, afirmou o assessor do Ministério da Economia. Aproveitou o embalo e demoliu outra tese que durante anos e anos deu as cartas no MME: “Vamos ter que enfrentar uma agenda de redução dos subsídios. A CDE hoje custa R$ 20 bilhões por ano”, lembrou.
Durante décadas, o MME tem sido o ponto de apoio de todas as forças que preferem a ineficiência à eficiência e que também adoram a irrealidade das coisas, de preferência se existir um dinheirinho do orçamento federal por trás de tudo isso. Eficiência nunca foi o forte do MME.
No seu entendimento, qualquer tentativa de implementar um novo modelo para o SEB precisa passar por um processo de assepsia, que consiste em “limpar” essas situações que bloqueiam a modernização e impõem uma espécie de ficção às tarifas do setor elétrico.
“Precisamos parar de alocar cotas ao consumidor regulado e tratar os geradores como produtores independentes”, afirmou Leandro Caixeta, em contraponto à apresentação comedida e que nada dizia do representante da burocracia do MME.
E, nas suas conclusões, Caixeta não poderia ter sido mais claro: haverá cada vez mais pressão pela ampliação do mercado livre, as decisões se tornarão mais descentralizadas e o novo papel da distribuição passa simultaneamente por iniciativas que ofereçam segurança jurídica e regulatória, mas, também, que evitem soluções que impeçam a abertura do mercado de energia elétrica.
No restante da sessão, prevaleceu o óbvio. O presidente executivo da associação dos distribuidores de energia elétrica, Marco Madureira, se esforçou em defender as suas empresas, frisando que o avanço do mercado livre é importante, mas que é preciso cuidado e ponderação pois uma parcela considerável dos consumidores não vai migrar para o ambiente livre e isso pode se transformar em um risco de inviabilidade no processo de abertura.
Madureira aparentemente já se rendeu ao novo papel reservado à distribuição, que será somente de disponibilizar os fios através dos quais a energia elétrica chega aos consumidores. Ele também não vê problema em conviver com o avanço da geração distribuída — que rouba clientes e lucratividade das distribuidoras — mas considera justo que ao consumidor regulador não seja atribuída a responsabilidade de sustentar, com altíssimos subsídios, a expansão das energias alternativas.
Reginaldo Medeiros, que preside a associação dos comercializadores, a Abraceel, também não falou nada de novo e bateu na tecla em que vem insistindo há vários anos. “O mercado livre é solução, não problema”, pois contribui para reduzir o preço da energia. “A pressão competitiva reduz os preços da energia”, acrescentou. Na sua visão, a questão central consiste em como fazer a transição para o novo modelo, pois já existe razoável consenso quanto à fixação de um cronograma para que os consumidores deixem de ser cativos e possam livremente escolher o supridor da energia elétrica, como ocorre há vários anos em outros países.