Madureira, da Abradee: hora de defender Aneel
Maurício Corrêa, de Brasília —
Diplomático, medindo cada palavra -pois conhece bem todas as forças políticas que estão em torno da questão – o presidente da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Aurélio Madureira da Silva, é categórico. Na sua visão, o setor elétrico como um todo precisa esquecer por um instante as eventuais divergências entre os diversos segmentos e sair abertamente na defesa da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), cuja independência está sendo questionada por atores do mundo político.
O presidente da Abradee não cita nome de ninguém, pois, no seu entendimento, isso é o menos relevante. “O fundamental é que a Aneel não pode ser constrangida a tomar as suas decisões. Hoje, a agência já construiu um protocolo de decisões que a diferenciam mesmo em nível mundial. Temos uma excelente agência reguladora na área de energia elétrica. É uma agência sem problemas? Não. Estamos satisfeitos, na Abradee, com todas as suas decisões? Também não. Mas antes de tudo é preciso que ela seja respeitada. O funcionamento da Aneel em alto nível é absolutamente indispensável para que os agentes econômicos se sintam tranquilos em relação aos seus investimentos. Todos precisam ter a garantia de que a Aneel, quando toma uma decisão, ela o faz unicamente em função de questões técnicas que envolvem os contratos do setor elétrico e não em consequência de pressões políticas”.
A Abradee é apenas uma associação integrante do Fase, mas, na sua avaliação, o colegiado das associações pode contribuir bastante e sair em defesa da Aneel. No final do ano passado, o Fase emitiu um comunicado nesse sentido, mas, na sua visão, é preciso agora reforçar esse posicionamento diante de questões complexas como os subsídios na área de energia elétrica.
“É preciso manter o respeito às instituições setoriais. No caso, a Aneel não pertence a determinado segmento. Ela representa o Estado brasileiro. Nesse contexto, traz o necessário equilíbrio institucional para o setor. Não se pode destruir a confiança que a Aneel desfruta desde que foi criada, pois os agentes sabem que, mesmo que alguma demanda não seja atendida setorialmente, o trabalho da Aneel é sério e temos que lutar pela sua preservação”, acrescentou ao site “Paranoá Energia”.
Com 45 anos de profissão na área de energia elétrica, o engenheiro Marcos Madureira lembrou que o Setor Elétrico Brasileiro – SEB é bastante organizado e dos mais estruturados no País. “O SEB precisa de ordem, devido à sua complexidade. É muito bem planejado, sempre observando diferentes cenários. Não é sem motivo que, hoje, temos 99,8% de confiabilidade no fornecimento de energia elétrica e o mesmo percentual elevadíssimo de universalização. Nenhum serviço público, no Brasil, alcançou até hoje os níveis de universalização do setor elétrico”, acrescentou.
Ele compreende que alguns usuários eventualmente descarregam o descontentamento em relação à conta de luz sobre as concessionárias de distribuição. “Não é bom que aconteça, mas vejo com naturalidade. Tudo, porém, precisa ser visto com equilíbrio emocional. Afinal, o consumidor se relaciona com o setor elétrico através da conta de luz. Então, ocorre que muitos consumidores identificam eventuais dificuldades como sendo de autoria de uma distribuidora. Mas a realidade não é assim. Nós, as distribuidoras, é que entregamos as contas de luz. Um usuário, quando recebe a conta e não gosta do valor que vai pagar, acha que é manipulação da concessionária. Entretanto, o mundo funciona de modo diferente, pois, por exemplo, em média apenas cerca de 18% do valor da conta vai para a Distribuidora o restante são impostos, encargos, transporte e compra de energia. Os consumidores e os formuladores de políticas públicas precisam ter essa consciência”.
Para o presidente da Abradee, outra situação que precisa ser melhor compreendida é o funcionamento do Sistema Interligado Nacional (SIN). Recentemente, o deputado de um estado que produz mais energia do que consome reclamou dessa situação, na Aneel, pois, na sua visão, as contas de luz não refletiam o enorme saldo positivo que aquele estado gera em relação à energia elétrica.
“Um dos grandes trunfos do Brasil é o Sistema Interligado. Poucos países no mundo operam um Sistema Interligado do tamanho do Brasil. Modestamente, os brasileiros fazem isso com extraordinária competência, o que é motivo de admiração no resto do planeta. A região Norte do País, por exemplo, está se integrando agora ao SIN. Não tem carga elevada, então é exportadora de energia. Mas é preciso lembrar que, quando ainda não estava integrada ao SIN, os consumidores de todo o País pagavam (e pagam ainda numa faixa menor do Norte) um subsídio chamado Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), para que o preço da energia elétrica no Norte ficasse mais compatível com o restante do País.”
O executivo também entende que os subsídios no setor elétrico brasileiro precisam ficar melhor esclarecidos e reduzidos. Neste ano, a CDE, que responde por subsídios setoriais, vai superar o valor de R$ 20 bilhões, o que é muito dinheiro. No entendimento de Madureira, o consumidor precisa saber exatamente quem está pagando, o quanto e para qual finalidade. E quem está se beneficiando de quanto.
“Volto a uma questão anterior. O subsídio estoura em cima da gente, a distribuição, porque nós entregamos a fatura de energia elétrica ao consumidor final. Mas o subsídio está ali dentro daquele valor. É lógico que existem subsídios que são socialmente justos. Baixa renda, por exemplo. No mundo inteiro existem segmentos da população que não dispõem de condições de pagar a conta de luz. Então, é justo que exista um subsídio para aqueles que não podem suportar esse custo. Precisamos ter essa responsabilidade e sensibilidade social”, explicou.
E frisou: “Contudo, existem outros casos, como está ocorrendo agora com a geração distribuída no Brasil, em que o subsídio não se justifica mais. Foi importante lá atrás, quando começou a se implantar a energia solar. O que buscamos é o pagamento pelo uso da rede de distribuição, da infraestrutura. As empresas investiram nessas redes. É justo que sejam remuneradas pelo uso. Um segmento que já se desenvolveu, que é rentável, não precisa mais de subsídio”.
Para Marcos Madureira, é lógico que a geração distribuída oriunda da energia solar é muito importante. “Qualquer pessoa que busca conhecer o assunto sabe disso. Entretanto, precisamos perguntar o que vem depois? O que vem é o desenvolvimento de tecnologias de armazenamento de energia, por exemplo. Mas será que alguém que é altamente subsidiado terá interesse em desenvolver tecnologias para armazenar energia? Lógico que não. E isso nos coloca atrasados quanto ao armazenamento. Outros países estão alguns anos-luz na frente do Brasil e nós ainda estamos comendo poeira dessa gente”.
“O subsídio, no final, é ruim para quem paga e para quem é beneficiado. Nós, da distribuição, entendemos que o futuro da distribuição será só o fio, o uso de redes inteligentes, etc, como já ocorre em outros países. Esse é o nosso futuro. Estamos de olho no futuro e não no passado. E subsídio é uma coisa do passado. Algo que está relacionado com o Brasil atrasado, de algumas décadas atrás. Está na hora de algumas pessoas se atualizarem e verem que o Brasil se modernizou. É verdade que temos realidades e mercados distintos na área de energia elétrica, mas é preciso olhar para o futuro, não para práticas do passado, que já não significam grande coisa a não ser a manutenção de privilégios”, disse.