Impacto na distribuição pode ser de R$ 24 bi
Maurício Corrêa, de Brasília —
As dificuldades efetivas do setor elétrico, que até agora ainda estavam muito no campo do achismo, começaram a clarear, com o surgimento do primeiro número daquele que poderá vir a ser o rombo no mercado regulado face à crise atual provocada pelo Covid-19. O impacto financeiro nas concessionárias de distribuição poderá atingir R$ 24,3 bilhões, conforme cálculo feito pela associação dos produtores independentes de energia, a Apine.
Desse total, R$ 21 bilhões seriam de inadimplência durante o período de três meses e R$ 3,3 bilhões resultantes da diminuição do consumo de energia elétrica, segundo apurou este site. Uma fonte do mercado confidenciou que, junto com o Governo, trabalha-se na direção de algumas iniciativas, entre as quais se incluem uma nova Conta ACR, cuja gestão ficaria novamente a cargo da CCEE, e até mesmo aportes do Governo através do BNDES.
O presidente da associação dos distribuidores, a Abradee, Marcos Madureira, confirma a realização de estudos nesse sentido, mas evita falar em números. “Existem análises que estão sendo feitas pela equipe técnica do MME, mas o fato é que ninguém sabe quanto tempo vai durar a presente situação. Além do mais, é preciso considerar que, hoje, é completamente diferente do passado. Temos uma redução brutal de demanda, que afeta não apenas os distribuidores, mas toda a cadeia produtiva do setor”, explicou Madureira.
Na sua visão, a solução que eventualmente venha a ser adotada não pode ser somente através do consumidor. “Não tem ninguém que esteja imune ao processo. Por isso, na minha visão é preciso adotar uma solução abrangente, pegando todo mundo. A nossa preocupação é buscar um equilíbrio do setor”, salientou.
Ele participou, neste sábado, da videoconferência com o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, quando todas as associações manifestaram as suas visões quanto aos problemas atuais do setor elétrico. “Foi uma boa oportunidade para que todos nós pudéssemos nivelar as informações. Estamos no mesmo barco”, disse.
Com vasta experiência no SEB, Madureira não acredita que vão se repetir, agora, as dificuldades dos anos 90, quando ninguém pagava ninguém e o setor mergulhou numa judicialização desenfreada, que praticamente implodiu tudo. Foram necessários vários anos e alguns bilhões de reais para resolver todos os entraves surgidos nesse período. “O que estamos vivendo agora não tem similar com o passado. É possível encontrar uma saída que seja razoável para todos os segmentos”, disse Marcos Madureira.
A preocupação é generalizada. Tanto que, conforme apurou este site, várias associações decidiram contratar a empresa de consultoria PSR para preparar um trabalho de consenso sobre os impactos do Corona Vírus no mercado regulado. A contratação foi aprovada pela Abragel, Apine, Abrace, Abiape e Abraceel. Curiosamente, a Abradee não aderiu, sob o argumento que precisa de mais tempo para refletir sobre essa contratação.
Paulo Pedrosa, da Abrace, que também participou da videoconferência, não acredita em judicialização extrema. “Na Abrace, nós não defendemos a derrubada geral dos contratos, até porque entendemos que embora os impactos sejam pesados, a crise deve ter um fôlego curto. Na sua visão, a iniciativa do ministro de Minas e Energia foi muito positiva. “Cada associação manifestou a sua preocupação diretamente ao ministro e seus principais auxiliares. Eles sabem o que o SEB está pensando sobre tudo isto”.
Mário Menel, da Abiape, conjuga o mesmo verbo. “Ao final, o ministro deixou claro que a solução precisa ser para todos. Além disso, o ministro lembrou uma coisa muito importante, que é tentar ver o amanhã, o Day After, pois a crise vai passar em algum momento e não podemos deixar o SEB se desorganizar”, comentou. Ele também não está preocupado com excesso de judicialização, embora alguns contratos já estejam sendo rompidos.
Em off, outros dirigentes não foram tão benevolentes com o Governo. Um reclamou que “é um verdadeiro absurdo até hoje não ter sido encontrada uma solução definitiva para o GSF. Esse negócio está se arrastando há anos e ninguém consegue uma solução. Fazer uma videoconferência com o ministro é muito bom, mas seria muito melhor se o problema do GSF já tivesse sido resolvido”.
Um outro dirigente de associação foi mais além e esticou a crítica para o próprio SEB. “É impressionante. O Brasil entrou numa crise ferrada e todo mundo vai perder muito dinheiro. Os investidores estão subindo pelas paredes. E o que se vê nesta videoconferência é o SEB inteirinho na expectativa que a sociedade brasileira vai pagar os custos de tudo isso. Até parece que essa turma das associações não tem visto televisão”.
“Tem muita gente no mundo da lua. O País está pegando fogo e o déficit fiscal está passando de R$ 130 bilhões para R$ 700 bilhões. Estamos sacando no cheque especial. É uma conta que precisará ser paga lá na frente. E aparece nesta reunião o representante da associação das nucleares, dizendo que precisamos concluir Angra 3. É uma brincadeira”, ironizou outro participante, que preferiu omitir o nome nesta matéria.
A mesma fonte está descrente do que viu e ouviu neste sábado, na videoconferência. “A reunião foi interessante, até porque o ministro esteve recentemente isolado devido ao Covid-19. Todos ficamos realmente muitos felizes com a sua recuperação. Mas confesso que não sei se o MME, principalmente auxiliares do ministro, têm a capacidade de perceber que o setor elétrico quer preservar tudo e que busca uma solução em que tudo vai virar custo para a sociedade, que vai acabar pagando lá no final. Desconfio que de novo vão jogar tudo para os pobres coitados dos consumidores brasileiros”.