NT da Aneel mostra impactos do Covid-19
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Aneel fez a primeira avaliação parcial sobre os efeitos da pandemia do coronavírus Covid-19 no setor elétrico brasileiro. Em um trabalho denso, traduzido em uma nota técnica de 31 páginas divulgada nesta quinta-feira, 16 de abril, a agência avaliou em profundidade a situação vivida pelo SEB a partir do contexto econômico imposto pelas condições sanitárias necessárias para a contenção do vírus. O documento contém algumas propostas, todas ainda em caráter preliminar, que serão analisadas inclusive internamente pelo pessoal da própria agência.
No setor elétrico os principais impactos estão relacionados com a perda de liquidez dos fluxos de pagamento, resultante da redução do consumo de energia elétrica, do aumento do nível de inadimplência no pagamento das faturas e da evolução dos indicadores de perdas técnicas e não técnicas.
Nesse contexto, segundo a Aneel, seriam justificáveis medidas de curto prazo que possam garantir a liquidez do setor elétrico, mitigando o risco de inadimplência dos fluxos de pagamentos regulados e preservando a continuidade do serviço público de distribuição de energia elétrica aos consumidores. Além disso, as medidas precisam privilegiar a modicidade das tarifas no médio e longo prazo.
A agência reguladora elencou um conjunto de medidas passíveis de implementação, tendo por base a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro das concessões, a preservação dos contratos, a participação dos diversos segmentos do setor (geração, transmissão, distribuição e consumo) na busca de soluções, a modicidade e a estabilidade das tarifas no médio e longo prazo.
A NT mostra que a agência reguladora ainda se move um pouco no escuro, pois ninguém sabe dizer por enquanto onde tudo isso acabará. É natural essa percepção por parte da agência, pois as empresas têm as mesmas dúvidas. Ainda assim, a NT revela que a agência está muito preocupada com os efeitos do Covid-19 no SEB. A NT evidencia os esforços da Aneel no sentido de não se deixar desorganizar um setor que é fundamental para a infraestrutura, já pensando obviamente no “Day after”, pois em algum momento o Covid-19 terá um efeito apenas residual e será necessário relançar a economia. O SEB precisará estar pronto para responder a esse desafio.
A proposta contida na NT leva em consideração “evidências, estabilidade regulatória, esforço conjunto, diálogo, transparência e celeridade nas soluções”.
“A pandemia de Covid-19 impôs severas políticas sanitárias para contenção do vírus, dentre elas a de isolamento social, com consequente redução de toda atividade econômica. No Setor Elétrico Brasileiro, a pandemia tem causado a apreensão de agentes, governo e consumidores com os possíveis impactos econômico-financeiros, exigindo ações que garantam a solvência do setor”, assinalou a NT.
A agência comparou a crise de agora com a ocorrida em 2014. Há seis anos, a Aneel entendeu que a crise se originou no próprio SEB, de forma limitada, ao passo que agora o que se verifica é uma crise muito mais ampla, de nível global e conseqüências ainda incalculáveis. e absolutamente imprevisíveis.
“Com a redução do mercado decorrente das medidas de combate à pandemia, numa primeira análise as distribuidoras ficaram sobrecontratadas. Consequentemente, as distribuidoras têm que pagar pelos contratos que possuem, mas apenas parte da carga prevista será faturada. A diferença entre os montantes a serem pagos nos contratos e o valor arrecadado via faturamento de energia gera um problema de fluxo de caixa nas distribuidoras”, reconhece a Aneel.
“Em 2020, o problema maior está no faturamento bilateral das distribuidoras. Com uma retração do mercado e uma maior inadimplência esperada na arrecadação das distribuidoras, faltará arrecadação para honrar todos os pagamentos com compra de energia, transmissão de energia e encargos setoriais. Nas liquidações do mercado de curto prazo, os problemas serão menores, dado o reduzido despacho termelétrico, a liquidação de sobras contratuais (e não exposições por falta de contrato) e o risco hidrológico que, embora seja elevado em termos de quantidade, será liquidado a preços menores”, destaca a NT.
Na percepção da Aneel, o que se consegue visualizar até agora em relação ao Covid-19 são os efeitos financeiros da crise. No primeiro instante, a solução pode se concentrar em prover liquidez ao sistema para mitigar o risco de insolvência com inadimplência generalizada dos fluxos de pagamentos regulados do setor elétrico. Os impactos econômicos precisam ser quantificados, oportunizando discutir eventuais medidas de recomposição.
A agência esclareceu que está desenvolvendo um simulador para quantificar as coberturas tarifárias, a situação da arrecadação das distribuidoras (já considerando o comportamento do mercado, inadimplência e perdas), bem como os fluxos de pagamento que cada distribuidora deve arcar. Os dados levantados pela Aneel permitirão valorar os efeitos da crise e, a partir desse momento, será possível elencar com maior profundidade um rol de medidas para enfrentar a crise de liquidez.
Foi lembrado na nota técnica que as distribuidoras concentram a maior parte da arrecadação do setor elétrico, com uma receita anual da ordem de R$ 250 bilhões, incluídos os tributos, na qual apenas 20% refere-se aos custos diretamente associados à prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica.
“Tendo em vista que um dos efeitos da pandemia no setor elétrico é a possível redução de demanda no segmento de consumo (distribuidoras e consumidores livres), as ações no segmento de transmissão devem incentivar que os usuários do sistema de transmissão continuem honrando seus contratos e cumprindo suas obrigações quanto aos pagamentos dos Encargos de Uso do Sistema de Transmissão”, alertou a agência. O documento foi assinado por seis assessores de alto nível da diretoria, sendo respaldado institucionalmente e divulgado no próprio site da agência.