Morre Mário Cilento, pioneiro do mercado livre
Maurício Corrêa, de Brasília —
O setor de energia elétrica do Brasil ficou mais pobre neste sábado, 1º de agosto, com o falecimento de Mário Cilento. Ele foi uma figura emblemática na história do mercado livre, pois foi o empresário que acreditou no potencial do ML e, como diretor da empresa paulista Carbocloro, localizada em Cubatão (SP), assinou, em 1999, o primeiro contrato de energia livre, numa operação que envolveu a Copel, como supridora, e a Tradener, como comercializadora, deixando de ser cliente cativo da Bandeirante.
“É uma grande perda para todos nós. O Mário Cilento era um empresário que enxergava longe, tinha visão estratégica. E quando se convenceu das vantagens do mercado livre no processo industrial da Carbocloro, não pensou muito tempo”, explicou Walfrido Avila, que foi a sua contraparte, como pioneiro, na Tradener, da qual é presidente.
Conforme esclareceu, o primeiro contrato de energia elétrica no mercado livre do Brasil “foi um verdadeiro parto. Tanto que eu e o Cilento fechamos o negócio em 1998, mas o contrato só foi assinado quase oito meses depois, em 1999. Simplesmente, ninguém sabia como fazer isso. Foram inúmeras viagens entre Curitiba, São Paulo, Cubatão, Rio de Janeiro e Brasília, em conversas intermináveis, nas quais as pessoas não tinham ideia o que era o mercado livre e como seria possível um consumidor adquirir energia de uma empresa que não fosse a sua distribuidora local. Nem o MME, nem MAE (nome anterior da CCEE), nem a Aneel e nem o ONS. Todos nós aprendemos juntos e dessa forma, pedagogicamente, edificamos o mercado livre. O papel de Cilento, nesse processo, foi fundamental”, afirmou Avila.
Ele lembrou que essas dificuldades dão uma ideia do atraso do País nessa área, pois “ainda tem muita gente, em cargos de decisão, que infelizmente não sabe o que é o mercado livre. É por isso que estamos patinando e não saímos do lugar”. De certa forma, é incrível que a morte de Mário Cilento tenha ocorrido 21 anos depois da assinatura do contrato pioneiro, sem que ele tivesse tido a satisfação de ver a energia livre à disposição de todos os consumidores de energia elétrica do País, como se pensava naquela época.
Embora, hoje, o mercado livre seja o equivalente a 32 por cento do mercado total, o fato é que o que se viu, desde 1999, é um jogo de empurra da burocracia estatal e dos órgãos vinculados ao MME (CCEE, ONS e Aneel), sem contar a classe política, cada um jogando à sua maneira contra a ideia da liberdade do mercado. Desde 1999, o que se vê basicamente é um nhem-nhem-nhem que não se justifica, a não ser manter o poder de decisão da burocracia técnica, que está mais interessada em manter o seu status do que tornar a economia mais eficiente.
A decisão de Mário Cilento abriu o caminho. Logo depois da Carbocloro, a Volkswagen foi atrás e assinou o seu contrato, passando a comprar, também da Copel, a energia elétrica que abasteceria a sua planta de Taubaté.
Nestas duas décadas, o ML praticamente não saiu do lugar e teve fortes adversários. Talvez o mais perigoso deles tenha sido o governo do PT, que não aceitava a ideia de mercado e glorificava o papel do Estado. Só que, por ironia, quando o PT assumiu muitas empresas de grande porte, no Brasil, inclusive muitas multinacionais, já tinham aderido ao mercado livre. Então, o governo ficaria em má situação se decretasse o fim do ML. Por isso, Lula e Dilma nunca engoliram o ML, mas a contragosto aceitaram a sua existência, desde que não pudesse crescer. E assim ficou durante anos. Só agora se ensaia uma maior abertura, mas Cilento não viveu o suficiente para ver o mercado totalmente livre, no qual ele acreditava.