Eletrobras alerta MME sobre governança
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Eletrobras não ficou indiferente à declaração feita pelo presidente Jair Bolsonaro, o qual prometeu “meter o dedo” na área de energia elétrica, sem explicar o que era isso, mas sugerindo uma interferência nos moldes do que ocorreu com a Petrobras. A declaração do presidente provocou uma queda no valor dos papeis da Eletrobras na bolsa de valores.
Em uma atitude rara nesse nível do Governo, a diretora financeira e de Relações com Investidores da holding federal do setor elétrico, Elvira Baracuhy Cavalcanti Presta, enviou carta ao Ministério de Minas e Energia, indagando a veracidade das notícias e se existem outras informações que possam caracterizar Fato Relevante, que ainda não tenham sido divulgadas pela Companhia, pelos canais adequados.
Trata-se de uma atitude preventiva por parte da diretora da Eletrobras, pois a declaração do presidente da República contrariou totalmente as normas de governança da estatal. Eventualmente, seus diretores podem responder na pessoa física, ou seja, comprometendo os próprios patrimônios pessoais, caso a declaração inoportuna de Bolsonaro possa desaguar em alguma denúncia na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) por desrespeito à governança da companhia.
O site da Eletrobras traz uma referência à carta assinada pela diretora, na publicação de um fato relevante distribuído ao mercado. “A Eletrobras informa aos seus acionistas e ao mercado em geral que, em razão das notícias divulgadas pela imprensa acerca da possível edição de Medida Provisória para acelerar o processo de privatização da Companhia, enviou, nesta data, correspondência ao acionista controlador, por intermédio do Ministério de Minas e Energia, ministério ao qual está vinculada, indagando a veracidade das notícias e se existem outras informações que possam caracterizar Fato Relevante, que ainda não tenham sido divulgadas pela Companhia, pelos canais adequados”.
Este site teve acesso à correspondência que a diretora Elvira Cavalcanti Presta enviou à secretária-executiva do MME, Marisete Dadald Pereira. A diretora lembrou que a Eletrobras é uma companhia de capital aberto, com ações listadas na B3 e nas Bolsas de Valores de Nova York e Madri”.
“Assim, tanto a companhia quanto suas subsidiárias necessitam observar determinadas obrigações legais no que diz respeito à divulgação de informações que possam ser consideradas relevantes. Esclarecemos que a Instrução 358/2002 da Comissão de Valores Mobiliários — CVM, e suas alterações, bem como a Política de Divulgação e Uso de Informações Relevantes das Empresas Eletrobras, estabelecem o dever de sigilo relativo a ato ou fato relevante aos quais determinadas pessoas tenham acesso privilegiado em razão do cargo ou posição que ocupam, até sua divulgação ao mercado”, diz a carta.
A diretora financeira da estatal lembrou que “tais documentos estabelecem, adicionalmente, a obrigação de todas as Empresas Eletrobras de zelar para que seus administradores, subordinados e terceiros de sua confiança também observem esse dever de sigilo, respondendo solidariamente com estes na hipótese de descumprimento. Configura-se informação relevante qualquer fato ou ato de caráter políticoa-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos negócios da companhia, e ainda não divulgado ao público investidor, que possa influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da Eletrobras, ou que a eles se referenciem, na decisão dos investidores de comprar, vender e manter valores mobiliários de emissão da companhia, ou na decisão dos investidores de exercerem quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia”.
Foi lembrado ao MME que o eventual descumprimento das regras aplicáveis à divulgação de informações relevantes constitui violação à Instrução CVM 358/2002 e configura infração grave, nos termos do art. 11 da Lei 6.385/1976, violando também regras da legislação norte-americana às quais a Eletrobras está submetida”.
Petrobras também interpelou o MME
Este site apurou que, embora de outra forma (por telefone, não por escrito) a Petrobras também questionou o MME a respeito das declarações feitas pelo presidente da República, que provocaram uma expressiva queda no valor de mercado da petroleira estatal.
No dia 19 de fevereiro de 2021, diante das oscilações verificadas nas cotações das ações da Petrobras, e do “entendimento generalizado de analistas de mercado e da imprensa de que tais oscilações se relacionavam com
declarações do Exmo Sr. Presidente da República, amplamente divulgadas na mídia sobre possíveis mudanças na Petrobras, a Companhia, em atendimento ao disposto no art. 6º da Instrução CVM nº 358, realizou contato telefônico com o Ministério das Minas e Energia, a fim de perguntar se a União, na qualidade de controladora da Petrobras, teria conhecimento de alguma informação que pudesse constituir Fato Relevante nos termos daquela mesma Instrução, não tendo obtido qualquer confirmação”, esclareceu um comunicado ao mercado feito pela Petrobras.
A resposta do MME veio no início da noite da sexta-feira, mas sem fazer referência à declaração do presidente Jair Bolsonaro que claramente passava por cima da governança da estatal. Segundo a empresa, às 19h06min do dia 19 de fevereiro de 2021, a Petrobras recebeu ofício do Ministério das Minas e Energia, solicitando “providências para a substituição e eleição de membro do Conselho de Administração e Diretor Presidente”.