CVM confirma processo para Petrobras
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) confirmou nesta sexta-feira, 05 de março, que abriu um processo administrativo para investigar o suposto uso de informação privilegiada (insider trading, no jargão do mercado) na negociação de papéis da Petrobras. A suspeita de que alguém pode ter lucrado R$ 18 milhões com o vazamento de informações sobre o que ocorreria na estatal vieram à tona no início da semana e mexeram com os ânimos do mercado.
A apuração do caso será conduzida pela Superintendência de Relações com o Mercado e Intermediários (SMI) do órgão regulador do mercado de capitais. A autarquia não dá detalhes da investigação e reafirma que não comenta casos específicos.
Tudo indica que o foco da análise da área técnica será a transação com opções de venda de ações da estatal no fim da tarde da quinta-feira, 18 de fevereiro, logo após a reunião entre o presidente da República Jair Bolsonaro e um time de seis ministros no Palácio do Planalto para tratar de preços dos combustíveis. O encontro ocorreu às 16h45, antes da live em que o presidente disse que “alguma coisa” aconteceria na petrolífera nos próximos dias.
Duas ordens de compra foram executadas logo em seguida: uma de 2,6 milhões de opções, às 17h35, e outra às 17h44, de 1,4 milhão de papéis, ambas com preço de R$ 0,04. A movimentação revelada pelo jornal O Globo e confirmada pelo Estadão/Broadcast a partir de dados da B3, a Bolsa de Valores de São Paulo, indica que um investidor ganhou R$ 18 milhões com as opções, negociadas em volume que só faria sentido se ele realmente acreditasse que as ações iriam cair ao menos 8% no pregão seguinte.
Na operação de opção, o investidor adquire o direito de comprar ou vender um ativo em uma data futura, a um preço fixo, para se proteger do movimento contrário do papel ou especular. Crime no Brasil desde 2001, o insider trading é o uso de uma informação relevante ainda desconhecida do mercado na negociação de papéis, com o objetivo de obter lucro ou evitar uma perda.
A investigação de outras operações pela autarquia não está descartada. Para supervisionar casos de insider, a CVM conta com a ajuda da BSM, braço de supervisão da B3 que monitora e coleta informações relativas a transações suspeitas e com as corretoras Juntas, elas seguem o fluxo da informação no mercado e das operações realizadas. Também são utilizados programas de computadores especializados em identificar transações atípicas no mercado.
Com a confirmação da abertura do procedimento, já há oficialmente quatro processos administrativos abertos pela CVM, desde o último dia 20 de fevereiro, dia seguinte ao anúncio por Bolsonaro de que o governo indicaria o general Joaquim Silva e Luna para assumir os cargos de conselheiro de administração e presidente da companhia, em substituição a Roberto Castello Branco. Os papéis da Petrobras desabaram após as declarações e a companhia perdeu bilhões em valor de mercado.
Diante disso, acionistas minoritários da empresa também se mobilizam para enviar reclamações à CVM, caso da Associação dos Investidores Minoritários da Petrobras (Aidmin). “Alguém tinha informação privilegiada de que o presidente Jair Bolsonaro iria passar aquela informação de forma desastrada e que resultaria consequentemente em queda das ações. Alguém ganhou dinheiro com isso, pouca gente, e a CVM tem obrigação de apurar quem são esses comitentes”, disse o vice-presidente da associação, Aurélio Valporto esta semana.
A abertura de um processo administrativo é o primeiro passo para a apuração de potenciais irregularidades por participantes do mercado de capitais. Se a área técnica reunir elementos suficientes pode formalizar uma acusação em um processo administrativo sancionador, isso pode levar ao julgamento e punição dos envolvidos com multa e até inabilitação. Há ainda a hipótese de a apuração se tornar um inquérito, para que seja aprofundada antes de se chegar a uma acusação.
O que fazer com as ações da Petrobras?
Especialistas consultados pelo E-Investidor, serviço de finanças pessoais do Estadão, divergem sobre as recomendações para os papéis de Petrobras. Depois da demissão do presidente da estatal, Roberto Castello Branco, agravadas pela suspeita do uso de informações privilegiadas em operações com os papéis da companhia.
A Nord Research, por exemplo, recomenda a venda das ações. Segundo Ricardo Schweitzer, sócio-fundador da consultoria, independentemente do eventual currículo do general Joaquim Silva e Luna – indicado pelo presidente Jair Bolsonaro para assumir a gestão da Petrobras, no lugar de Roberto Castello Branco -, o risco já se tornou grande demais.
“Provavelmente é alguém alinhado com o atual discurso do presidente, de que a Petrobras tem de ser usada para resolver problemas de ordem política. Existem preocupações legítimas com a governança da empresa neste momento, que podem se traduzir em prejuízos materiais”, afirma o especialista. “Se você obriga uma companhia a praticar preços no mercado doméstico que são incompatíveis com os custos, isso se traduz em destruição de valor.”
Essa também é a visão de Henrique Estéter, analista da Guide Investimentos. “Se os conselheiros indicados pela União renunciaram, e demonstram preocupação, imagina o pequeno investidor que tem Petrobras na carteira?”, diz.
Já na opinião de Ilan Arbetman, analista de Ativa Investimentos, o clima é de cautela. “Os próximos capítulos serão fundamentais para entendermos para onde vai a Petrobras. Precisamos saber quem serão os substitutos para os conselheiros (que deixaram a estatal) e se Silva e Luna realmente ficará no cargo”, diz. “É complicado agir no calor do momento. É necessário saber se haverá continuidade das políticas praticadas hoje pela estatal. Ainda não temos clareza.”