Risco de apagão acende luz amarela no MME
Maurício Corrêa, de Brasília —
O governo teme que o agravamento da crise hídrica possa impactar fortemente as condições de produção da energia elétrica, levando a uma crise de abastecimento como ocorreu há 20 anos. Essa preocupação levou o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) a se reunir nesta quinta-feira, 27 de maio, em caráter extraordinário, para avaliar as condições de suprimento energético ao Sistema Interligado Nacional (SIN). O MME está de olho principalmente no que vai acontecer nas bacias dos rios Grande e Paraná.
Embora o Governo esteja se preparando para o pior, para não ser surpreendido e depois ser cobrado pela sociedade, o fato é que as condições de operação do setor elétrico brasileiro, hoje, são muito diferentes das registradas em 2001, quando o País mergulhou num apagão que acabou se transformando num dos principais motivos da derrota do PSDB nas eleições nacionais realizadas um ano depois.
Da mesma forma que em 2001, hoje também as relações entre a política e a energia elétrica são evidentes. O presidente Bolsonaro já tem tido enorme dificuldade para administrar as cobranças em relação ao Covid-19 depois que a CPI do Senado Federal começou a trabalhar. Com certeza não quer nem ouvir falar em apagão, principalmente agora que as pesquisas para 2022 já o colocam abaixo do ex-presidente Lula. Como se isso não fosse suficiente, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque (que é um almirante da ativa, embora poucos se lembrem disso) provavelmente também não quer repetir o desastre do seu colega general Eduardo Pazuello, que tem sido reconhecido como um dos grandes exemplos de incompetência do momento atual, devido ao fracasso da gestão à frente do Ministério da Saúde. Se houver um novo apagão, ficará mais do que claro que não terá sido uma boa estratégia para Bolsonaro e sim um erro duplo colocar um general na Saúde e um almirante na Energia.
Há 20 anos, faltou chuva e consequentemente energia elétrica. Mas, hoje, o Brasil conta com disponibilidade de energia térmica a gás natural em grande quantidade, reforçada pela geração das energias renováveis de turbinas eólicas e módulos solares. Além disso, com a economia estagnada devido à pandemia, a demanda de energia elétrica caiu bastante. Por outro lado, nos últimos 20 anos houve pesados investimentos em linhas de transmissão e, com isso, aumentaram as condições de intercâmbio de energia elétrica entre as regiões do País, de modo que uma parte onde está se gerando menos pode receber energia de outra parte onde os reservatórios estão cheios.
A situação é de fato preocupante, mas ainda não é de calamidade. Por enquanto, a luz é só amarela. É natural que o MME, o ONS e a Aneel estejam atentos, pois é para isso que os seus servidores são pagos. Apesar disso, o MME ainda não abriu o jogo com clareza, cometendo os mesmos erros que as autoridades do setor elétrico praticaram em 2001, quando esconderam a possibilidade de um apagão até praticamente a véspera da sua decretação.
O comunicado do MME desta quinta-feira foi cifrado e hermético, quando teria sido uma boa oportunidade para esclarecer o público consumidor a respeito do que está acontecendo com a hidrologia e como isso afeta os reservatórios. O MME divulgou que, segundo o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), em maio de 2021 não foram observados valores significativos de precipitação, comportamento típico da estação seca, condição que deverá se manter nos próximos meses especialmente na região Sudeste/Centro-Oeste. Além disso, as afluências permanecem abaixo dos valores médios históricos, com a caracterização dos piores montantes verificados para o SIN no período de setembro a maio em 91 anos de histórico.
Foi também informada a situação hidrológica crítica atualmente vivenciada na bacia do rio Paraná, que engloba as bacias dos rios Paranaíba, Grande, Tietê e Paranapanema. Nessas bacias estão localizadas as usinas hidrelétricas com os principais reservatórios de regularização do SIN, cujos recursos são operados de maneira que, nos períodos secos, seus estoques possam ser utilizados de forma otimizada e com vistas a garantir o devido atendimento à carga.
Diante do cenário apresentado, foram especificadas, dentre outras medidas para enfrentamento da escassez hídrica vivenciada e seus impactos diversos, inclusive sob a ótica do setor elétrico brasileiro, alternativas referentes a flexibilizações de restrições hidráulicas.
De acordo com o comunicado distribuído pelo MME após a reunião do CMSE, diante do reconhecimento da severidade da atual situação hidroenergética de algumas das principais bacias hidrográficas do SIN (que registrou o pior período hidrológico de setembro de 2020 a maio de 2021, tendo em vista os estudos apresentados pelo ONS), e com vistas a garantir a governabilidade das cascatas hidráulicas no País, o CMSE reconheceu a importância da implementação das flexibilizações das restrições hidráulicas relativas às usinas hidrelétricas Jupiá, Porto Primavera, Ilha Solteira, Três Irmãos, Xingó, Furnas e Mascarenhas de Moraes.
“Ressalta-se que as iniciativas relativas à flexibilização de restrições hidráulicas de empreendimentos localizados nas bacias dos rios Grande e Paraná visam a mitigar o risco da perda do controle hídrico na bacia do rio Paraná. Portanto, para além de questões energéticas, o intuito das medidas é garantir a devida governabilidade das cascatas hidráulicas, inclusive quanto à preservação do uso da água, ao longo do período seco de 2021”, alegou o MME em um comunicado que poderia ter sido mais claro e de viés menos tecnocrático.
Além disso, o CMSE deliberou por recomendar à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) que seja reconhecida a situação de escassez hídrica na Bacia do Rio Paraná, bem como encaminhar as propostas deliberadas pelo Colegiado ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), tendo em vista se tratarem de relevantes ações que objetivam a manutenção da segurança no abastecimento e no atendimento eletroenergético.
Por fim, o CMSE registrou a importância da articulação institucional, não limitada ao setor elétrico brasileiro, para que as medidas em curso possam ser efetivas para o incremento da segurança no suprimento de energia elétrica no País ao longo de 2021. Com isso, o comunicado do MME quis dizer que pretende se abrir ao diálogo com outros segmentos, provavelmente até mesmo o setor empresarial, para eventualmente conduzir uma crise de forma mais aberta e democrática, evitando repetir o absoluto fracasso que tem sido o combate à pandemia do Covid-19.