Comercializadores reclamam de erros do ONS
Maurício Corrêa, de Brasília —
O mercado já está arrancando os cabelos em relação aos sucessivos erros na formação dos preços da energia elétrica. Embora em suas reuniões com as áreas institucionais os dirigentes se mostrem educados e pacientes, o fato concreto é que, nos seus ambientes internos de trabalho, eles estão chutando o balde.
Em várias oportunidades recentes, este site revelou a ocorrência de erros derivados dos programas computacionais utilizados na formação dos preços. E tem atribuído os erros ao “estagiário do ONS”, que é uma brincadeira criada pelo próprio mercado, pois os técnicos do Operador seriam tão bons, que consideram que jamais podem errar. Quando isso acontece, só pode ser culpa de algum estagiário.
Este site teve acesso ao último relatório que a associação dos comercializadores, a Abraceel, enviou aos seus associados. Observa-se que até mesmo a bem-comportada Abraceel está perdendo a paciência, conforme revela o título da nota: “Mercado cansado de erros: Abraceel leva inconsistências recentes nos preços para Aneel”.
Além de reclamar, os dirigentes dos comercializadores se reuniram com os superintendentes de Fiscalização dos Serviços de Geração da Aneel, Gentil Nogueira, e com o novo superintendente de Regulação dos Serviços de Geração (SRG), Alessandro Cantarino, além das respectivas equipes. E simplesmente “entregaram” aos reguladores as pisadas na bola mais recentes que envolveram a governança dos dados que afetam a formação dos preços.
Essa é uma questão fundamental para os comercializadores. Por isso, desde que o mercado livre começou a existir, há pouco mais de 20 anos, esses agentes, coerentemente, se posicionam junto aos órgãos institucionais (MME, CCEE, ONS e Aneel), reivindicando a transparência absoluta em relação aos programas computacionais, pois os valores por eles definidos é que dirão quem perde e quem ganha dinheiro nesse mercado.
Esse é um problema que ninguém consegue resolver, apesar dos gênios matemáticos que criaram esses modelos. Afinal, se a entrada dos dados contém erros, é lógico que na saída da informação esses erros serão incorporados ao dado final. Então, o impacto sobre o mercado de energia elétrica é evidente. Certa vez, um operador do mercado resumiu a questão da forma mais clara possível. Considere-se hipoteticamente uma máquina que tritura legumes. Se cenouras são enfiadas na máquina, na saída haverá cenouras trituradas. Mas se você colocar batatas, o resultado final consistirá em batatas trituradas.
Com os programas computacionais do ONS é a mesma coisa. O programa é neutro. Ele simplesmente define um preço com base nos dados que foram inseridos na entrada. Se o dado foi inserido de forma errada no programa, no final sai um erro, afetando os agentes.
Na conversa com os técnicos da Aneel, a Abraceel lembrou apenas dois casos recentes de erros na programação. Didaticamente, mencionou os casos da UTE GNA I, ocorrido em 21 de maio, e do intercâmbio de energia entre o Nordeste e o Sudeste, uma semana depois.
Eis o que disse a Abraceel no relatório aos seus associados:
“Inicialmente, foi abordado o caso da atualização da entrada em operação comercial da UTE GNA I, que estava para formar preço em junho, mas como havia incertezas decorrentes do reparo e comissionamento da turbina a vapor, o agente informou que a previsão de entrada seria 31 de julho, em um cenário otimista, e 31 de agosto, em um cenário conservador, porém a Aneel alterou a previsão para 31 de outubro, o que acabou suscitando questionamentos no mercado”.
“Sobre o caso, a SFG informou que havia muitas incertezas sobre o que precisava ser feito na máquina, inclusive do próprio agente. Assim, foi feita uma avaliação, em conjunto com o CMSE, para considerar um cenário pessimista e por isso foi decidido outubro. Ressaltaram que o prazo poderia ser até posterior a outubro, dadas as incertezas, e que se tratou de uma situação extremamente particular, em que foi preciso diagnosticar a situação para avaliar um novo cronograma”.
“Foi informado que há agora uma expectativa melhor para entrada em operação dessa usina, pois a retomada dos testes está agendada para 10 e 11 de junho, quando terão melhor clareza sobre o cenário com o fim dos testes. A Abraceel agradeceu e apontou que é muito importante para o mercado ter essa explicação e informação”.
Em relação ao limite de intercâmbio NE-SE, ocorrido em 28 de maio, assim a associação relatou a conversa com a Aneel:
“A Abraceel adiantou que estava sendo enviada carta para ONS, CCEE e a própria Aneel relatando as inconsistências recentes nos modelos e discorrendo que casos como esses geram muito ruído no ambiente de negociação de energia e que poderiam ser evitados”.
“A SRG informou que a discussão sobre o caso foi intensa entre quinta e sexta-feira passadas e que se centrou no gate closure, ou seja, até qual momento as informações devem chegar para serem consideradas nos modelos. Foi informado que o caso foi levado para o CMSE, que seguiu uma postura conservadora, em considerar como data de tendência 30 de junho. Como os Procedimentos de Rede estabelecem o fechamento às 17 horas do terceiro dia útil que antecede a reunião plenária do PMO, quarta-feira dia 26 de maio, a integração das novas instalações não foi considerada naquele momento”.
“A SRG complementou que vai ser dada prioridade na revisão da REN 843 e reafirmaram o compromisso com o tema, ressaltando que pretendem abrir a consulta pública em breve, sendo necessário alinhamento interno com o novo superintendente, Alessandro Cantarino. Em adição, a SFG disse que receberam cartas pedindo fiscalização em casos com o ONS e que vão dar encaminhamento avaliando o que aconteceu nos casos concretos”.
“Finalizando a reunião, a SRG resumiu as duas frentes em que será discutida a governança dos modelos: i) a revisão da norma, e nesse sentido, agradeceram o relato dos casos recentes; e ii) discussão do compliance, que envolve pensar no processo completo para que a gestão da informação seja rápida e clara”.
Este site fez questão de mencionar tudo o que está escrito sobre o tema no último relatório da Abraceel aos seus associados, para que os leitores tenham uma nítida percepção sobre o blá-blá-blá que envolve a aplicação dos modelos computacionais. Tem sido assim há apenas 20 e tantos anos. O modelo roda errado, impacta o mercado, a associação ou as próprias empresas reclamam, os órgãos institucionais dizem que vão resolver e continua tudo igual, repetindo-se novos erros e com dinheiro caindo errado nas contas de quem não devia. Perde-se e ganha-se muito dinheiro quando esses erros acontecem.
É verdade que um dia, lá na frente, esses dados são corrigidos. Mas é um pouco difícil explicar isso quando o controlador da comercializadora está acostumado com outro tipo de governança, caracterizada por maior rigor. Embora o sistema elétrico brasileiro seja robusto, o fato é que seus dirigentes (incluindo aqui os próprios agentes) têm medo de acabar com os programas computacionais.
Além dos gênios matemáticos que trabalham com esses modelos e que naturalmente são remunerados por isso, pois exige um conhecimento específico e muito técnico, há uma realidade que não se pode negar, embora pouco se fale dela.
Muitos operadores provavelmente teriam dificuldades para atuar em um mercado no qual fosse necessário negociar o preço da energia diretamente entre compradores e vendedores, como ocorre em outros países. Alguns provavelmente não saberiam como fazer isto. Nesse caso, é melhor fazer vista grossa e ficar com os programas computacionais do ONS, mesmo que eles errem de vez em quando, pois isso camuflaria as fragilidades negociais de alguns operadores.