CCEE quer aumentar a segurança no ACL
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) decidiu se antecipar às mudanças que vão impactar o setor elétrico brasileiro, no médio prazo, quando se espera, com a proposta de modernização feita pelo Executivo e que tramita no Congresso Nacional, uma expressiva ampliação do mercado.
Em entrevista exclusiva ao site “Paranoá Energia”, Rui Altieri, presidente da CCEE, disse que haverá alterações normativas, as quais deverão contemplar simultaneamente os atuais e futuros comercializadores de energia elétrica. “As propostas da CCEE para o aprimoramento dos critérios de segurança preveem tanto novas regras para a habilitação de agentes como para a sua manutenção e a saída do mercado”, disse.
Nesse contexto, segundo Altieri, os novos critérios de entrada seriam aplicados apenas para os candidatos a agentes, tornando mais robustas as análises dos atributos técnicos e financeiros daqueles interessados em ingressar no mercado. “Já os aprimoramentos referentes à manutenção e ao desligamento se aplicariam a todos os que atuam na Câmara. Porém, de forma a garantir que os participantes do mercado tenham tempo hábil para se preparar para as mudanças, a CCEE propõe que haja um período de transição para o novo modelo”, explicou.
Não é uma tarefa fácil, mas há meses a equipe da CCEE está envolvida nessas mudanças, em um amplo diálogo não apenas com as autoridades do SEB, mas, também, com os agentes econômicos diretamente interessados, que são os associados à Câmara.
Altieri informou que os dados mais atualizados da CCEE mostram que, ao final de maio, havia 421 agentes comercializadores registrados na Câmara, dos quais 32 são habilitados para atuar na condição de comercializadores varejistas. “Desde o início deste ano, 24 novos agentes de comercialização aderiram à Câmara”, esclareceu o presidente da CCEE, dando uma ideia do que vem pela frente em termos de volume de trabalho para organizar o complexo e sofisticado mercado cuja gestão cabe à Câmara.
“O mercado de energia brasileiro é um dos 10 maiores do mundo, com uma ampla diversidade de produtos e serviços. Há 10 anos, o quadro de agentes da CCEE, e consequentemente a comercialização de energia elétrica, registrava aproximadamente 1.500 empresas, sendo a maioria especialista no segmento. Hoje, a CCEE conta com mais de 11 mil agentes, com uma diversidade de atores, desde pequenos consumidores em busca por melhores condições de custo, a instituições financeiras que compram e vendem energia”, assinalou Rui Altieri.
Entre as alterações sugeridas, prevê-se que seja criado um procedimento para a comprovação periódica dos requisitos técnicos e financeiros dos agentes, com o objetivo de assegurar que os critérios que foram avaliados no momento da adesão continuam sendo respeitados. “Essa medida é importante para aplicar a isonomia no tratamento entre os comercializadores que venham a atuar na CCEE e os que já atuam”, acrescentou.
Ele disse a este site que o contexto de profundas mudanças que afetarão o mercado brasileiro de energia elétrica impõe desafios operacionais, comerciais e de segurança. Na avaliação de Altieri, o cenário se torna ainda mais complexo ao se considerar a tendência de crescimento do ambiente de energia livre (ACL), com a ampliação da diversidade dos atores que atuam no segmento.
A CCEE, numa linguagem simples, age como se fosse um xerife do mercado de energia elétrica. E está atenta e vigilante a todas essas circunstâncias que vão impactar o mercado. “Esse desenvolvimento do mercado traz dinamismo para um setor chave da infraestrutura nacional, e naturalmente surgem novas formas de comercializar energia elétrica para atender à necessidade dos agentes, tanto em produtos com entrega física, e, mais recentemente, com o surgimento de soluções puramente financeiras”, frisou.
E lembrou: “Para que esse mercado continue crescendo de forma equilibrada e eficiente, se mostra cada vez mais relevante fortalecer a segurança nos produtos com entrega física que são registrados na Câmara, algo que se apresenta não somente como uma necessidade, mas também como uma demanda dos agentes e novos entrantes no setor elétrico”. Foi pensando nesse tipo de detalhe que a CCEE propôs suas contribuições para fortalecer a segurança de mercado.
Uma longa história
A CCEE já passou por várias fases e inclusive já mudou de nome. Até o Governo da presidente Dilma, se chamava MAE (Mercado Atacadista de Energia). A sua tarefa é viabilizar e gerenciar a comercialização de energia elétrica no país, garantindo a segurança e o equilíbrio financeiro do mercado. Tem a atribuição de fortalecer o ambiente de comercialização de energia, no ambiente regulado, no ambiente livre e no mercado de curto prazo, aplicando regras e mecanismos que promovam relações comerciais sólidas e justas para todos os segmentos do SEB: geração, distribuição, comercialização e consumo.
Embora nas suas intervenções a CCEE se paute por um discurso mais político e elegante, este site não vê dificuldades em indicar de forma menos diplomática quais são os objetivos da Câmara com as mudanças pretendidas: evitar a picaretagem e eventuais golpes no mercado.
Ainda existem situações no mercado que são difíceis de serem explicadas. Uma delas: muita gente cria comercializadoras, que são estruturadas sob o ponto de vista legal, e não faz absolutamente nada com elas. Ficam “guardadas”, como se estivessem expostas numa prateleira. Na verdade, esperam eventuais compradores.
Conforme revelou Rui Altieri, hoje existem 421 agentes de comercialização registrados na CCEE. Mas apenas 105 fazem parte da associação do segmento, a Abraceel. De fato, existem alguns comercializadores que são de grande porte e muito ativos no mercado, mas não integram a associação, por várias razões, principalmente questões da política empresarial. Além do mais o vínculo à associação não é obrigatório. Estes agentes, entretanto, não são muitos, o que indica que há muita empresa na prateleira ou inativa. A CCEE quer aumentar a vigilância sobre esses agentes.
Historicamente, sempre houve resistência no mercado quanto às iniciativas que visam dificultar a obtenção das licenças para comercializar energia, sob o argumento que essa atitude impediria o desenvolvimento da competição e privilegiaria agentes já atuantes no mercado.
No dia 09 passado, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que vem conversando com a CCEE e os agentes a respeito do assunto, divulgou a Nota Técnica 65/2021, que contém a proposta da Câmara visando ao aperfeiçoamento dos critérios para obtenção da autorização de comercializadores.
A CCEE quer saber mais dos futuros comercializadores como eles se enquadram nas respectivas cadeias societárias e, principalmente, se dispõem de saúde financeira para entrar nesse negócio, cujas faturas podem alcançar dezenas de milhões de reais. Uma lenda do mercado sempre faz referência ao picareta que cria uma comercializadora de lucro presumido e gasta muito pouco para fazer a empresa funcionar. Depois aplica um golpe na praça, desaparece e vai curtir o dinheirão que ganhou em lugares como Miami ou Dubai.
A proposta da CCEE consiste em exigir um responsável técnico pelas operações da empresa, sendo que entre os funcionários é preciso que pelo menos um dos participantes seja possuidor da certificação de operador do mercado. Além disso, a CCEE quer pedir a certidão de antecedentes criminais dos sócios das novas comercializadoras. A Câmara também propôs não emitir certidão para empresas relacionadas a grupos econômicos ou sócios de empresas que estejam em monitoramento, ou seja, com dificuldades comerciais que sao acompanhadas de perto pela Câmara.
Para evitar situações constrangedoras de um passado não muito distante, quando o endereço de um postulante à licença de agente de comercialização era totalmente precário, localizado numa favela de São Paulo, a Câmara quer exigir contrato de locação pelo período mínimo de 12 meses.
O objetivo da CCEE é evitar que alguém possa constituir uma empresa na Junta Comercial e começar a operar no mercado, sem dispor de condições para enfrentar um negócio complexo, sofisticado, que exige muito conhecimento técnico e sólida estrutura financeira, que possa suportar eventuais solavancos no sobe e desce dos preços da energia elétrica. Em vários casos de comercializadoras que foram para o brejo, constatou-se que não havia má-fé por parte dos agentes. Eram, sim, casos de desconhecimento a respeito de como funcionava o mercado.
Entre as exigências que a CCEE quer impor está condicionar a autorização ao pagamento dos débitos eventualmente deixados por outra empresa associada societariamente, direta ou indiretamente. A Câmara também quer exigir patrimônio líquido mínimo para adesão de matriz ou filiais.
Essa é uma discussão que pega fogo no mercado. Afinal, vários comercializadores que hoje são grandes empresas começaram pequenos, há cerca de 20 anos, ocupando escritórios alugados com poucos metros quadrados. Mas cresceram e hoje são comercializadores de primeira linha, inclusive com negócios transbordando para outros segmentos da energia elétrica, principalmente a geração. Nesse contexto, a eventual exigência de patrimônio líquido poderia ser visto como uma barreira de ingresso no mercado de novos postulantes, que pudessem de alguma forma prejudicar as operações daqueles que já existem.
A Câmara também pensa em obter informações sobre a participação dos agentes em outras comercializadoras e quer evitar a apropriação indevida de marcas já consolidadas no mercado. Por isso, pretende permitir a existência de nomes semelhantes apenas para empresas do mesmo grupo econômico.
Para a CCEE, é fundamental que sejam disponibilizadas informações que garantam a segurança do mercado. Exemplo: dados dos últimos três balanços, identificando-se de forma transparente a origem dos recursos a serem utilizados nas operações.
Na visão da Câmara, o não atendimento a determinadas condições poderá resultar em multas, restrição de acesso aos sistemas da CCEE e, em última instância, até mesmo no desligamento do agente.
Nesse contexto, a CCEE quer que as empresas sejam obrigadas ao envio anual das informações financeiras auditadas por empresa independente, que seja credenciada na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e que não tenha vínculo com a empresa auditada.
A CCEE também quer evitar uma prática existente há muitos anos no mercado, que é a chamada “comercializadora de prateleira”, um artifício que funciona da seguinte forma: alguém constitui uma comercializadora na Junta Comercial, mas ela não opera. Fica oficialmente ativa, mas “guardada na prateleira”. Se um empresário precisa, por qualquer motivo, de uma comercializadora com os papéis em ordem, com urgência, e não pode aguardar os prazos burocráticos exigidos pela Junta Comercial e mesmo pela CCEE, vai ao mercado e compra aquela que já está em condições de operar, mas está na prateleira. A CCEE quer acabar com a venda das comercializadoras de prateleira, impedindo os negócios dos espertalhões que ganham uma boa grana fazendo esses operações de oportunidade. Nos últimos 20 anos, muita gente ganhou uma grana criando essas comercializadoras que não operam e ficam apenas à espera de um comprador. Não chega a ser uma prática ilegal, mas cria confusão e desconfiança no mercado.
Assim, a CCEE pretende desligar as empresas que estiverem inativas ou sem comercializar energia por 12 meses ou mais, caso a empresa não justifique a razão para que isso ocorra.
Altieri, entretanto, faz questão de reforçar dois pontos que no seu entendimento tem sido fundamentais para o trabalho de desenvolvimento dessas propostas, que envolve em larga escala o dia a dia não só dos integrantes do Conselho de Administração da CCEE, mas, também, seus superintendentes e corpo técnico.
O primeiro deles é o respeito à liquidez do mercado e à autonomia dos agentes. Nesse sentido, ele salienta que as notas técnicas apresentadas pela CCEE para aprimoramento da segurança tiveram esses dois pilares como premissas, modernizando o arcabouço regulatório do setor para atender de forma mais efetiva às necessidades de um mercado em transformação, mas sem prejudicar o ambiente de negócios e a atuação dos participantes do segmento.
O segundo é a garantia da ampla participação dos agentes no processo de debate e construção dessas propostas. A CCEE fez rodadas de apresentação das notas técnicas com diversos atores do setor elétrico e agora as apresentou para serem colocadas em audiência pública pela Aneel.
“A expectativa de todos nós, na CCEE, é a melhor possível. Com a contribuição de todo o mercado, temos a certeza que teremos uma definição de aprimoramentos significativos em nossos critérios de segurança do mercado, assegurando um futuro promissor para todos os que atuam na comercialização de energia”, afirmou Altieri.