Um racionamento para chamar de seu
Mauricio Corrêa, de Brasília —
Pode-se discordar do presidente Jair Bolsonaro, mas é preciso reconhecer que é um político obstinado e firme no seu modo peculiar de ver o mundo. A pandemia que o diga. Agora, ele já pode colecionar mais uma verdade absoluta na sua vasta coleção, pois, questões semânticas a parte, o fato é que ele já dispõe de um racionamento de energia elétrica para chamar de seu.
É possível que esteja ocorrendo no atual Governo a mesma situação que houve em 2001, quando ninguém dizia para o presidente Fernando Henrique que haveria racionamento. Ao contrário, todas as autoridades do setor elétrico batiam no peito e garantiam que não haveria restrições ao uso da energia elétrica, até que no dia 11 de maio de 2001 foi criada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica. Uma semana depois, foram anunciadas as medidas do racionamento. A partir daí, o Brasil não foi mais o mesmo, devido às consequências políticas da decisão.
No “Diário Oficial” desta quarta-feira, 25 de agosto, foi publicado um decreto de Bolsonaro, obrigando o setor público a cortar o consumo de energia elétrica. Chega ao detalhe de limitar em 24 graus a regulação dos aparelhos de ar condicionado. Apesar das explicações semânticas dadas pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e alguns assessores, o fato concreto é que esse é inquestionavelmente o primeiro passo na direção do racionamento. Já estão a caminho programas de bonificação para consumidores dos ambientes regulados e livre que economizarem energia.
Curiosamente, dentro do Governo as principais autoridades do setor elétrico convergem para a mesma narrativa: o sistema tem pouquíssima água, as perspectivas até outubro são as piores possíveis, mas não haverá racionamento. Pelo menos é o que garante o ministro Albuquerque. “Vamos adotar todas as medidas do passado, com as lições aprendidas. Não trabalhamos com a hipótese de racionamento e isso tem que ficar muito claro”, afirmou o ministro, nesta quarta-feira, numa entrevista coletiva.
Segundo explicou, até o próximo ano serão agregados ao sistema 10% das linhas de transmissão que existem hoje, além de 15 mil MW de geração, que equivalem a 8% da capacidade instalada atual. “Esses dados mostram a robustez do SEB para enfrentar as situações adversas que estamos atravessando”, disse Albuquerque, salientando que “esses dados nos dão serenidade para conduzir a gestão energética”.
Só que as coisas não são tão simples assim, como verbalizam de forma otimista o ministro e seus principais assessores. Nesta quarta-feira, no mesmo momento em que o ministro reunia jornalistas para garantir que não haverá problemas no suprimento de energia elétrica, o departamento técnico de uma grande empresa da área de energia elétrica concluiu os seus próprios estudos e a conclusão é mais do que preocupante para o governo e a sociedade.
Segundo o estudo a que este site teve acesso, a hora em que a onça vai beber água (se houver água disponível) deverá ocorrer em meados de outubro, quando o armazenamento médio nos reservatórios que compõem o Sistema Interligado Nacional (SIN) ficará em torno de apenas 15%, caindo a incríveis 11% em novembro e subindo um pouquinho para 14% em dezembro.
Nesse contexto, as contas relativas à previsão de armazenamento no Sudeste/Centro-Oeste, onde se localizam os principais reservatórios do SIN, deverá ser de 10% em outubro, 7% em novembro e 11% em dezembro, quando chega o período chuvoso e as barragens começam a recuperar o volume de água. No Sul, de acordo com o mesmo estudo, poderá ficar em torno de 21%, 15% e 15%. No Nordeste, 33%, 24% e 24%. Finalmente, na região Norte as estimativas apontam para 10% em outubro, novembro e dezembro.
O Governo já flexibilizou as exigências de segurança relativas à transferência de blocos de energia entre as regiões. Se esses números se confirmarem, é possível que a próxima etapa do não-racionamento seja uma mera repetição do filme de 2001. “A natureza tem se mostrado muito mais negativa que nossas simulações”, reconheceu o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico, Luiz Carlos Ciocchi.