Consumidores são chamados a bancar crise
O governo decidiu aprovar um reajuste de 49,63% no valor cobrado na bandeira tarifária para fazer frente às despesas do acionamento de usinas térmicas e das medidas adotadas para evitar apagões e até mesmo um racionamento de energia. A partir de setembro, o valor da taxa adicional cobrada nas contas de luz passará de R$ 9,49 a cada 100 quilowatts-hora (kWh) para R$ 14,20. O valor irá vigorar entre 1º de setembro de 2021 e 30 de abril de 2022. A bandeira “escassez hídrica” provocará aumento de 6,78% na tarifa média.
Durante entrevista coletiva, o diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), André Pepitone, afirmou que o governo estabeleceu a chamada bandeira “escassez hídrica”, para sinalizar o momento em que o País enfrenta. Ele afirmou que o cenário exigiu acionamento de medidas que vão custar R$ 8,6 bilhões.
O anúncio acontece após reunião da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), grupo presidido pelo Ministério de Minas e Energia e criado por meio da Medida Provisória 1055. O governo também detalhou as regras para o programa de incentivo à economia de energia voltado para os consumidores regulados, ou seja, aqueles atendidos pelas distribuidoras, como os residenciais. Aqueles que pouparem energia nos próximos meses vão receber descontos na conta de luz
Em tese, caberia apenas à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) a atribuição de definir as tarifas de energia elétrica praticadas no País, mas o órgão procurou aval do MME para adotar uma medida tão impopular. A preocupação com o impacto de mais um aumento no preço da energia sobre a inflação fez com que o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entrassem na discussão.
A definição atende pleito do Ministério da Economia, que defendia um reajuste da bandeira entre R$ 14 e R$ 15 a cada 100 kWh. Conforme mostrou o Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado), o valor está abaixo do que era calculado como necessário para fazer frente a todos os custos.
Ao longo da discussão, o governo cogitou elevar a taxa para algo entre R$ 15 e R$ 20, por um período mais curto. Havia ainda um cenário-limite de até R$ 25, que foi rapidamente considerado improvável.
Em junho, a agência já havia aprovado um aumento de 52% no valor da bandeira vermelha 2, até então o valor cobrado era de R$ 6,24 a cada 100 kWh. Na ocasião, a Aneel sinalizou que o reajuste não seria suficiente para cobrir todos os gastos e abriu uma consulta pública para discutir se manteria a taxa em R$ 9,49 ou se elevaria para R$ 11,50. Os valores, no entanto, foram propostos antes de ações adotadas pela Creg.
Desde que o comitê foi criado, o governo adotou diversas ações para mitigar os efeitos da escassez nos principais reservatórios A termelétrica William Arjona, em Mato Grosso do Sul, por exemplo, tem um custo variável superior a R$ 2,4 mil por megawatt-hora (MWh), e a importação de energia da Argentina e do Uruguai, por exemplo, custa mais de R$ 2 mil por megawatt-hora (MWh). Por dia, o Brasil importa 2 mil megawatts dos países vizinhos.
O sistema de bandeiras foi criado em 2015 pela agência reguladora. Além de possibilitar ao consumidor saber o custo real da geração de energia, e adaptar o consumo, o sistema atenua os efeitos no orçamento das distribuidoras. Anteriormente, o custo da energia era repassado às tarifas uma vez por ano, no reajuste anual de cada empresa, com incidência de juros. Agora, os recursos são cobrados e repassados às distribuidoras mensalmente.
O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, afirmou que além de detalhes sobre a bandeira, o governo também irá apresentar as regras do programa de incentivo à redução de consumo de energia elétrica voltado para consumidores residenciais.
Bônus sai do bolso do consumidor
O governo pretende premiar os consumidores que reduzirem o consumo em um patamar de 10% a 20% com um bônus de R$ 0,50 a cada quilowatt-hora economizado. Pelas regras apresentadas pelo Ministério de Minas e Energia (MME), quem economizar menos que 10% não receberá bônus, e quem superar o nível de 20% tampouco receberá prêmio adicional. As regras foram apresentadas pela pasta em entrevista coletiva nesta terça-feira, 31.
Embora o governo tenha cogitado uma gratificação de R$ 1 a cada 1 kWh poupado, técnicos consideraram o valor inviável.
Para ter uma comparação, a tarifa média paga pelos consumidores residenciais hoje está em R$ 607,60 por MWh – ou seja, R$ 0,60760 a cada 1 kWh. O problema é que a geração de energia adicional é muito mais cara do que essa média. A termelétrica William Arjona, em Mato Grosso do Sul, tem custo de R$ 2 mil por MWh, ou R$ 2 a cada 1 kWh.
Em média, uma família brasileira consome 163 quilowatts-hora mensais, o equivalente a R$ 139,26, com impostos. Se conseguir economizar 20%, por exemplo, essa mesma família pagaria uma conta 36% menor: além dos 130,4 kWh, ela receberia um bônus sobre os 32,6 kWh economizados e pagaria R$ 88,43.
O financiamento do bônus passou por um impasse. O Ministério da Economia não aceitou abrir crédito extraordinário para bancar o bônus. Por outro lado, embora o governo queira premiar quem economiza, não quer punir quem gastar mais com multa ou corte compulsório – como foi feito em 2001.
O programa prevê que o conjunto de consumidores pague, proporcionalmente, pelo custo adicional de geração, por meio de uma taxa chamada de Encargos de Serviço do Sistema (ESS).
O ESS é pago via bandeira tarifária e, caso o custo das usinas supere o valor arrecadado, é repassado no reajuste tarifário anual de cada distribuidora.
Após pagar esse custo, o consumidor que economizar energia terá uma parte desse valor devolvido na conta de luz – mas apenas a sua economia individual, e a um valor mais baixo do que aquele que ele efetivamente pagou.