SEB quer ver ML crescer com mais segurança
Mauricio Corrêa, da Praia do Forte (Bahia) —
A abertura do mercado de energia elétrica é uma prioridade absoluta para os comercializadores. Mas, para todos os agentes que operam no mercado livre de energia, além da ampliação desse segmento, existe uma prioridade maior ainda, que poderia ser classificada como prioridade zero, que é a segurança nas operações.
Essa questão ficou evidenciada durante os dois dias de debates do 13º Encontro Anual do Mercado Livre, que terminou nesta sexta-feira no resort Tivoli, localizado 50 minutos ao Norte de Salvador. O evento — organizado pelo Grupo Canal Energia e que há anos tem sido o mais importante do segmento — termina formalmente neste sábado, com uma palestra patrocinada por empresa de consultoria na área de Engenharia Elétrica.
Na sessão desta sexta-feira, 26 de novembro, discutiu-se intensamente aspectos relacionados com a segurança das operações, uma questão que está merecendo atenção especial por parte da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A conselheira Roseane Santos, da CCEE, praticamente trabalha, come e dorme, nos últimos meses, pensando em segurança do mercado. Ela coordena as iniciativas da Câmara que vão subsidiar as decisões da Aneel sobre o tema.
“Temos que nos esforçar para não reinventar a roda”, disse Donato Filho, diretor geral da empresa Volt Robotics, que vem estudando o assunto como consultor contratado da associação dos comercializadores de energia, a Abraceel. Ele baseou fortemente o seu trabalho estudando a experiência do Banco Central do Brasil no tratamento das questões de segurança aplicadas aos agentes do mercado financeiro. “O BC tem a posição diária das instituições financeiras e sabe quem trabalha mais ou menos alavancado”, explicou.
A própria conselheira Roseane dos Santos, da CCEE, já havia dito, no primeiro dia do evento, que não se pode pensar em abertura do mercado de energia elétrica, com a expansão das operações do mercado livre, praticando níveis de segurança de 20 anos atrás. Sugeriu claramente que as exigências de segurança devem ser aperfeiçoadas e atualizadas, para se evitar algumas práticas (poucas) que costumam desabonar o mercado como um todo e causar sustos e prejuízos nos balanços das empresas.
Para Donato Filho, não se pode pensar duas vezes. É preciso punir na pessoa física todos aqueles que transgredirem as regras de segurança, sejam agentes, sejam as autoridades responsáveis pelas normas de sigilo que regem os contratos.
Ele lembrou que, no caso do Banco Central, há um detalhe institucional que gera muita diferença. É a existência do Bank of International Settlements (BIS), uma instituição sediada na cidade suíça de Basiléia, que funciona como uma espécie de Banco Central dos bancos centrais de todos os países. Nessa condição, o BIS oferece suporte técnico que permite aos BCs nacionais medirem o capital e a exposição dos agentes financeiros. Isso não existe no setor elétrico, que é obrigado a recorrer às experiências isoladas e tentar aprender com elas.
“Como resultado da falta de segurança, os agentes tendem a realizar negócios só com as contrapartes conhecidas. Na prática, assim o mercado fica menor”, opinou Donato.
Ele entende que o avanço das normas de segurança, no Brasil, deverá seguir a tendência histórica de outros mercados, a nível mundial. Na área financeira, por exemplo, as primeiras iniciativas de Basiléia surgiram em meados dos anos 70, assumindo nova dimensão depois da enorme crise bancária internacional de 2008, quando descobriu-se que muitos bancos, em vários países, estavam com os cofres abarrotados de papéis e garantias que não valiam nada. “Temos um percurso amplo e progressivo pela frente”, afirmou o consultor.
Ele também baseou os seus estudos no dia a dia do California ISO, que é o operador independente de energia elétrica do Estado da California. Lá eles fazem uma seleção anual de 10% de todos os agentes que operam naquele mercado (nos Estados Unidos, os mercados funcionam regionalmente devido às características do federalismo norte-americano, ao contrário do Brasil, no qual a operação é centralizada no ONS).
Os agentes sorteados são então investigados profundamente pelo ISO, uma prática que ele entende que poderia ser aplicada aqui. “Quem toma posição e assume riscos tem que ser responsabilizado pelas consequências”, acrescentou, frisando que é fundamental monitorar a alavancagem. Nesse contexto, é preciso calcular o que os agentes têm em termos de ativo e quanto têm em exposição no mercado. “Calcular e informar todos os dias, com transparência”, frisou.
Segurança tem custo
A conselheira Roseane dos Santos reconhece que não se pode descuidar da segurança das operações, mas ao mesmo tempo é preciso considerar que isso tem um custo.
Ela explicou que a CCEE fechará 2021 com um portfólio que compreenderá 12 mil agentes e 26 mil unidades consumidoras, estimando ainda que existam 70 mil unidades consumidoras do chamado Grupo A que têm potencial para migrar do mercado regulado para o mercado livre, podendo assim escolher o supridor da sua energia elétrica.
“Nós temos o potencial de alcançar, com esses números, cerca de 59% de todo o consumo de energia elétrica do País e não podemos deixar a segurança sem critérios”.
A conselheira não tem dúvidas que não se pode descuidar dessa área. Tanto assim que está envolvida de corpo e alma, dentro da CCEE, em total sinergia com a Aneel, visando à adoção de critérios modernos que permitam a entrada de agentes no sistema, mas também a saída daqueles que transgredirem as regras. Para Roseane é necessário alterar as normas que tratam das garantias financeiras e do monitoramento dos agentes.
“Já atuamos no monitoramento, mas é preciso melhorar a qualidade das nossas informações, que são incompletas”, reconheceu a conselheira. Conforme explicou, serão constituídos comitês específicos para tratar da segurança. “Quem vai causar a perda ao mercado é o primeiro que deverá suportar as consequências com os mecanismos de garantias e salvaguardas”, definiu Roseane.
“Entre os comercializadores, há agentes que desconfiam que a CCEE quer transformar todos nós em bancos. Temos que ver tudo isso com muita atenção”, disse um comercializador que não quis se identificar.
Nesse contexto, Roseane entende que o setor elétrico precisa acompanhar uma experiência que já aconteceu com a adoção do chamado PLD Horário, quando se continuou oficialmente a praticar o antigo PLD e, ao mesmo, se adotou o chamado Preço Horário Sombra, uma simulação considerando as mudanças que se pretendia consolidar. Nesse período “sombra”, o PLD Horário foi aperfeiçoado até ser considerado ideal para virar o mecanismo oficial.
“No primeiro trimestre de 22, entraremos na operação sombra da segurança do mercado, para que todos entendam e possam se adaptar”. Camila Schoti, conselheira da Abraceel, sintetizou bem toda a preocupação com a segurança das operações de mercado. “O problema não é evitar que alguém quebre e gere prejuízos. Queremos evitar que alguém quebre e impacte o sistema como um todo. Por isso, monitorar a alavancagem é tão fundamental”, disse a especialista.
Carlos Ratto, diretor do Banco Brasileiro de Comercialização de Energia (BBCE) lembrou um aspecto que não pode ser menosprezado. “Não podemos ter segurança demais, que engesse o mercado, e nem segurança de menos, que prejudique a liquidez”. “Temos um propósito comum. É transformador. Vamos chegar ao ponto de consenso”, afirmou Roseane dos Santos.
O repórter viajou a convite da comercializadora Tradener, um dos patrocinadores do evento.