Fintech aponta desperdício na energia elétrica
Mauricio Corrêa, de Brasília —
R$ 71 milhões. Este é o valor que o Brasil joga fora pela janela, todos os dias, através do uso inadequado da energia. O cálculo desse monumental desperdício foi feito pela Zinng, uma fintech de energia sediada em Brasília, cujo trabalho consiste em desenvolver projetos para empresas e organizações que queiram economizar na conta de luz por meio de iniciativas da chamada eficiência energética.
Segundo disse ao site “Paranoá Energia” a CEO da Zinng, Viviane Ferreira Cabral, a empresa está atenta às oportunidades de expansão discutidas durante a COP 26, quando ficou claro que a eficiência energética pode ser utilizada em larga escala para suprir a falta de energia que hoje já se verifica em vários países. O conceito é simples: em vez de novos investimentos, é mais barato cortar os desperdícios.
Num estranho paradoxo, em que a pandemia de Covid-19 jogou as economias do mundo inteiro no chão, os preços das várias formas de energia foram às nuvens e nessa bola dividida é que os especialistas passaram a olhar de outra forma para projetos de eficiência energética.
“O Brasil desperdiça cerca de meia usina de Itaipu a cada ano, gerando perdas não só para os consumidores finais da energia mas também na transmissão”, afirmou Viviane Cabral. A Zinng, que já conta com uma filial no Rio de Janeiro, tem projetos em desenvolvimento ou já executados em 16 estados.
Desde a sua criação, a empresa tem um portfólio que engloba mais de 100 clientes, mais de 10 mil painéis solares instalados, mais de 200 projetos implantados e mais de R$ 55 milhões de recursos captados de fundos de investimentos ou chamadas públicas. Todo esse empenho gerou, segundo Viviane, mais de R$ 102 milhões por ano em energia economizada pelos clientes.
A Zinng é uma empresa surgida no bojo das enormes transformações sofridas pela energia elétrica no Brasil, a partir das mudanças introduzidas a partir de meados dos anos 90, quando foram criados a Aneel, a CCEE (antes MAE), o ONS, num processo conduzido pelo PSDB, e, na década seguinte, a EPE, já na gestão petista. Essas mudanças também viraram a área empresarial pelo avesso, com a privatização das distribuidoras, de parte da geração e da transmissão, além do surgimento dos agentes de comercialização e do mercado livre de energia elétrica.
Nos anos 90, pouco se falava em eficiência energética, que era visto como algo meio romântico ou poético e que não guarda relação com o que se pratica hoje. De fato, o Selo Procel surgiu no finalzinho de 1993 e muita gente estranhou quando algumas pessoas começaram a ganhar geladeiras para substituir equipamentos antigos que eram grandes consumidores de energia elétrica e passaram a utilizar máquinas mais modernas e eficientes. Mais tarde, o Selo Procel passou a ser utilizado em televisores, ventiladores e outros equipamentos que utilizam energia elétrica.
O Selo Procel, entretanto, foi o embrião de algo muito maior. Daí à visão atual da eficiência energética, que consiste em virar uma empresa pelo avesso, produzir um diagnóstico detalhado e descobrir as suas vulnerabilidades, indicando os pontos frágeis que podem ser trabalhados para economizar na conta de luz foi um pulo. É nesse momento que surgem empresas focadas exclusivamente na eficiência energética, como a Zinng.
Da mesma forma que a empresa na qual é CEO, Viviane Cabral é um rosto jovem, que não tem relação com o passado sizudo e tecnocrático do setor elétrico brasileiro, normalmente habitado por homens e engenheiros eletricistas. Ela é graduada em Ciências Contábeis e especialista na área de Finanças. Nascida em Brasília, trabalhou durante seis anos em Angola, numa empresa privada da área de Tecnologia da Informação.
Voltou para o Brasil e se agregou à Zinng, onde é dona de 35% da empresa, mesma parcela que pertence à engenheira Mariana Queiroz, fundadora da organização que inicialmente se chamou Sage. Os outros 30% são do analista de Sistemas Marcelo Oliveira, que Viviane conheceu em Angola.
O ano de 2015 foi emblemático das transformações sofridas pela Sage/Zinng. Em inglês, zing — com um N — pode ser entendido como vitalidade ou entusiasmo, o que é representativo da forma como Viviane Cabral traduz a forma de trabalho da fintech.
Em 2015, a Zinng começou a participar das chamadas públicas abertas pelas empresas, como consequência da Lei da Eficiência Energética, que destinou 0,5% da Receita Operacional Líquida das distribuidoras de energia elétrica para aplicar em projetos de eficiência energética. Os primeiros clientes foram duas empresas de Brasília, o Uniceub e o Hotel Garvey.
Através dessa lei, as concessionárias repassavam o recurso a fundo perdido aos clientes, que executavam os projetos e pagavam a parte da Zinng. Em 2016, a carteira de clientes subiu para oito, mas, em 2017, a empresa começou a buscar clientes fora do Distrito Federal, devido a uma mudança na filosofia do incentivo fiscal. O recurso a fundo perdido passou a ser reconhecido apenas para organismos públicos, sendo que uma parte ainda foi destinada à modicidade tarifária.
“Fomos à luta e nosso portfólio hoje conta com mais de 100 clientes. Combatemos o desperdício de energia e nessa luta realizamos um levantamento criterioso das condições de cada cliente. Também nos colocamos como uma empresa de soluções financeiras, daí a utilização do termo fintech”, esclareceu.
A diretora da Zinng registrou que o dia 07 de janeiro de 2022 representa um outro marco na história da eficiência energética no Brasil. Foi a data em que o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Marco da Geração Distribuída. A partir de agora, as distribuidoras poderão cobrar pelo uso do fio, mas não haverá qualquer cobrança para quem se habilitar no prazo de um ano. Isso gerou uma corrida a projetos de geração distribuída, pois ninguém quer pagar o custo adicional que incidirá sobre o fio da distribuição a partir de janeiro de 2023.
No dia a dia da fintech de energia, Viviane considera muito relevante o papel desempenhado pelos fundos de investimentos, que ela classifica como “parceiros” e que, na sua visão, representam um grande diferencial nas operações da empresa. A participação dos fundos ocorre através de uma figura jurídica conhecida como Sociedade em Conta de Participação (SCP), na qual a Zinng é responsável pela operação e o fundo entra apenas como investidor.
Nesse relacionamento, a fintech repassa aos fundos de investimentos os balanços produzidos pela auditoria independente e todas as demonstrações exigidas pela CVM. “A credibilidade decorre dessa transparência”, frisou.
Olhando para o ano que apenas começou, a diretora da Zinng se considera otimista. “Na nossa visão de futuro, queremos focar em grandes clientes do setor privado, que têm contas mensais de energia superiores a R$ 50 mil. Estamos de olho em organizações de vários setores, como hospitalar, agrícola, varejista, clubes, condomínios e shoppings, entre outros”, assinalou.
Geograficamente, o foco de atenção da Zinng estará concentrado numa vasta área, que, além do Distrito Federal e o vizinho Goiás, também abrange Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Tocantins, São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. “São regiões nas quais encontramos um custo do megawatt/hora/ano superior a R$ 500,00, o que representa uma convergência para projetos de eficiência energética, considerando o retorno do investimento”, esclareceu.
Para este ano, a empresa obviamente pensa em crescer e quer agregar 16 novos contratos, o que poderá significar 45% a mais no seu faturamento, que no ano passado ficou em cerca de R$ 5 milhões. “Crescer é importante, mas é um conceito que precisa ser trabalhado com muita atenção. Queremos crescer com qualidade naquilo que fazemos. Não adianta apenas crescer e não entregar o produto”, finalizou.