Associações querem mais biometano nas redes
Da Redação, de Brasília (com apoio da Abegás) —
Impulsionar o uso de biometano pelas concessionárias de distribuição de gás canalizado. Este é o principal objetivo da parceria formada no início deste mês pela Associação Brasileira de Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás) e Associação Brasileira do Biogás (Abiogás).
As duas associações formaram um grupo de trabalho para desenvolver ações e mecanismos que incentivem a injeção do biometano nas redes de distribuição das empresas – são aproximadamente 20 concessionárias em operação em todas as regiões do País. A primeira reunião do ‘GT Biometano Abegás e Abiogás’ foi realizada no dia 11 de maio, em São Paulo, com integrantes das duas associações e representantes das distribuidoras e produtores de biometano.
Segundo o Diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça, a constituição desse grupo de trabalho com a Abiogás é muito oportuna. “A produção de biometano tem amplo potencial de expansão nos próximos 10 anos. Nossa intenção é transformar em realidade todo esse potencial”, diz Mendonça.
“O biometano é o biogás processado conforme a composição química prevista na regulamentação da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), ficando adequado para ser injetado na mesma rede já utilizada para a distribuição de gás natural. Do ponto de vista técnico e regulatório, portanto, não existe nenhum impedimento para que as distribuidoras façam aquisição de biometano – a tecnologia já é dominada no Brasil, inclusive com um case de sucesso no Ceará. Nossa missão conjunta é trabalhar para tornar o produto viável, tanto da lógica dos produtores como da demanda, ampliando a competitividade”, explica o executivo da Abegás.
De acordo com a gerente executiva da Abiogás, Tamar Roitman, a produção atual é de 400 mil metros cúbicos/dia, mas esse volume deve crescer significativamente com as 25 novas usinas já anunciadas, somando investimentos de aproximadamente R$ 60 bilhões até 2030 para ofertar 30 milhões de metros cúbicos/dia. O potencial total do setor, segundo estimativas da Abiogás, pode chegar a 120 milhões de metros cúbicos/dia.
“A integração do biometano com o gás natural é essencial para alcançar os objetivos do Novo Mercado de Gás, que visa estimular a competição, eliminar barreiras de entrada de novos ofertantes, acabar com a concentração de mercado e flexibilizar a atuação de consumidores livres, entre outros aspectos. O biogás está distribuído por todo o país e pode promover a criação da demanda e atração de investimentos regionais. Não há dúvida de que a logística para a distribuição de gás, seja renovável ou não, é primordial para a economia do país, que deve se beneficiar das suas grandes oportunidades de produção nacional de combustíveis gasosos”, afirma Tamar.
“O País tem muito a ganhar incentivando a produção de biometano. É uma economia circular, que contribui para a agenda de descarbonização de diversos consumidores”, completa Tamar.
“Temos todo o interesse nessa agenda”, reforça o diretor de Estratégia e Mercado da Abegás. “O crescimento da oferta de biometano pode trazer mais opções para diversificar o portfólio nos processos de aquisição de gás para as distribuidoras, ampliando a competitividade do insumo para os consumidores”, acrescenta ele.
Distribuidoras buscam aquisição de biometano
As associadas da Abegás veem o biometano com crescente interesse. Uma das principais referências é o exemplo da Companhia de Gás do Ceará (Cegás) com a GNR Fortaleza.
Pioneira no Brasil, a Cegás começou a injetar o biometano em sua rede em maio de 2018 – e hoje, o insumo representa quase 15% no volume de distribuição da companhia cearense. “Esse é um dos maiores percentuais de gás renovável do mundo injetado em rede por uma distribuidora. Com isso, a Cegás conseguiu diversificar o seu portfólio de suprimento e oferecer um produto renovável, o que é importante para esse movimento de transição energética”, diz o diretor-presidente da Cegás e presidente do Conselho de Administração da Abegás, Hugo Figueirêdo.
Figueirêdo, inclusive, vai apresentar o case da Cegás na 28ª Conferência Mundial do Gás (28th World Gas Conference, ou WGC2022), que ocorrerá entre os dias 23 e 27 de maio com o tema “Um Futuro Sustentável – Movido a Gás”. Ele vai falar sobre as lições aprendidas pela Cegás na condução desse projeto, a partir de artigo elaborado por ele em conjunto com quatro colaboradores da empresa (Maria Nilce Quinderé Cals, Vanessa Maria Barbosa Nascimento, Sergio Kempenich e Marcos Lima Leandro Sucupira). No evento, Figueirêdo participa ainda da mesa “Inovação do Gás e Renováveis para um Sistema de Energia Mais Limpo”, que debaterá os papéis do gás natural e das fontes renováveis para reduzir a emissão de CO2.
O biometano distribuído pela Cegás é proveniente do uso de resíduos sólidos do Aterro Sanitário Municipal Oeste de Caucaia, localizado na Região Metropolitana de Fortaleza. O energético, produzido pela GNR Fortaleza, uma parceria entre a Marquise Ambiental e a MDC (por intermédio da Ecometano), era inicialmente fornecido a uma fábrica do setor cerâmico – sua distribuição ao consumidor em geral foi possível a partir da regulação criada em 2017, especificando as características que o biogás precisaria ter para ser distribuído na rede das distribuidoras como biometano. A GNR Fortaleza aumentou recentemente sua produção em 20% para cerca de 100 mil metros cúbicos diários de biometano.
A MDC produz anualmente cerca de 120 mil metros cúbicos de biometano e essa oferta vai crescer em 50% em 2023 com a entrada em operação da terceira planta da companhia de energia renovável. “A MDC é pioneira no desenvolvimento do biometano no país e começamos nossa produção em 2014, no Rio de Janeiro. Hoje, esse mercado está se desenvolvendo rapidamente e o melhor exemplo de como esse biocombustível tem potencial para expandir a oferta de gás renovável está no Ceará, a única planta no Brasil que injeta o biometano diretamente na rede de gasoduto. Em São Paulo, nosso próximo projeto em Caieiras também estará conectado à rede de distribuição”, explica a presidente da MDC, Manuela Kayath.
“Há uma demanda forte dos consumidores industriais pelo biometano, que traz maior previsibilidade de preços e reduz sensivelmente a pegada de carbono. Como empresa pioneira na distribuição nas redes de gás natural, estamos prontos para ajudar a desenvolver ainda mais esse mercado”, adiciona Manuela.
Distribuidoras de outros estados também dão passos vigorosos para a aquisição de biometano. Em São Paulo, a GasBrasiliano será a primeira concessionária do País a distribuir 100% de biometano em uma rede dedicada que está construindo no oeste paulista.
Essa iniciativa é fruto de um contrato entre a distribuidora e a usina Cocal, cuja planta de biogás de Narandiba, no oeste paulista, recebeu investimentos de R$ 150 milhões para estruturar a produção de biometano a partir do processamento de dois resíduos da cana-de-açúcar: a vinhaça e a torta de filtro. Já a GasBrasiliano fica responsável pela construção de 65 quilômetros de gasodutos para a distribuição do energético na região. O gás, cuja planta tem potencial de produção estimada em até 25 mil metros cúbicos/dia, será entregue aos municípios de Presidente Prudente e Pirapozinho.
Em junho do ano passado, a GasBrasiliano assinou um contrato com uma fábrica de biscoitos e massas instalada em Presidente Prudente, o que demonstra o interesse do mercado. A previsão do início da distribuição do biometano através da rede isolada de gasoduto é a partir do segundo semestre de 2022.
No final de dezembro, a Companhia de Gás do Estado do Rio Grande do Sul (Sulgás) e a empresa SebigasCótica firmaram o primeiro contrato de suprimento de biometano do estado, como resultado da chamada pública para aquisição lançada pela Sulgás em 2020. Com o contrato será instalada, no município de Triunfo, uma central de tratamento integrado de resíduos da atividade agrossilvopastoril, com capacidade para receber resíduos da agroindústria, que serão transformados em biocombustíveis. O volume inicial estimado para os cinco primeiros anos do contrato de suprimento com a Sulgás é de 15 mil metros cúbicos/dia, a contar de 2024, ano em que está previsto o início da entrega. De acordo com o contrato, essa capacidade poderá ser ampliada para 30 mil metros cúbicos/dia a partir do sexto ano.
“Buscar soluções que tenham impactos positivos no meio ambiente é uma prioridade da Sulgás”, comenta o presidente da companhia, Carlos Camargo de Colón.
“O biometano, além de ter um impacto ambiental positivo, é uma fonte de gás local, que gera emprego e renda, desenvolvendo economicamente as regiões onde são implantados. Este projeto também poderá incentivar a instalação de novos empreendimentos semelhantes em outros locais, ampliando o acesso dos consumidores a um combustível com as mesmas especificidades e aplicações do gás natural”, acrescenta Colón.
“Além disso, diversificar nossa fonte de suprimento, especialmente nesse momento de alta de preço do petróleo e gás, é um movimento importante para o mercado de energia”, reforça o executivo da Sulgás.
Outra empresa que trabalha para fazer aquisição de biometano é a Companhia Paranaense de Gás (Compagas), que prevê lançar no segundo semestre do ano uma chamada pública específica com essa finalidade, com planos de estimular o aproveitamento da geração de resíduos orgânicos das agroindústrias, estações de tratamento de esgoto, avicultura, suinocultura, aterros sanitários, entre outros.
“Esta é uma oportunidade para atender demandas de localidades do Estado não atendidas pela rede de distribuição, mas também de ampliar o uso do biometano nos mercados cativos em alinhamento às práticas de sustentabilidade. Estamos preparando a Compagas para oferecer um combustível renovável aos seus consumidores”, destaca o diretor-presidente da Compagas, Rafael Lamastra Junior.
No Nordeste, a Companhia Pernambucana de Gás (Copergás) lançou em fevereiro o edital para a primeira chamada pública em Pernambuco destinada à aquisição de biometano, que prevê o início do fornecimento para 1º de janeiro de 2024, com prazo de contratação de 10 anos e volume mínimo de 3 mil metros cúbicos/dia. “Recebemos quatro propostas de fornecimento, resultantes da chamada, e temos boa chance de em breve ter um primeiro contrato de biometano”, diz o diretor-presidente da Copergás, André Campos.
Um dos focos estratégicos da Abegás e da ABiogás, com a parceria, é incrementar o uso do biometano para veículos pesados. “O Brasil, hoje, importa cerca de 6,5 bilhões de dólares de óleo diesel. O gás e o biometano podem ajudar nessa transição para uma matriz mais limpa e competitiva”, diz o diretor de Estratégia e Mercado da Abegás, Marcelo Mendonça.
Em São Paulo, a Companhia de Gás de São Paulo (Comgás) e a Scania, fabricante de veículos pesados, firmaram uma parceria em 2021 para desenvolver o mercado de veículos pesados a gás. A Scania produz caminhões que podem usar tanto gás natural como biometano ou mistura de ambos. E o veículo tem despertado interesse de companhias que buscam uma transição energética — do diesel para o gás natural ou biometano. Além disso, o novo contrato de concessão da Comgás, prorrogado até 2049, já prevê a contratação de biometano – sempre que em condições competitivas.