Fase: SEB é caro e tem governança ruim
Maurício Corrêa, de Brasília —
O Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase) concluiu a proposta que, em nome das 27 organizações empresariais que o constituem, será oficialmente encaminhada aos presidenciáveis, tão logo as assembleias partidárias indiquem os nomes definitivos dos candidatos à Presidência da República.
O site “Paranoá Energia” teve acesso ao documento, que tem 53 páginas e foi preparado com ajuda da consultoria Volt Robotics. São cinco temas prioritários, contendo 16 propostas, que poderão auxiliar os candidatos a definir os seus programas de governo na área de energia.
Embora 27 organizações sejam associadas ao Fase, o documento é assinado só por 20. Fontes ouvidas por este site se dividiram em relação a essa questão. Uma minimizou o fato, sob o argumento que documentos com assinaturas em conjunto nem sempre conseguem contemplar todas as demandas. Nesse contexto, assina quem pode assinar.
Outra fonte, contudo, salientou que algumas associações não participam do documento porque são contrárias ao posicionamento do Fase em relação ao PL 414, que é citado na proposta na parte relativa à modernização do SEB.
O documento preparado pelo Fase é arrasador no seu diagnóstico e mostra em bom português que o setor elétrico brasileiro é caro, tem uma governança atrasada e poderia contribuir de melhor forma para transformar a realidade sócio-econômica do País.
Segundo o Fase, o modelo atual do setor elétrico enfia a mão peluda com vontade nos bolsos dos consumidores de energia elétrica. Em 2012, por exemplo, a Tarifa Residencial média do Brasil era de R$ 362,15/MWh; em 2021, o valor médio subiu para R$ 622,60, representando um acréscimo de 75%. “Se os reajustes ocorressem pela inflação oficial, medida pelo IPCA, o reajuste seria de 63%. Ou seja, nos últimos 10 anos, a tarifa de energia elétrica cresceu 12 pontos percentuais acima da inflação”, diz o diagnóstico preparado pelo Fase.
Não é alentador para nenhum brasileiro saber que está pagando mais do que deveria pela energia elétrica consumida, mostrando que é um problema que efetivamente precisará ser enfrentado pela próxima gestão governamental. Deve ter gente dentro do Fase que não gostou muito dessa parte do documento, pois na prática equivale a uma confissão de culpa e contribui para que os congressistas possam tomar decisões contra os reajustes tarifários do setor elétrico.
Há poucos dias, um movimento de rebeldia contra essa situação surgiu dentro do Congresso, que tomou a iniciativa de criar mecanismos que evitem essa tungada contra o consumidor de energia elétrica. Curiosamente, o SEB em peso se manifestou contra a iniciativa dos congressistas de podar na marra o reajuste das tarifas de energia elétrica.
Entretanto, na visão do Fase, “decisões do Congresso acabam distorcendo o planejamento do Setor Elétrico que deveria ser norteado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), e as próprias instituições do Setor Elétrico apresentam áreas cinzentas entre suas atribuições. As incertezas criadas reduzem a confiança no setor, com impactos sobre investimentos e, sobretudo, na tarifa do consumidor final”.
Os autores da proposta do Fase aos presidenciáveis garantem que as sugestões apresentadas pelas associações do setor elétrico possuem o potencial de reduzir a conta de energia entre R$ 50 bilhões e R$ 80 bilhões por ano, representando uma redução tarifária da ordem de 20% a 30%. “Em termos de inflação, haveria uma redução de 1,2% a 1,5%, com impactos positivos em toda a economia, incluindo a geração de renda e empregos”, assinala a proposta.
O Fase, no documento, criticou a condução governamental da recente crise hídrica, que, no entendimento do Fórum, poderia ter custado menos para os consumidores.
“A urgência para que as prioridades trazidas pelo Fase sejam transformadas em planos de governo e políticas públicas também pode ser evidenciada, por exemplo, pelo enfrentamento da crise hídrica de 2021. A recente crise hídrica levou os reservatórios das hidrelétricas a níveis críticos de armazenamento. Diante do risco de haver a necessidade de promover um racionamento de energia, inúmeras iniciativas foram tomadas, incluindo a criação – via Medida Provisória – da Câmara de Regras Excepcionais para Gestão Hidroenergética (Creg), o acionamento intensivo de todas as usinas termelétricas, despachando inclusive usinas com custos muito elevados, a importação de energia elétrica de países vizinhos, a preços também extremamente elevados, e uma série de programas de bonificação para consumidores que reduzissem seus consumos ou para geradores que ofertassem energia adicional nos horários de pico”, salienta o diagnóstico do SEB feito pelo Fase.
Segundo o Fórum, o custo total do enfrentamento da crise hídrica foi da ordem de R$ 28 bilhões. “Somente os encargos pagos diretamente na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), que incluem os custos das termelétricas e da importação de energia elétrica da Argentina e do Uruguai, somaram R$ 23 bilhões. Outros custos devem ser ainda adicionados, como o programa de bonificação para os clientes cativos, de R$ 2,4 bilhões, e outros custos acessórios”.
As associações do setor elétrico não duvidam que “a crise hídrica poderia ser enfrentada a um custo menor, caso houvesse um maior engajamento dos consumidores, políticas de operação que preservassem os reservatórios e uma formação de preços mais eficiente, que alocasse o custo das termelétricas aos agentes que continuam a consumir no momento de crise”.
No material a ser encaminhado aos presidenciáveis, está claro que, quem assumir o comando do Brasil, em janeiro de 2023, precisará de muita força política para acertar as pontas soltas do setor elétrico brasileiro, pois a coisa está mais ou menos entregue às baratas e cada órgão atira numa direção.
Para as associações, o futuro governo precisará ser rápido no gatilho para enfrentar os problemas do SEB. Por isso, o documento propõe aprimorar a governança setorial, reduzir encargos e subsídios, modernizar o mercado de energia, acelerar a abertura do mercado e promover a atração de investimentos.
“Este material deve ser tomado como base para fomentar discussões para que a energia elétrica seja cada vez mais um vetor de desenvolvimento econômico, ambiental e social. Ao SEB apresentam-se inúmeras oportunidades de melhorar a definição dos arranjos institucionais, elevar os padrões de governança, modernizar marcos legais, alocar custos e riscos com maior eficiência, e mais uma série de medidas que devem proporcionar uma estrutura voltada para garantir a oferta de energia renovável, competitiva e segura a todos os brasileiros”, destaca a proposta feita pelo Fase.
Para produzir o documento, os consultores escolhidos pelo Fase conversaram não apenas com as associações integrantes do Fórum, mas, também, com as autoridades do SEB. Todas elas afirmaram que trabalham em harmonia com as outras. Mas o documento mostra uma realidade completamente diferente, evidenciando que cada órgão vinculado ao MME toca o seu dia a dia de acordo com os seus interesses próprios, sem dar muita bola para o que o restante dos órgãos oficiais do SEB está fazendo. Ou seja, não há unidade de ação.
Diz o documento, em linguagem polida, que entre os órgãos que direta ou indiretamente integram a área de influência do Ministério de Minas e Energia não se fala a mesma língua:
“Atualmente, dada a complexidade do tema, é difícil afirmar que os diversos objetivos e indicadores estratégicos das instituições estão alinhados com os objetivos setoriais de energia renovável, confiável e acessível. A Aneel possui 16 objetivos estratégicos e mais de 70 indicadores. A EPE possui 11 objetivos estratégicos medidos por 34 indicadores. O ONS possui seis objetivos estratégicos e 33 indicadores no total. A CCEE possui nove objetivos estratégicos e, ao menos, 17 indicadores. Todas as instituições afirmam que estão trabalhando de forma mais integrada umas com as outras, e que vêm aprimorando o relacionamento entre elas, porém é importante estabelecer métricas e criar evidências para medir essa integração”.
Uma lição básica da área de planejamento consiste em saber que quem tem muitos objetivos estratégicos acaba não tendo nenhum. Essa pode ser uma das razões que às vezes dão a entender que o MME parece andar de lado.
Os autores da proposta têm a firme convicção de que as diretrizes formuladas pelo Fase “colocarão o setor elétrico brasileiro em novo patamar de desenvolvimento, para empoderamento do consumidor, com ganhos relevantes de eficiência”.
As questões evidenciadas pelo Fase mostram que os problemas precisam ser enfrentados com urgência. Um exemplo citado de possível falta de controle é a chamada Tarifa Social de Baixa Renda, que, hoje, alcança 12 milhões de consumidores em todo o País, gerando encargos da ordem de R$ 5,7 bilhões.
Mas, nos próximos dois ou três anos, o número de consumidores com direito ao subsídio na conta de luz deverá pular para 22 milhões de consumidores, com encargos da ordem de R$ 10,7 bilhões. O subsídio simplesmente vai dobrar de tamanho nesse curto período, representando um problemão para o próximo ocupante do Palácio do Planalto.