Eneva intensifica lobby da energia no DF
Maurício Corrêa, de Brasília —
Se você, caro leitor, é daqueles que reclamam do lobby hoje praticado pelo setor elétrico brasileiro, esqueça. Você ainda não viu nada e nem imagina o que está para acontecer em Brasília, a partir de fevereiro de 2023, quando a empresa de gás natural Eneva pretende inaugurar oficialmente a chamada “Casa da Energia”. Esse será um lobby do tipo arrasa-quarteirão.
A Eneva alugou uma casa cinematográfica na QL 20 do Lago Sul, para desenvolver um projeto de lobby a partir da reabertura do Congresso Nacional, no início do próximo ano. E não esconde que pretende atrair para a sua “Casa da Energia” um monte de gente que seja sensível aos argumentos do SEB: profissionais do governo, do Congresso, do Judiciário e jornalistas. No imóvel, será oferecido treinamento a empresas e entidades sobre o funcionamento dos Três Poderes.
O site “Paranoá Energia” apurou que o projeto da Eneva não é para qualquer um. O imóvel conta com 1.100 metros quadrados de área útil, compreendendo seis suítes, 10 vagas na garagem, oito banheiros e piscina. Todo esse conforto dentro de um terreno enorme, possuindo um gramado com estilo e que conta inclusive com sistema próprio de energia solar, o que, aliás, não poderia faltar numa mansão do setor elétrico.
Fontes do mercado imobiliário ouvidas por este site opinaram que o aluguel de um imóvel desse padrão, por baixo, deve se situar entre R$ 25 mil e R$ 30 mil mensais. Não representa muita coisa para uma empresa como a Eneva, que tem enorme geração de caixa e está nadando no dinheiro.
O site também apurou que houve uma apresentação sobre a “Casa da Energia” para dirigentes das associações empresariais do setor elétrico, nesta quinta-feira, 20 de outubro, em Brasília. Na oportunidade, o diretor de Relações Institucionais da Eneva, Marcos Cintra, informou que a empresa de gás está disposta a bancar as despesas com a mansão durante três anos.
Também foi dito que a casa será entregue à Eneva no dia 20 de novembro próximo, pois ainda passa por pequenos ajustes. A inauguração oficial está prevista para 14 de fevereiro, coincidindo com a reabertura dos trabalhos congressuais e logo após o início do próximo governo.
Ao fazer a apresentação para as associações empresariais do setor elétrico, o objetivo da Eneva foi buscar eventual apoio corporativo para o desenvolvimento do projeto de lobby.
Hoje, cada associação pratica o seu próprio lobby, em intensidade bem menor, pois são tratados apenas aspectos isolados de cada segmento. Em casos muito específicos, algumas associações se juntam em torno de interesses comuns. Por exemplo: questões relacionadas com o meio ambiente; algumas decisões regulatórias na área das termeletricidade; impacto nas empresas do SEB de custos gerados pela CCEE ou pela Aneel, etc. É um lobby que tem sido praticado de forma pontual e sistemática, mas em menor escala.
O que a Eneva pretende agora é algo muito mais abrangente. A tal “Casa da Energia” seria um super-lobby, como nunca visto talvez em Brasília. E olhe que esta cidade já viu de tudo. Isso assustou alguns participantes da reunião em Brasília, que temem a repercussão política de se envolver em algo desse tipo.
Embora até entendam a natureza da preocupação da Eneva, fontes ouvidas pelo site (que não querem buscar atritos com uma empresa poderosa como a Eneva, uma gigante da área de energia, que está no mesmo nível de uma Engie e fica só atrás da Eletrobras) opinaram que é evidente que a mansão da Eneva vai “matar” as associações em pouco tempo, subtraindo-lhes a identidade tão duramente conquistada durante muitos anos de trabalho de formiguinha junto ao Governo e ao Congresso Nacional.
A recepção para a ideia da Eneva não poderia ser mais fria do que isso, embora a empresa tenha explicado que pretende trabalhar em conjunto com as organizações já existentes. A própria Eneva, aliás, já participa de várias delas, como a Abraget, a Abraceel (onde Camila Schoti, gerente geral de Trading & Comercialização da Eneva inclusive é vice-presidente do Conselho de Administração) e a Apine.
Na apresentação feita para as associações empresariais, Marcos Cintra enfatizou que é necessário coordenar as forças políticas do setor elétrico brasileiro, trabalho que, hoje, é exercido pelo Fórum das Associações do Setor Elétrico (Fase). Mário Menel, seu presidente, não quis comentar o assunto e se surpreeendeu quando o “Paranoá Energia” o procurou para perguntar sobre a proposta.
O executivo da Eneva disse aos dirigentes das associações, que a mansão será um espaço democrático de construção, uma espécie de “hub” para o SEB, pois, unido politicamente o setor poderá não só lutar com mais eficiência pelas suas causas, mas, também, “se defender de intromissões indevidas”. Um diretor de associação disse que saiu frustrado da reunião pois não soube que “intromissões indevidas” seriam essas.
O diretor de Relações Institucionais da Eneva garantiu que a “Casa da Energia” será dotada de “rígidos” padrões de “compliance”, pautando-se através de processos transparentes e inteiramente profissionais.
Ele deixou claro que três questões incomodam profundamente a Eneva e levaram a empresa a buscar a solidariedade corporativa de outros segmentos do setor elétrico brasileiro para tocar o projeto de lobby.
Uma dessas questões é a Lei da Eletrobras, que, na visão da empresa de gás, abre a porta para novas intervenções de grande amplitude no SEB. A segunda é a MP 1118, que a Eneva entende teria gerado forte tensão entre a Aneel e o Congresso Nacional. Finalmente, a Eneva gostaria de buscar uma outra solução para um projeto do governo denominado “Programa de Transição Energética” (TEJ), através do qual foi prorrogada por 15 anos a outorga do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina.
Para a gigante do gás, é possível, sim, trabalhar no setor elétrico brasileiro de forma mais eficiente, em relação ao lobby. Como exemplo, a empresa lembrou o processo que resultou na chamada “Lei do Gás”, que, no entendimento da Eneva, foi um “case” de sucesso.
Por isso, amplificar o lobby na mansão do Lago Sul seria uma consequência natural desse trabalho em grupo, considerando, segundo Cintra, que Brasília é não apenas o centro político do País, mas que aqui estão localizados o Congresso, o MME e a Aneel. Reúne, portanto, condições ideais para “se prever riscos, antecipar tendências e convencer atores com poder decisório”.
A Eneva está muito entusiasmada com a proposta e acredita que terá a adesão de outros segmentos do setor elétrico brasileiro. Assim que a “Casa da Energia” começar a funcionar, em 2023, por exemplo, a empresa de gás entende que já existe uma agenda dura pela frente. O primeiro item proposto pela empresa é o papel da cobertura da mídia sobre o setor de energia do Brasil.
Mas existem outros interesses prioritários na visão da empresa, como a coordenação dos interesses entre as áreas de energia e o agronegócio, a segurança cibernética do SEB, a geração distribuída, a visão do Ministério da Economia sobre a área de energia e uma “intervenção” do Judiciário na regulação do setor.
A Eneva tornou-se um dos principais “players” do setor elétrico brasileiro. Com o nome de MPX, a empresa surgiu dos sonhos do empresário Eike Baptista. Hoje, é controlada pelo Banco BTG Pactual, que tem 24,15% do negócio, e pela Família Moreira Salles (leia-se Banco Itaú), através da Cambuhy Investimentos, que possui 19,73% da Eneva. Uma gestora de investimentos chamada Dynamo tem 7,9%. Menos de 50% encontram-se nas mãos de outros investidores.
Hoje, a Eneva tem uma geração próxima de 6 GW, o que a torna uma empresa gigante. Seu projeto é chegar em 2030 com algo em torno de 13 GW, ou seja, dobrar de tamanho até o final da década.
Na crise hídrica de 2021, quando o Governo foi obrigado a colocar para gerar todas as térmicas a gás natural do País, para evitar um novo racionamento, a Eneva rachou de ganhar dinheiro.
Com muita grana em caixa, a Eneva saiu às compras. E, no final de maio deste ano, a Eneva anunciou a aquisição da Celse, de Sergipe, pela bagatela de R$ 6,1 bilhões. Esse caminhão de dinheiro não é sem motivo. Localizada no litoral de Sergipe, em Barra dos Coqueiros, a termelétrica da Celse tem capacidade de 1,6 GW e é uma das maiores plantas a gás natural em funcionamento na América Latina.
Essa usina desempenha papel fundamental na segurança energética do Nordeste do país, uma vez que sua capacidade equivale a 15% da demanda de energia da região. A Celse tinha um detalhe extremamente atraente para ser absorvida pela Eneva: está totalmente contratada no ambiente regulado até dezembro de 2044.
Este site tentou falar com o executivo da Eneva mencionado nesta matéria, mas não conseguiu. No início da noite desta sexta-feira, encaminhou um pedido de esclarecimento por e-mail sobre alguns aspectos do projeto da “Casa da Energia”, mas não teve resposta até o momento em que o texto foi disponibilizado no “Paranoá Energia”. O site continua aberto para eventual manifestação da empresa.