Alessandro, da BC, preside o CA da Abraceel
Maurício Corrêa, de Brasília —
A Associação Brasileira dos Comercializadores de Energia (Abraceel) consolidou de vez uma tendência que já se desenhava desde a eleição passada, há dois anos, e fez aparentemente em definitivo a opção pelo grande capital.
Dos oito conselheiros escolhidos através de eleição direta, nesta quinta-feira, 09 de março, em São Paulo, apenas um, Alessandro de Brito Cunha, da BC Energia, de Goiânia, não está vinculado a grupo econômico de grande porte. Ele ficou em segundo lugar na eleição, conquistando 65 votos.
Aliás, numa segunda etapa da eleição, Cunha acabou sendo eleito o novo presidente do Conselho de Administração. Entra no lugar de Ricardo Lisboa, que foi um bom dirigente, mas ficou muitos anos no cargo e era criticado, nos bastidores da associação, por se perpetuar como presidente do CA. A BC Energia se define como “a maior comercializadora de energia elétrica do Centro-Oeste”.
A eleição mostrou uma outra face importante na história da Abraceel. Pela primeira vez, a associação não conta no seu conselho com alguém que esteja representando os distribuidores de energia elétrica. Durante muitos anos, no período difícil de formação, quando era obrigada a sobreviver engolindo muitos sapos, a associação foi controlada pelas comercializadoras ligadas às distribuidoras. Eram tempos cruéis e até lhe davam o apelido pejorativo de “Abradee do B”, o que era muito injusto.
Havia tanta insanidade corporativa nesse período, que conselheiros ligados a distribuidoras, dentro da Abraceel, trabalhavam contra os interesses da comercialização e, sim, a favor da distribuição.
Não é piada. Essa vergonha, a Abraceel não passa mais. Em compensação, pelo voto dos seus associados, agora aprofundou as ligações com grupos forrados de dinheiro.
Eduardo Diniz, da Auren, foi o mais votado, com 70 votos. Representa o Grupo Votorantim. Luiz Henrique Macedo ficou em terceiro, com 64 votos. Pertence à Raízen, do poderoso grupo Cosan. Rodrigo Limp, da Eletrobras, alcançou 61 votos.
Bom, Eletrobras, Votorantim e Cosan dispensam comentários. Pedro Kurbhi, da Comerc, num primeiro instante poderia ser visto como alguém das antigas comercializadoras. Só num pezinho, pois metade da Comerc hoje pertence à Vibra, nome atual da Petrobras Distribuidora.
Luiz Fernando Leone Vianna, da Delta, conseguiu ser eleito, com 58 votos. A Delta produz uma ilusão de ótica como a Comerc. Embora seja comercializadora, é o embrião de um grupo enorme, que saiu de uma sala de 30 metros quadrados e quatro funcionários, em 20 anos, e cresceu junto com a Abraceel e o próprio mercado. Hoje, pelos seus méritos, a Delta está presente em vários segmentos da energia, inclusive geração e lubrificantes.
Daniela Alcaro, da Stima, foi a única mulher eleita para o CA da Abraceel. Vai ocupar o espaço que era de Camila Schoti, da Eneva, a qual não concorreu à reeleição. Daniela é uma executiva muito respeitada no mercado. A Stima também é uma comercializadora, mas é outra associada vinculada ao grande capital, sendo uma empresa que tem no seu DNA a presença da poderosíssima Mitsui.
E Sérgio Romani, da Genial Energy, que teve 45 votos, é profissional do mundo financeiro. Essa comercializadora é a antiga Celer e hoje está incorporada ao Banco Genial.
Nesse processo eleitoral, candidatos que representavam as chamadas comercializadoras independentes (ou que conseguiram desenvolver um braço de geração, mas que ainda se reconhecem como comercializadoras) ficaram pelo caminho. Os eleitores queriam os candidatos dos pesos-pesados que atuam no mercado livre.
Em síntese, estão definitivamente enterrados os períodos de romantismo no ML, cuja representação mítica era um homem de terno e gravata (mulheres não participavam desse mercado há 20 anos), com uma pastinha, batendo de porta em porta das empresas, oferecendo algo que ninguém conhecia, que era a energia livre.
Especialistas que acompanham o mercado livre já indicavam que a caminhada das comercializadoras em direção ao dinheiro era apenas uma questão de tempo, na medida em que se aproximasse a abertura pretendida no mercado livre, algo que se acredita acontecerá em 2023.
Isto é, se o governo petista — que não tem qualquer simpatia pelos mercados em geral — não colocar mais obstáculos no processo de expansão do ML. Vale lembrar que, historicamente, os petistas sempre trabalharam contra a ampliação do mercado livre de energia elétrica e o congelaram no tempo e no espaço, ocupando uma faixa que variava entre 25% e 28% da energia comercializada no País. Mais do que isso, seria uma heresia nos tempos bicudos de Tolmaquim, de Hubner, da Dilma e dos bate-paus do PMDB indicados para manter as trevas.
Caberá ao novo CA da Abraceel traçar a estratégia destinada a enfrentar a ignorância e o atraso de núcleos duros do petismo, que ainda acreditam que o setor elétrico é formado apenas por geração, transmissão e distribuição e vivem limitados pela ideologia, como se o Planeta Terra tivesse parado nos anos 50 ou 60.
Na equipe de transição da área de energia, montada pelo presidente Lula em dezembro, alguns integrantes pensavam exatamente dessa forma. E agora estão por aí, dando as cartas, e impedindo o ministro Alexandre Silveira de montar a sua equipe com técnicos que pensam de forma moderna.
Esses petistas do SEB são seres estranhos, que não têm a menor ideia como funciona o complexo mundo do mercado livre de energia elétrica. E no entanto se arvoram a tomar decisões, pois acham que sabem de tudo. Uma dessas pessoas até virou presidente da República.
Com algumas diferenças motivadas pelas mudanças tecnológicas, serão tempos tão desafiadores para os novos conselheiros da Abraceel quanto aqueles que os pioneiros do ML tiveram há 20 anos.