SEB vive momento de baixo astral
Maurício Corrêa, de Brasília —
Engana-se quem pensa que o setor elétrico já absorveu a lambança que o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, fez ao interferir muito negativamente nas indicações de nomes para a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
O SEB está visivelmente preocupado com o que poderá acontecer ainda no atual mandato do presidente Lula, caso Silveira permaneça à frente do MME até o final de 2026.
Especialistas ouvidos por este site, falando em off naturalmente, lamentam que o setor esteja emocionalmente na lona. “Se Silveira for com a mesma incompetência para cima da Aneel, do mesmo modo como tratou a CCEE e o ONS, será um Deus-nos-acuda. Um verdadeiro estrago no SEB”, disse um dirigente de associação, que, discretamente, tem sido um crítico do ministro de Minas e Energia.
De fato, a primeira preocupação que surge em relação à Aneel é a substituição do diretor Hélvio Guerra, cujo mandato termina em 24 de maio próximo. Guerra já não pode ser reconduzido.
Depois dos nomes indicados para a CCEE, ONS e também para a Secretaria-Executiva do próprio MME (quando o ministro escolheu o advogado especialista em Direito Público Arthur Cerqueira Valério para o lugar de Efrain Cruz, um calejado técnico do setor, tendo sido diretor da Aneel) o setor elétrico está literalmente de cabelos arrepiados diante do que Alexandre Silveira poderá aprontar na agência reguladora.
A preocupação com a Aneel não termina em Hélvio Guerra e avança para os anos de 2025 e 2026, quando, respectivamente, terminarão os mandatos dos diretores Ricardo Tili e Fernando Mosna. Ambos ainda podem ser reconduzidos.
Contra eles, entretanto, pesa a questão de terem sido indicados pelo ex-presidente Bolsonaro. Ou seja, ambos têm baixas chances de recondução, pois o PT costuma ser implacável nestas situações.
O problema é que a gestão do presidente Lula vai até o final de 2026. Se Silveira permanecer na Pasta até esse período, o risco para a Aneel e seus diretores está lançado, justificando a preocupação de especialistas do setor elétrico.
Como se tudo isso não fosse suficiente, depois de cinco adiamentos, o Tribunal de Contas da União (TCU) deverá apreciar brevemente um voto que poderá afetar a direção-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Essa decisão não diz respeito diretamente à Aneel, mas pega as agências reguladoras como um todo. Se o plenário do TCU acatar o voto do relator, Sandoval Feitosa dançará à frente da Aneel, abrindo espaço para a indicação de um substituto. Ou seja, mais uma preocupação diante das dificuldades de Alexandre Silveira para indicar gente competente na ocupação de vagas nos organismos institucionais do SEB.
Nos últimos dias, o setor elétrico brasileiro tem estado absolutamente perplexo com os nomes que o ministro Alexandre Silveira encaixou na CCEE e no ONS, embora ele jure de joelhos no caroço de milho que não foi responsável por nada. Pouca gente na área de energia elétrica acredita nele.
O pior de tudo é que a ação desastrada de Silveira fez a convivência entre os segmentos do setor elétrico azedar de vez, pois o ministro não poderia diretamente indicar os nomes dos seus queridinhos para a CCEE e o ONS. Isso só pode ser feito por empresas que operam através dessas áreas.
No caso de Vital do Rego Neto, na CCEE, o nome foi indicado por uma empresa vinculada à associação dos distribuidores, a Abradee. A Cemig Distribuição se prestou ao papel.
No caso de Maurício de Souza, no ONS, a iniciativa da indicação partiu formalmente de uma geradora vinculada à associação Abrage. No SEB, muita gente desconfiou do silêncio da presidente da Abrage, Marizete Pereira, nos dias que antecederam as assembleias da CCEE e do ONS.
No caso da CCEE, por exemplo, três associações (Abiape, Apine e Abeeólica) já haviam batido martelo em torno da eleição de Rose dos Santos. Segundo um especialista que participava das negociações, Marizete foi convidada a engrossar a lista, mas ficou enrolando sem dar uma resposta.
No dia da eleição, descobriu-se que a Abrage já estava comprometida e estava apoiando o nome de Ricardo Takemitsu para a vaga de conselheiro da CCEE. No dia seguinte, houve a surpresa no Operador, onde também teria sido detectada a impressão digital da Abrage e de sua presidente, uma notória governista.
“O Ricardo Takemitsu é um ótimo técnico e bastante reconhecido pelo mercado. Mas a sua indicação foi absolutamente torta, como tudo o que ocorre com os nomes apoiados pelo ministro. Se o nome do Ricardo tivesse sido lançado previamente, tenho a certeza que teria o apoio unânime da assembleia. Mas foi uma carta tirada da manga em cima da hora e isso fez com que a sua indicação ficasse sob desconfiança de ter sido uma interferência ministerial”, comentou uma fonte.
A mesma fonte não tem dúvidas que a Abrage “trabalhou” em favor do nome de Ricardo Takemitsu, sem contar o próprio presidente do Conselho de Administração da CCEE, Alexandre Peixoto, que ligou pessoalmente para algumas associações, pedindo apoio ao nome. Takemitsu em determinado momento foi tirado do MME e convidado para trabalhar na própria CCEE, já na gestão de Peixoto. “A eleição do Ricardo Takemitsu não foi por acaso”, confidenciou uma fonte ao site Paranoá Energia.
Agora, os segmentos que discordaram das iniciativas da Abradee e da Abrage estão cuspindo fogo contra as duas associações, que classificam como chapas brancas.
Revolta mesmo no SEB causou a ação de Silveira em relação ao Operador Nacional do Sistema Elétrico, o ONS. O Operador é considerado por unanimidade uma espécie de elite do setor elétrico brasileiro. É o núcleo que controla o funcionamento do sistema. Algumas fontes classificam o ONS como mais importante até que o próprio Ministério de Minas e Energia.
Vale lembrar que o SEB é reconhecido como um dos melhores do mundo. E, nesse núcleo de excelência, o ONS tem um papel histórico, que remonta aos tempos do regime militar, quando foi criado o sistema interligado.
Foi vista como uma enorme desconsideração do ministro com o Operador a indicação do seu chefe de gabinete, Maurício de Souza, para ocupar a vaga de Marcelo Prais na diretoria do ONS. “Faltou ao ministro apreço pela História do ONS”, lamentou um veterano técnico do setor elétrico.
Ao longo de vários anos, Prais deu inúmeras demonstrações de sólidos conhecimentos e competência técnica. Tanto que ele sempre foi considerado como um técnico que estava sendo preparado (e treinado) para assumir a direção-geral do Operador, em algum dia. A sua surpreendente substituição por um especialista em História e Direitos Humanos foi considerada uma espécie de ofensa não apenas a Marcelo Prais, mas também a todos os técnicos que trabalham no Operador e que se orgulham do que fazem.
Uma fonte lembrou a este site que a atividade desempenhada pelo ONS é como uma apólice de seguro. Só se lembra da seguradora depois que acontece algum acidente. No dia 15 de agosto de 2023, por exemplo, houve um apagão que deixou sem energia todas as unidades da Federação, menos o Estado de Roraima, que ainda não está interligado ao resto do País.
Sua Excelência, o ministro, pisou feio na bola. Imediatamente chamou a Polícia Federal para apurar as causas do blecaute. Ao mesmo tempo, lançou a tese absurda que a falta de luz em todo o País tinha sido causada pela privatização da Eletrobras. Duas atitudes absolutamente sem pé e sem cabeça, que, pela total falta de nexo, horrorizaram o setor elétrico brasileiro como um todo, mesmo entre aqueles que apoiam o Governo.
O ONS — que é constituído por técnicos que conhecem o seu trabalho e não se impressionam com eventuais pressões ministeriais — não só cumpriu a sua função de religar rapidamente o sistema, como começou a investigar o apagão e descobriu, em pouco tempo, que blecaute ocorreu em consequência da “performance em campo dos equipamentos de controle de tensão de diversos parques eólicos e fotovoltaicos, no perímetro da Linha de Transmissão Quixadá-Fortaleza II, no Ceará”. Ou seja, um prosaico defeito técnico, como já se imaginava desde o primeiro momento.
Outra fonte ouvida pelo site levantou uma questão hipotética relevante. O Governo do presidente Lula tem verdadeiro horror quanto ao menor risco de faltar energia. Os petistas sabem que se elegeram, em 2002, em grande parte às custas do desastre que foi a gestão de energia no Governo FHC, que culminou no racionamento de 2001/2002. Então, o PT sabe quanto dói na carne não ter informações precisas sobre a área de energia elétrica, pois ela certamente derruba governos.
Entretanto, de acordo com esse raciocínio, o presidente corre riscos. Algumas pessoas do Governo, nos bastidores, hoje se preocupam com a falta de energia na Colômbia, um país que é não apenas vizinho, mas também é possuidor de um sistema hidrotérmico bastante semelhante ao brasileiro.
Vários especialistas entendem que o Brasil não corre o risco de ficar sem energia, como está acontecendo na Colômbia e no seu vizinho Equador, pois a energia está sobrando no Brasil. Mas existe, sim, uma preocupação de o Brasil chegar numa situação de ficar com um setor elétrico desorganizado, o que poderia comprometer as metas de desenvolvimento econômico. Acredita-se que com Silveira esse risco existe.
No MME, o ministro não conhece bem a área. Seu secretário-executivo menos ainda. E, no ONS, que é outro setor vital em termos de informações técnicas, está se criando uma situação que poderá se transformar num problemão.
Os diretores Elisa Bastos e Christiano Vieira são qualificados tecnicamente, mas ainda são considerados jovens promissores, pois estão em fase de aprendizado sobre a Operação, depois de passarem pelo MME e pela agência reguladora. Ainda precisam de uma boa caminhada para atingir o ponto em que já se encontram outros técnicos do Operador, até mesmo em níveis abaixo deles na hierarquia da organização.
O novo diretor-geral, Marcio Rea, é um ilustre desconhecido, embora tenha sido dirigente da geradora Emae, recém-privatizada. Nesse contexto, Rea é uma incógnita. Conhece ou não conhece a Operação? Não se sabe com certeza. Ele entra no lugar de um veterano, que é Luiz Carlos Ciocchi.
Maurício de Souza, o famoso especialista em Direitos Humanos e História, chefe de gabinete de Alexandre Silveira, que conhece a Operação talvez tanto quanto o porteiro do MME, entrou no lugar de Marcelo Prais. Seria impiedoso esperar alguma coisa da parte de Souza.
Sobra Alexandre Zucarato, que já tem uma boa experiência no setor. Ou seja, o Governo está efetivamente órfão.
Enquanto isso, o setor elétrico vive um estranho momento de confusão, desconfiança, intriga e desilusão. Tudo por conta de escolhas mal feitas pelo ministro de Minas e Energia.
Vai levar um tempinho para consertar tudo isso. Tapinhas nas costas e sorriso farto não resolverão o problema, até porque o estilo de Alexandre Silveira não agrada ao SEB e, portanto, não contribui para melhorar a situação.