Planejamento do setor elétrico precisa melhorar
O Brasil tem um setor elétrico que ainda é motivo de admiração em todo o mundo. Temos empresas, cursos de Engenharia Elétrica e técnicos da melhor qualidade. Em consequência, sucessivos governos, ao longo de décadas, usufruíram dessa qualidade e com isso o setor elétrico brasileiro se destacou internacionalmente.
Mas, em um aspecto, temos sido ineficientes nos últimos anos e a culpa não é apenas do PT ou da EPE. Precisamos, e muito, melhorar a qualidade do planejamento do setor elétrico, pois trata-se de uma área de fundamental importância e nela temos errado feio desde o fim do regime militar.
É verdade que o setor elétrico, sob os militares, baseou o seu planejamento em duas questões básicas. A primeira é que com a ditadura não havia oposição, o que torna mais fácil o ato de governar, dentro da teoria de que manda quem pode e obedece quem tem juízo. A segunda é que toda a doutrina militar dá muita importância ao longo prazo. E, nessa condição, é fundamental saber planejar para que, lá na frente, as opções militares, quando necessárias, sejam as mais corretas possíveis. O planejamento, na época, lucrou com essa visão do Estado.
Com a redemocratização começaram a surgir diversos problemas no planejamento setorial, que acabaram resultando no grande fiasco do Governo Fernando Henrique, que foi o racionamento de 2001/2002. O presidente Fernando Henrique entrará para a História como um presidente de muitas realizações. Curiosamente, no seu primeiro Governo, a gestão do setor elétrico foi muito positiva. No segundo, um caos.
Só não foi um desastre total porque o então ministro da Casa Civil, Pedro Parente, arregaçou as mangas, chamou para a si a responsabilidade e soube fazer do limão uma limonada, trabalhando duro para que a gestão da crise da falta de energia elétrica fosse um “case” de grande sucesso. E foi, ninguém pode negar.
No Governo do PT, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), que tem, há vários anos, o professor Maurício Tolmasquim na presidência. O professor Tolmasquim é um homem público honrado e dedicado. Pode-se perfeitamente discordar dele, mas não se pode desconhecer que é um dirigente afável, sério e estudioso. Graduou-se em Engenharia e Economia. Fez curso de doutorado. Foi ministro de Minas e Energia. Autor de vários livros, tem um currículo que poucos podem apresentar. Embora o editor deste site respeite o professor Maurício Tolmasquim, não pode dizer, porém, que concorda com todas as suas ideias.
O presidente da EPE tem uma visão defasada do processo econômico. Ele ainda acredita que o Estado é o melhor gestor de tudo, o que pode ser uma enorme distorção da História. Ainda não há perspectiva histórica para julgar em profundidade o trabalho do professor Tolmasquim e a sua influência no setor elétrico brasileiro nos últimos 12 anos, que tem se caracterizado por viés estatizante.
Um dia certamente isso acontecerá e não apenas ele será avaliado pela História, mas também outros que pensam como ele, como Nelson Hubner, Hermes Chipp e Márcio Zimmermann. Este foi o núcleo executivo que teve a responsabilidade, na maior parte do Governo do PT, de tocar o setor elétrico.
No Governo do PT, não é preciso ser um gênio para compreender que o planejamento é um desastre. Basta dar uma olhadinha na economia brasileira. No setor elétrico não poderia ser diferente, mas, aqui, é necessário tirar um pouco o pé do acelerador na crítica à EPE ou ao professor Tolmasquim, pois eles não são culpados de tudo. Isto porque o planejamento setorial baseia-se no planejamento maior da economia. Ora, se o planejamento maior da economia deixa a desejar e é uma lástima, é lógico que o planejamento setorial não pode ficar muito atrás, pois utiliza as premissas geradas pelo Ministério do Planejamento.
Quando se faz uma análise do crescimento do mercado elétrico brasileiro nas últimas três décadas, observa-se o quanto erramos no planejamento setorial, tanto na operação quanto na definição dos planos de obras.
Dramaticamente, o que se vê hoje? Em um lado, os custos de operação das térmicas representam bilhões de reais de gastos anuais. De outro, uma concentração enorme de obras, que talvez não seriam rigorosamente necessárias, mas, mesmo assim, são licitadas.
É verdade que para se ter o desenvolvimento econômico, precisa-se de energia. Entretanto, o que se vê no Brasil, hoje, é uma enorme distância entre o que é planejado e o que diz a realidade. Temos, por exemplo, um atraso de mais de cinco anos no mercado projetado pelo primeiro governo do PT. A previsão do PDE válido para o período 2004-2013 era de que passaríamos de 44.885 MW médios, em 2004, para 68.827 MW médios em 2013. Entretanto, terminamos 2015 com o que aquele PDE havia previsto para 2010, ou seja 63.947 MW médios. E continuamos andando para trás, com o PEN 2016-2020 iniciando suas projeções em 64.573 MW médios, bem abaixo do PEN 2015-2019.
Qual o significado disso tudo? Em primeiro lugar, está claro que, por erro de planejamento, algumas obras foram feitas sem necessidade. Acreditou-se que a economia cresceria muito mais, a economia cresceu muito menos e o resto da história todo mundo já conhece. Isso aconteceu também na indústria automobilística, na indústria imobiliária e outros segmentos. O que tem de ociosidade na economia brasileira, hoje, é algo extraordinário, sem perspectiva alguma de recuperação no médio prazo.
Além disso, houve uma confusão bem típica de um país de terceiro mundo, quando o sistema elétrico foi levado à exaustão devido ao atraso de obras hidráulicas, falta de transmissão com parques eólicos parados sem produção de energia e construção de usinas térmicas vendidas a preços exorbitantes, totalmente fora da lógica de mercado.
E tudo isso ocorreu em um ambiente às vezes meio nebuloso, sem informação ao mercado e à população, terminando no maior acréscimo de tarifas já visto neste país e penalizando os consumidores em geral.
Agora, com a retração da economia nos últimos dois anos, percebe-se também que o resultado atual para a carga é muito parecido com o que ocorreu nos anos de 2001 e 2002 (quando houve redução do mercado através de racionamento). Naquele momento, também não houve transparência. E se hoje o jogo fosse mais aberto e claro, admitindo-se a crise atual, as regras a serem aplicadas seriam menos graves para os agentes envolvidos, inclusive os consumidores.
Entre a crise de 2001/2002 e a atual, há uma diferença fundamental. Naquela época, sabia-se que haveria uma retomada do crescimento econômico, no mesmo ritmo anterior à crise. Nos dias de hoje, com o caos absoluto imperando na economia, é difícil dizer qualquer coisa nessa linha de raciocínio.
O fato concreto é que, hoje, para se poder dizer que o setor elétrico é operado com segurança, provoca-se um enorme desperdício na economia. Afinal, a realidade mostra que existe um parque de geração desequilibrado em consequência de um modelo de preços inadequado. Além de prejuízos aos agentes, há um contexto de tarifas elevadas e altos encargos para os consumidores.
O ministro de Minas e Energia, Eduardo Braga, tem capacidade intelectual e política para fazer com que o planejamento setorial seja um pouco mais pé no chão. É verdade que ele é um ministro do PMDB e o professor Maurício Tolmasquim é um quadro do PT, o que complica um pouco, pois eles não enxergam o mundo da mesma maneira. Mas ambos têm muita responsabilidade e, divergências ideológicas à parte, estão em condições para se entender pragmaticamente, de modo que o planejamento setorial esteja mais afinado com as reais condições da economia brasileira.