Resolução CNPE 03 e Portaria 455 do MME: que tal acabar com elas?
Por volta de 2012, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) estava de corpo e alma envolvida em um projeto, até hoje mal explicado, referente à constituição de uma bolsa de energia elétrica no Brasil, na qual a CCEE — que contabiliza os contratos do setor — teria como sócio uma organização europeia já atuante no mercado de bolsa.
Era uma história meio estranha, pois a finalidade da CCEE não era ser uma bolsa. Mas, para assegurar que o seu projeto de bolsa desse tecnicamente certo, a CCEE enviou uma proposta para o Ministério de Minas e Energia, alterando as regras de registro dos contratos de energia elétrica.
No MME, como as pessoas não conhecem bem como funciona o mercado livre, a proposta enviada pela CCEE foi acatada e se transformou em um monstrengo jurídico também conhecido como Portaria 455.
Imediatamente, os agentes econômicos entenderam que essa Portaria era ilegal e rapidamente entraram na Justiça com o objetivo de barrar os seus efeitos. Lastreada em argumentos jurídicos frágeis, insuficientes para sustentá-la perante até mesmo advogados recém-formados, a Portaria 455 tem apanhado feio na Justiça Federal.
Desde 2013, a Justiça Federal tem dado ganho de causa às ações judiciais impetradas contra a Portaria 455, pois os gênios do MME não entenderam, ao editá-la, que o documento alterava as condições econômicas de contratos já existentes. Por uma ironia do destino, o pai da criança, o então presidente do Conselho de Administração da CCEE, Luiz Eduardo Barata Ferreira, hoje é o secretário-executivo do MME.
Há poucos dias, o secretário-executivo do MME recebeu dirigentes e conselheiros da Associação Brasileira dos Investidores em Autoprodução de Energia (Abiape), que lhe pediram o cancelamento da Portaria 455. Não foi falado desta forma, mas seria uma espécie de derrota honrosa para o Governo, considerando, ao que tudo indica, que o MME não tem a menor chance de ganhar essa na Justiça. Nas liminares impetradas pelas associações empresariais, todas as decisões, em todos os níveis, dão ganho de causa aos agentes econômicos, o que faz crer que o resultado final aponta para uma derrota do MME.
Na mesma audiência, o secretário Barata ouviu outra ponderação da Abiape: além de colocar um ponto final na Portaria 455, o MME poderia dar uma demonstração de boa vontade com a área empresarial, acabando com outro monstrengo jurídico chamado Resolução nº 03 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Este normativo foi, digamos, sugerido ao MME pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que é quem, de fato, dá as cartas em tudo o que diz respeito à operação. No CNPE, a proposta foi oficializada.
Não deu outra. Os agentes também contestaram a legitimidade da CNPE 03 e entraram na Justiça. Ganharam liminares e aguardam os desdobramentos, que, a princípio, lhes são favoráveis.
Em outras palavras, o pedido feito pela Abiape ao secretário-executivo Barata, em nome do bom senso, na realidade representa a saída honrosa para o MME, que de forma autoritária tentou impor duas iniciativas abertamente ilegais aos agentes, foi contestado na Justiça e agora a expectativa é de uma derrota final do Governo.
O secretário-executivo Luiz Eduardo Barata é um homem sensato. Mesmo tendo sido o criador da Portaria 455, hoje nem toca mais no assunto, pois ele sabe que o projeto da bolsa da CCEE foi para o brejo e que tal portaria não tem mais qualquer sentido de natureza prática. Quanto à CNPE 03, ela é de uma outra época, quando o ONS mandava e desmandava no MME. Hoje, ao que parece, o Operador do Sistema ainda tem poder, mas a sua estrela já não brilha mais com a mesma intensidade do passado.
Para os agentes, como não há mais qualquer situação que justifique a existência desses dois normativos, todos teriam só a lucrar se esses dois chupa-cabras jurídicos fossem enterrados o mais rapidamente possível. Lucraria o MME, pois mostraria sensatez ao eliminar duas fontes desnecessárias de atrito com os agentes econômicos. E também lucrariam os agentes, que não gostam de judicializar as situações do mercado e só o fazem quando não há mais opções.
Este site defende a bandeira do diálogo. Mas não do diálogo estilo autoritário, que vigorou no MME entre 2003 e 2014. Este site sempre pensa naquele diálogo baseado na sensatez das partes e na generosidade. O MME do ministro Eduardo Braga poderia mostrar que é diferente do MME do ministro Edison Lobão e que pode ser generoso, sem perder a autoridade, colocando fim na Resolução CNPE 03 e na Portaria 455 do MME. São duas aberrações que não se justificam mais.