“Gás para Crescer” pede mais velocidade
O programa federal “Gás para Crescer” é um dos itens de maior destaque da “Agenda Legislativa” recentemente apresentada, na Câmara dos Deputados, pela Associação Brasileira dos Produtores Independentes de Energia Elétrica (Apine).
Se há um setor da economia brasileira que andou de lado, sob firme controle do Estado, durante o Governo do PT, foi exatamente o do gás natural. Não foi sem motivos. Por questões meramente ideológicas, petróleo e gás, na visão petista, ainda são vistos de forma emocional, como se o mundo ainda estivesse nos anos 50.
Entretanto, o atraso começou a ser questionado quando se reconheceu que a Petrobras estava na lona e que era preciso alterar toda a política de gás. Com a posse do atual ministro de Minas e Energia, Fernando Bezerra Coelho Filho, em maio do ano passado, o gás natural finalmente passou a merecer uma visão moderna por parte do Executivo. Sem contar que o próprio secretário-executivo do MME, Paulo Pedrosa, é não só um entusiasta dos usos múltiplos do gás natural, como também conhece profundamente a questão.
As dificuldades para mudar a área do gás, entretanto, superam em larga escala os entusiasmos pessoais. Este site sabe muito bem que não é fácil desenrolar o nó que envolve o gás natural no Brasil, depois de tantos anos em que a Petrobras mandou no jogo. Também sabe que a equipe atual do MME vem se esforçando para modernizar o segmento. Mas, como mostra a “Agenda Legislativa”, é preciso avançar um pouco mais em relação ao gás e de preferência com maior velocidade.
Hoje, 51% do gás natural se destinam ao uso da indústria, 37% à geração de energia elétrica e 12% aos demais usos. No caso específico da energia elétrica, o gás funciona como uma espécie de seguro. Agora, por exemplo, a região Sudeste/Centro-Oeste está iniciando o período seco e aumentará a utilização do gás na geração elétrica, através do parque térmico.
Nossas dificuldades não se encontram no fornecimento de gás, pois o consumo interno tem sido atendido pela produção doméstica, pelo gás importado da Bolívia e pela importação de GNL. O nosso gargalo localiza-se no desenvolvimento e na liberalização do mercado de gás, pois efetivamente pouco se fez até agora, nestes 11 meses de gestão do ministro Fernando Bezerra Coelho Filho, apesar dos seus esforços pessoais e da equipe técnica do MME.
As razões do atraso são históricas. O mercado nunca se desenvolveu e permaneceu atrofiado durante décadas porque a Petrobras era dona de tudo. Há um emaranhado legal que não é fácil de desmanchar, até mesmo porque, nos bastidores, o viés estatal ainda tem muitos defensores. É por isso que a regulação não avança.
Como mostra com clareza a “Agenda Legislativa” da Apine, “a situação atual tem impossibilitado oferecer estruturas flexíveis de mercado que facilitem o seu desenvolvimento e possibilitem chegar a um equilíbrio entre preços justos ao longo da cadeia produtiva de gás”. O documento também assinala que, apesar da vontade demonstrada no programa federal “Gás para Crescer”, “percebe-se, logo, que o desenvolvimento desse mercado no Brasil ainda está bastante limitado”, sem oferecer aos agentes a necessária segurança jurídica e regulatória. Ou seja, em outras palavras, em relação ao gás o Brasil avança em passo de tartaruga.
Não se pode atribuir toda a culpa ao Governo Federal. Afinal, no Brasil a exploração da atividade econômica do gás natural está sob controle da União, mas os Estados dispõem de competência para editar leis ou normas para disciplinar o serviço de gás canalizado.
Esse choque de interesses entre a União e os Estados têm sido uma enorme barreira ao desenvolvimento do mercado de gás, até porque os Estados tendem a proteger as suas respectivas empresas de gás canalizado. O Governo Temer, que precisa garimpar votos dentro do Congresso a cada proposta em discussão, não tem força política suficiente para enfrentar os interesses estaduais. Então, a política do gás não avança ou segue muito lentamente, quase que em situações apenas cosméticas, revelando uma enorme distância entre o discurso e a realidade.
Nesse contexto, é quase que impossível realinhar o planejamento setorial do gás natural e do setor elétrico, o que já ocorre sem qualquer problema em outros países. Outras medidas mais ousadas, como a criação de um ente neutro, nos moldes do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), então nem se fala. Isso é modernidade demais para um sistema de gás atrasado como o do Brasil. E em um país onde as pessoas ainda se assustam com o mercado livre de energia elétrica, não há muito o que falar diante da mera hipótese de existência de um mercado livre de gás natural. Isso, então, já seria uma espécie de heresia suprema.
Enfim, apesar da tintura de modernidade, eficiência e alta produtividade que existe em alguns poucos setores da nossa economia, o fato é que o Brasil é um país atrasado e isso se reflete com facilidade no segmento do gás natural. Aqui ainda são discutidas questões que já foram superadas em outros países há mais de 20 anos.
É quase desanimador, quando se olha para a “Agenda Legislativa” da Apine, feita com competência, e ao mesmo tempo se lembra que o documento é destinado para um Congresso dominado pelo chamado “baixo clero”, constituído por parlamentares sem qualquer expressão, possuidores de uma visão de mundo arcaica e preconceituosa e que na maioria das vezes só enxergam o próprio umbigo ou os seus interesses paroquiais.
Ao mesmo tempo, essa é a função da “Agenda”, ou seja, trabalhar os argumentos de forma didática, para que todos possam entender — inclusive os despachantes de luxo — e quem sabe, um dia, eles talvez possam se sensibilizar pelo conteúdo. O gás natural merece essa atenção.