O futuro do SEB já começou
No dia a dia às vezes não há condições para se analisar determinada questão sob todos os ângulos. Observa-se que muita gente costuma dizer que, no futuro, o setor elétrico brasileiro será assim ou assado. Isso acontece porque há uma distorção em relação ao tempo: o futuro do SEB, na verdade, já começou e o Brasil, hoje, já dispõe de várias situações que farão parte da agenda nos próximos anos.
É verdade que em alguns aspectos o País ainda está muito atrasado. O acesso ao mercado livre de energia elétrica, por exemplo, ainda é fortemente controlado, pois a visão ortodoxa de alguns técnicos ainda prevalece sobre aquilo que é um direito dos consumidores: optar pelo supridor de qualquer tipo de serviço.
Como não se pode remar contra a História, mais dia, menos dia, alguém vai perceber que o Brasil está super-atrasado em relação ao mercado livre e ele será finalmente ampliado, pois o interesse dos consumidores tem muito mais importância do que a visão de meia-dúzia de iluminados encastelados nos órgãos institucionais, que ainda se apegam ao modelo do passado e não querem perder status.
Acontece com o ML mais ou menos como aconteceu com a informática, durante o fechado Governo Geisel. Um dia, os militares decidiram — com a cumplicidade de alguns empresários nacionais — que o Brasil ia desenvolver uma política própria de informática, ignorando o que acontecia no resto do mundo. Resultado: foi um desastre. Levamos um bom tempo para recuperar o que, durante anos, deixamos de conquistar com os avanços da tecnologia.
Um dia, alguém vai despertar para o fato que, no Brasil, os consumidores de energia elétrica, ao contrário do resto do mundo, ainda não escolhem os seus fornecedores. Aí, haverá a grande mudança. Não há como impedir que isso aconteça, por mais que alguns agentes, como os distribuidores, trabalhem contra a ideia de modernização das nossas relações de consumo.
Entretanto, em outros aspectos, o Brasil tem dado bons exemplos e já começa a produzir os primeiros frutos, graças à sensibilidade da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que está muito antenada para essa questão do futuro. Depois que Aneel flexibilizou a resolução que trata da geração distribuída, começaram a pipocar projetos que induzem ao otimismo.
Um deles é a possibilidade de formação de cooperativas de energia solar. Já existe uma em funcionamento com pleno sucesso, a Coober, no município paraense de Paragominas, provando que pessoas físicas podem se unir, criar uma cooperativa, e ter uma geração própria de energia renovável. O cidadão simplesmente exerce o direito de receber em sua casa uma energia limpa e pronto. Em Paragominas, isso já é uma realidade para os cooperados da Coober.
Agora, a empresa Ebes, como mostrou este site, está iniciando a comercialização de cotas de energia renovável produzida por uma fazenda solar, instalada no município mineiro de João Pinheiro. É um projeto voltado para pessoas jurídicas, na modalidade de consórcio. A empresa pretende implantar 100 fazendas solares no período de três anos, com 5 MW de capacidade instalada em cada uma delas.
Em Curitiba, um grupo empresarial local se associou à concessionária de saneamento básico para produzir biogás — que por sua vez é transformado em energia elétrica, utilizando equipamentos de última geração.
Enfim, são apenas três exemplos de muitos que estão acontecendo no País, provando que o brasileiro gosta da inovação e que, se tem espaço institucional e legal, está disposto a investir para modernizar o setor elétrico brasileiro.
Historicamente, o setor elétrico brasileiro se caracteriza pelo apego às situações já existentes, sendo muito refratário às mudanças. Mas, com o advento da internet, a situação mudou e até mesmo esse setor elétrico muito conservador teve que se mexer, pois tornou-se impossível ignorar as mudanças que ocorrem em outros países.
Nesse contexto, houve boas notícias em uma reunião realizada na semana passada, em São Paulo, quando o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata Ferreira, já antecipou que o Operador, “face às mudanças na matriz e à evolução de TI”, planeja substituir os modelos computacionais hoje utilizados no planejamento e programação da programação eletroenergética, por um modelo que permita a adequada representação das fontes intermitentes (solar e eólica) e a representação das incertezas.
O diretor do ONS também demonstrou preocupação com o papel do novo consumidor e as redes inteligentes. “A inovação e a tecnologia devem ser a pauta do setor elétrico brasileiro, para fazer face às evoluções que têm sido percebidas no mundo. A mudança chegará, provavelmente, antes do previsto”, argumentou Barata, garantindo que, no mais, é preciso “inovar, inovar e inovar”.
O mesmo olhar para o futuro, nesse encontro, também foi manifestado pelo presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luiz Augusto Barroso, que em sua apresentação abriu um espaço para discutir o que, na sua visão, será o setor elétrico do futuro.
Para Barroso, que hoje é o principal técnico da área de Planejamento do MME, já constituem uma realidade as tecnologias de geração com custos variáveis de produção desprezíveis, bem como de elevada variabilidade na energia gerada. Muito se fala em energia solar e eólica, mas ele entende que também é preciso estar atento ao que acontece com os projetos de armazenamento de energia e veículos elétricos. Como se isso não fosse suficiente, as tecnologias de medição avançada e de comunicação bidirecional com os consumidores varejistas tornarão o consumidor um agente “ativo” do setor elétrico.
Por isso, na visão do dirigente da EPE, é preciso se preocupar, já, com os impactos nos estudos de planejamento setorial, considerando que a operação, com todas essas novas tecnologias, precisa ser representada em detalhes. “Precisamos sim, aperfeiçoar o modelo setorial, e começar já. Mas não existe o modelo setorial bom, bonito e barato. Há uma transição e com ela surgem muitos desafios“, afirmou o presidente da EPE.