GFOM: a polêmica continua
Se errar é humano, persistir no erro parece ser uma característica inata que vira e mexe afeta as
decisões do setor elétrico brasileiro. Noticiamos aqui na última sexta-feira, 03 de novembro, que o
sistema elétrico voltou a despachar as usinas termelétricas mais caras, com valor acima do custo
marginal de operação (CMO), ou seja, fora da ordem de mérito. Este fato nos traz de imediato à
lembrança que este era um assunto em pauta no meio setorial exatamente há um ano, quando, em
novembro de 2016, o jornalista Maurício Godoi, do portal Canal Energia, foi premiado pela Abraceel pela
reportagem “PLD em busca da realidade perdida”, destacando justamente o descolamento entre a
formação do Preço de Liquidação de Diferenças (obtido por modelos matemáticos) e a realidade da
operação do sistema elétrico.
Temos agora que o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), apenas dois dias depois de
decidir NÃO acionar usinas fora da ordem de mérito, revela-se notadamente surpreendido pela realidade
das chuvas em diferentes partes do país e volta atrás para manter o despacho de usinas com CVU
(custo variável unitário) de até R$ 702,50/MWh para esta semana operativa de 04 a 10 de novembro.
Neste mesmo período, o PLD resultante dos sistemas matemáticos encontra-se em R$ 493,83/MWh. A
diferença significativa, na ordem de R$ 208,00/MWh, mais uma vez vai para a conta dos consumidores,
através do famigerado Encargo de Serviços do Sistema (ESS).
O custo do ESS representa, portanto, o exato valor da ilusão que inexplicavelmente ainda se mantém no
setor pelo menos desde 2014, quando foi incorporado ao programa Newave o mecanismo de aversão a
risco (CVaR), justamente com o objetivo de aproximar a previsão matemática do PLD da realidade
operativa e assim dispensar os despachos fora de ordem de mérito, consequentemente reduzindo o
ESS.
Todavia, nestes últimos três anos, tem sido frequente o despacho das usinas mais caras,
obviamente porque os modelos matemáticos continuam inexplicavelmente descalibrados (pois para
corrigir bastariam ajustes já conhecidos na programação dos sistemas), mesmo em meio a cenários de
crise hídrica e de urgência nas soluções.
Com isto, não é necessária uma bola de cristal para prever que novamente teremos a transferência
injustificável de riquezas entre agentes, repassando aos consumidores, que, na prática, não sabem o que estão
pagando, uma conta que deveria naturalmente se liquidar nas operações registradas na CCEE. Apenas
como memória, cabe lembrar que entre novembro de 2016 e fevereiro de 2017 esta conta – ESS pago
por consumidores — atingiu astronômicos R$ 2 bilhões. Os antigos romanos, ante uma situação dessa magnitude, certamente investigariam “cui prodest?”, ou seja, a quem interessa, ou melhor
ainda, quem lucra com isto?
O fato de cabeças coroadas do setor elétrico serem surpreendidas por fenômenos atmosféricos
demonstra mais uma vez que os modelos matemáticos não se prestam com eficiência, ainda mais que
continuadamente descalibrados na previsão de vazões, para balizar a operação de segurança do
sistema elétrico. Evidentemente, também não se prestam para a formação de preços aderentes à
realidade, ocasionando soluções distorcidas e ilusórias como o ESS.
Já passou da hora de o Brasil reconhecer o erro de persistir apostando nos modelos matemáticos (que
nitidamente não tem dado certo) para avançar para um novo modelo de formação de preços para a
energia elétrica, por meio de ofertas entre os agentes, ampliando, portanto, a percepção de preços
condizentes com a realidade do custo da geração necessária para suprir a demanda e ainda recompor
os reservatórios.