Mercado livre não é a Geni
Os agentes de comercialização devem voltar às manchetes, nesta quarta ou quinta, pois ainda existem alguns problemas comerciais em relação ao nível elevado do PLD. Nesse contexto, é muito fácil falar e fazer críticas, mas, como na música de Chico Buarque, os agentes que operam no mercado livre não podem ser vistos como uma espécie de Geni. É verdade que a situação atual em alguns casos decorre de operações mal feitas, mas o problema não se resume a isso. Antes de tudo, é preciso mudar muita coisa no setor elétrico brasileiro e torná-lo mais justo.
Várias distribuidoras quebraram nos últimos anos. Por motivos diversos. Roubalheira organizada por antigos controladores, ineficiência, corrupção pura e simples. E por aí vai. O Código Penal seria insuficiente para enquadrar os muitos casos de irregularidades praticados durante anos por várias distribuidoras. Como o consumidor final depende delas, foram simplesmente encampadas pela Eletrobras, que morreu numa grana torta para mantê-las respirando. Só recentemente, foram transferidas através de leilão à iniciativa privada. Não se falou em encerrar as suas atividades.
E as geradoras? Não pagam o tal do risco hidrológico, entram com liminares bem elaboradas e pagas a peso de ouro aos melhores escritórios de advogados do país. Alguém já ouviu a CCEE dizer alguma vez que vai fechar as geradoras? Nunca. Isso é impossível, pois as geradoras produzem a energia que é entregue pelas distribuidoras aos consumidores finais.
O ministro Bento Albuquerque pegou o bonde andando e herdou o abacaxi do GSF. Reza todos os dias para que um projeto de lei que tramita no Congresso Nacional seja suficiente para resolver o problema. Só que ainda não lhe contaram que a proposta resolve apenas o problema do GSF do passado, é apenas um paliativo, e não resolve eventuais problemas do futuro.
Aí surgem os problemas de alguns comercializadores, que calibraram o PLD de forma equivocada. Opa. Baixa-se o porrete nesses agentes, como se eles fossem os grandes responsáveis por todos os problemas do setor elétrico brasileiro.
Já está na hora de mudar esse quadro e tornar o SEB mais isonômico. Afinal, ninguém explica porque os burocratas do setor elétrico insistem na manutenção de falidos modelos computacionais ou então porque razão os níveis dos reservatórios são gerenciados de forma pouco transparente, o que impacta diretamente o preço da energia. É evidente que o tal do PLD permite manipulações, pelas quais os agentes de comercialização não são responsáveis.
Em muitos casos, aliás, são apenas vítimas, como a sociedade em geral. Os burocratas do setor elétrico, nessas horas, se escondem em seus gabinetes refrigerados e não fazem comentários. Como está ocorrendo nos últimos dias, alguns operadores do ML acabam pagando o pato, pois querem jogar dos dois lados e não conseguem suportar a pressão.
O setor elétrico brasileiro é muito bom, tecnicamente, mas está longe da perfeição. Precisa mudar muita coisa, para se modernizar e ficar mais justo. Do jeito que está hoje, é relativamente cômodo para alguns: os distribuidores são contra a abertura do mercado, os geradores escondem os erros dos modelos computacionais e alguns comercializadores tentam atuar em situações de risco e acobertam tudo isso.
No fundo, no fundo, sempre são preservados os interesses da burocracia confortavelmente instalada nos organismos institucionais, como ONS, CCEE, Aneel e EPE, que atuam apenas de forma cosmética e não enfrentam os verdadeiros problemas do setor elétrico. O MME, que depende desses organismos, pois a sua estrutura técnica é insuficiente, fica meio perdido no meio do tiroteio no escuro.
Já está passando da hora de brincar de ter um mercado livre regulado, como acontece hoje no Brasil. É preciso romper com toda a burocracia cara e inútil que permeia o setor elétrico. Está na hora de ter um verdadeiro mercado livre para todos, sem amarras, sem PLDs, sem modelos computacionais, e Deus acima de tudo.